31 dezembro, 2012

Hoje é o último dia do ano... e eu cito Saramago!

 
UM EXCELENTE 2013 PARA TODOS

"Hoje é o último dia do ano. Em todo o mundo que este calendário rege andam as pessoas entretidas a debater consigo mesmas as acções que tencionam praticar no ano que entra, jurando que vão ser rectas, justas e equânimes, que da sua emendada boca não voltará a sair uma palavra má, uma mentira, uma insídia, ainda que as merecesse o inimigo, claro que é das pessoas vulgares que estamos falando, as outras, as de excepção, as incomuns, regulam-se por razões próprias para serem e fazerem o contrário sempre que lhes apeteça ou aproveite, essas são as que nunca se deixam iludir, chegam a rir-se de nós e das boas intenções que mostramos, mas, enfim, vamos aprendendo com a experiência, logo nos primeiros dias de Janeiro, teremos esquecido metade do que havíamos prometido, e, tendo esquecido tanto, não há realmente motivo para cumprir o resto, é como um castelo de cartas, se já lhe faltam as obras superiores, melhor é que caia tudo e se confundam os naipes."
 
José Saramago, in “O ano da morte de Ricardo Reis” (pág. 59)

21 dezembro, 2012

(Feliz) NATAL - Poema de Miguel Torga

FELIZ NATAL PARA TODOS

NATAL
Fiel das horas mortas
Dessa noite comprida,
Pergunto a cada sombra recolhida
Que sol figura o lume
Que da lareira negra me sorri:
O do calor cristão?
O do calor pagão?
Ou a fogueira é só a combustão
Da lenha que acendi?

Presépios, solstícios, divindades…
A versátil natureza
Do homem, senhor de tudo!
Cria mitos,
Destrói mitos,
Nega os milagres que fez,
E depois, desesperado,
Procura o mundo sagrado
Nas cinzas da lucidez.

Poema de Miguel Torga, Portugal (1907-95)
Pintura (O Anjo) de Carlos Reys, Portugal (1937-)

14 dezembro, 2012

NATAL - Poema de Reinaldo Ferreira

 

NATAL
Neste caminho cortado
Ente pureza e pecado
Que chamo vida,
Nesta vertigem de altura
Que me absolve e depura
De tanta queda caída,
É que tu nasces ainda
Como nasceste
Do ventre de Tua mãe.
Bendita a Tua candura.
Bendita a minha também.

Mas se me perco e Te perco,
Quando me afogo no esterco
Do meu destino cumprido,
À hora em que eu Te rejeito
E sangra e dói no Teu peito
A chaga de eu ter esquecido,
É que Tu jazes por mim
Como jazeste
No colo da Tua mãe.
Bendita a Tua amargura
Bendita a minha também.

Poema de Reinaldo Ferreira, Portugal (1922-1959)
Pintura de Carlos Reys, Portugal (1937-)

07 dezembro, 2012

Desafio nº12 – Considerava que cada pessoa é responsável por si própria. Quem é esta mulher guerreira que gostava de ser tratada como a maior escritora francesa?

Ninguém me aceitava tal como eu era, ninguém me amava; amar-me-ia eu bastante, pensei, para compensar este abandono. Outrora convinha-me, mas preocupara-me pouco em me conhecer; doravante pretendi desdobrar-me, olhar-me, espiar-me; no meu diário dialogava comigo própria. Entrava num mundo cuja novidade me aturdia. Aprendi o que separa o desespero da melancolia e a secura da serenidade; aprendi as hesitações do coração, os seus delírios, o aparato das grandes renúncias e os murmúrios subterrâneos da esperança.
Contudo perseverei no meu desígnio: servir.
O meu caminho estava traçado: aperfeiçoar-me, enriquecer-me e exprimir-me numa obra que ajudasse os outros a viver.
 
Ajuda se eu disser que nasceu, em 1908, numa colónia francesa, e que este foi o primeiro livro de uma vasta obra autobiográfica?
Ajuda se eu disser que teve uma relação polémica com o maior filósofo do seu tempo?
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Resposta do Desafio nº 11:
Este não foi fácil, pois não? Trata-se de “Os três seios de Novélia”, de Manuel da Silva Ramos. Ganhou o Prémio de Novelística Almeida Garrett 1968.
Parabéns para quem acertou.

01 dezembro, 2012

2º Aniversário do "rol de leituras"


E já passaram 2 anos...
Dois anos de boas leituras e muitas releituras. A crise não perdoa…
(Não conheço gente nas editoras que me arranje livros mais baratinhos… mesmo com pequenitos defeitos…)
Bem, vamos mas é ao que importa:
E o que importa é que no segundo ano do meu blogue li romances fabulosos e poesia encantatória, descobri novos e extraordinários autores, li excelentes crónicas e entrevistas em revistas e jornais, aproximei-me de bons blogues de livros, enfim, foi um consolo, no meio de tanta desgraça.
Dos muitos (uau!) livros traduzidos que li este ano, destaco o extraordinário romance “Até ao fim da terra”, de David Grossman. Um livro intenso, inesquecível, sobre a dor de uma mãe, sobre a dor de um povo. Um livro com uma história atualíssima, infelizmente. Aconselho a sua leitura.
Dos poucos (falhei!) livros que li, escritos na nossa língua, destaco “O teu rosto será o último”, do desempregado-premiado João Ricardo Pedro. Gostei!
Também reli bons livros de José Saramago (a magia das metáforas), de Gabriel García Márquez (a magia das histórias), de Isabel Allende (a magia feminina), e muitos outros.
Descobri, definitivamente, os contos e perdi-me em leituras soberbas.
E descobri Mia Couto n’ “A confissão da leoa”. Voltarei a este autor no terceiro ano do meu rol.
E não consegui terminar “Os detectives selvagens” de Roberto Bolaño. É uma estafa este livro! Para me redimir, começarei o próximo ano com um comentário sobre ele.
E criei um novo blogue "Pétalas de Sabedoria". Puro deleite!
Pois bem, e o que se segue? No terceiro ano quero:
Degustar primeiros romances de novos escritores, principalmente de língua portuguesa;
- Aprender com Saul Bellow, Henrique Vila-Matas, Naguib Mahfouz, Salman Rushdie, Haruki Murakami, Robert Musil. Já estão todos alinhados, a “olhar” para mim;
- Relembrar Eça de Queirós, Jorge Amado, José Saramago, Ernest Hemingway, Thomas Mann, John Steinbeck.
- Divulgar poetas e pintores (fascinação!);
- Manter os “Desafios” mensais e comentar os livros já "desafiados";
- Visitar mais os blogues de livros que sigo;
e,
- Reduzir o número de postagens (o tempo livre é pouco e as prioridades são outras).
Conseguirei? Claro que sim!
Aceito comentários, sugestões e críticas que ajudem a melhorar o terceiro ano deste cantinho.
Obrigada a todos os que passaram pelo rol de leituras.
Obrigada pelos comentários no blogue, pelas mensagens no email.
Obrigada pelo carinho, pelo incitamento, pela força.
Abraço!

27 novembro, 2012

Poema de... Rudyard Kipling

SE
Se podes conservar o teu bom senso e a calma
No mundo a delirar para quem o louco és tu...
Se podes crer em ti com toda a força de alma
Quando ninguém te crê...Se vais faminto e nu,

Trilhando sem revolta um rumo solitário...
Se à torva intolerância, à negra incompreensão,
Tu podes responder subindo o teu calvário
Com lágrimas de amor e bênçãos de perdão...

Se podes dizer bem de quem te calunia...
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor
(Mas sem a afectação de um santo que oficia
Nem pretensões de sábio a dar lições de amor)...

Se podes esperar sem fatigar a esperança...
Sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho...
Fazer do pensamento um arco de aliança,
Entre o clarão do inferno e a luz do céu
risonho...

Se podes encarar com indiferença igual
O triunfo e a derrota, eternos impostores...
Se podes ver o bem oculto em todo o mal
E resignar sorrindo o amor dos teus amores...

Se podes resistir à raiva e à vergonha
De ver envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega eivadas de peçonha
Com falsas intenções que tu jamais lhes deste...

Se podes ver por terra as obras que fizeste,
Vaiadas por malsins, desorientando o povo,
E sem dizeres palavra, e sem um termo agreste,
Voltares ao princípio, a construir de novo...

Se puderes obrigar o coração e os músculos
A renovar um esforço há muito vacilante,
Quando no teu corpo, já afogado em crepúsculos,
Só exista a vontade a comandar avante...

Se vivendo entre o povo és virtuoso e nobre...
Se vivendo entre os reis, conservas a humildade...
Se inimigo ou amigo, o poderoso e o pobre
São iguais para ti à luz da eternidade...

Se quem conta contigo encontra mais que a conta...
Se podes empregar os sessenta segundos
Do minuto que passa em obra de tal monta
Que o minuto se espraia em séculos fecundos...

Então, óh ser sublime, o mundo inteiro é teu!
Já dominaste os reis, os tempos, os espaços!...
Mas, ainda para além, um novo sol rompeu,
Abrindo o infinito ao rumo dos teus passos.

Pairando numa esfera acima deste plano,
Sem receares jamais que os erros te retomem,
Quando já nada houver em ti que seja humano,
alegra-te, meu filho, então serás um homem!...

Poema de Rudyard Kipling (1865-1936)), tradução de Félix Bermudes
Pintura de António Palolo, Portugal (1946-2000)

23 novembro, 2012

"Um país para lá do azul do céu" - Susanna Tamaro


Há muitas tragédias que são devidas a falhas de comunicação.
Pois é, voltei aos contos. E voltei a SusannaTamaro, uma magnífica contadora de histórias.
As suas histórias não são fáceis de ler, por serem histórias tristes, histórias de sofrimento, histórias que perturbam e emocionam, histórias que dificilmente se esquecem, histórias que são a própria vida. Mas são belas e bem escritas e, por isso, não conseguimos deixar de as ler.
Este livro é constituído por quatro histórias dramáticas, acerca do terrível flagelo que é a emigração ilegal. São histórias sobre comportamentos xenófobos, violência, falta de comunicação, exclusão social.
Em todas elas, Susanna Tamaro dá voz ao sofrimento dos desenraizados, e reflecte sobre a angústia e a aflição humanas, o desejo de mudança e a vontade de viver.
Há peixes que, embora sejam pequenos, não são devorados pelos peixes grandes.
Em todas elas, o desespero conduz a desfechos trágicos. E que desfechos…
– "O que diz o vento?"
Esta história tocou-me particularmente. É sobre Nabila, a mãe corajosa, que escondida no porão de um navio chega à Europa com o filho pequeno, numa fria noite de inverno. O que encontra à chegada não é o paraíso, é o inferno.
"Do céu"
Esta história deixou-me atordoada. É sobre a adopção de Arik, um menino africano muito desejado e amado, por um casal italiano. Um menino estranho. Uma história de amor com um final sinistro.
Haveria outro país, para lá do azul do céu? Se calhar, havia: devia ser o país das mães e dos pais.

Leiam estas pequenas histórias e deslumbrem-se e interroguem-se:
Onde é que este mundo vai parar?

Um país para lá do azul do céu, de Susanna Tamaro
Ed. Presença, 2003
Tradução de Maria Jorge Vilar de Figueiredo
92 págs.

20 novembro, 2012

Vale a pena ler...Monge Matthieu Ricard

Matthieu Ricard nasceu em França, em 1946. Cientista de sucesso, na área da Filosofia, em 1972 abandonou a carreira e dedicou-se ao Budismo Tibetano.
De bem com a vida, respondeu assim à jornalista:
P: Os cientistas consideram-no o homem mais feliz do mundo. Qual é o segredo?
R: Isso é um exagero, não acho que seja bem assim. Mas posso dar alguns conselhos. Primeiro, há que reconhecer que se quer se feliz e não negligenciar as emoções, o nosso interior.
Egoísmo, arrogância, agressividade são tudo sentimentos que nos fazem sentir mal, que controlam as nossas mentes e impedem a felicidade. Não são sentimentos que nos sejam impostos, somos nós os responsáveis por eles, e todos sabemos o mal que fazem. A verdade é que podemos treinar a mente. Cá fora, o nosso controlo é limitado, já no cérebro só depende de nós.
P: E quais são os primeiros passos a dar para o conseguirmos fazer?
R: Primeiro, devemos olhar para dentro e ver o que nos proporciona felicidade. Como o amor altruísta, por exemplo. É preciso controlar o excesso de desejo. E como o fazemos? Simples: libertando-nos dessa ansiedade de querer ter tudo. Como é que podemos dissipar a raiva? Como amor, afeição. É preciso reconhecer que precisamos de mudar de atitude, e depois não basta fazê-lo um dia ou um mês. É algo para a vida. E se o fizerem, acreditem, vão sentir mudanças.
P: Mas temos de pôr de lado os prazeres mundanos para sermos felizes?
R: [risos] Não há mal nenhum no prazer. Mas o prazer não tem nada a ver com felicidade.
Excerto da entrevista concedida a Paula Cosme Pinto, publicada na Revista, do jornal Expresso de 28 Abril 2012
Vale a pena ler na íntegra.

16 novembro, 2012

"O ano da morte de Ricardo Reis" - José Saramago

Aqui o mar acaba e a terra principia. Chove sobre a cidade pálida, as águas do rio correm turvas de barro, há cheias nas lezírias.
Assim começa esta narrativa sobre os últimos nove meses de vida do médico Ricardo Reis, o heterónimo mais conhecido de Fernando Pessoa.
Na sua biografia consta que nasceu no Porto, em 1887 e nada é dito sobre o ano da sua morte. Saramago decide, então, criar a sua versão da história, entrelaçando factos oficiais com factos imaginados, e pôr um ponto final na vida do médico monárquico. Ricardo Reis morrerá em 1936, ano do início do longo tormento português.
Sou o ano de mil novecentos e trinta e seis, venham ser felizes comigo.
Foi em 1919 que Ricardo Reis fugiu para o Brasil como exilado político. Dezasseis anos depois voltou a fugir, desta vez da ditadura de Vargas e regressou a Portugal. Chegou a Lisboa em Dezembro de 1935, precisamente um mês após a morte do grande amigo e mestre Fernando Pessoa.
Você, Reis, tem sina de andar a fugir das revoluções…
Em Lisboa, Ricardo Reis, homem grisalho e seco de carnes, começou por se instalar no famoso hotel Bragança, num quarto com vista para o rio. Por agora o hotel bastará, lugar neutro, sem compromissos, de trânsito e vida suspensa. Mais tarde alugou um apartamento, no Alto de Santa Catarina. Procura privacidade e deseja despistar a polícia que insiste em persegui-lo.
Sem consultório para exercer a profissão, ocupa o tempo a dormir, a ler, a caminhar pelas ruas da cidade, a entrar e a sair de restaurantes, bares e casas de pasto onde escuta, observa e testemunha a afirmação do fascismo na sociedade portuguesa, o futuro de Espanha a braços com uma guerra civil, a ascensão do nazismo na Europa.
O que pede ele à vida? Nada!
Aos deuses peço só que me concedam o nada lhes pedir.
No hotel conheceu as duas mulheres da sua vida: Lídia, a criada, uma mulher feita e bem feita, que lhe ensinará a arte do amor e Macenda, uma jovem pura e doce de Coimbra, com vinte e três anos, que busca nos hospitais de Lisboa cura para uma mão paralisada.
A vida, qualquer vida, cria os seus próprios laços, diferentes de uma para outra…
Foi, também, no hotel, que na noite da passagem do ano reencontrou o mestre Fernando Pessoa, depois da longa ausência.
A partir desse primeiro encontro veem-se com regularidade no hotel, na rua, no apartamento alugado e têm longas e curiosas conversas sobre as encruzilhadas da vida, o amor, a solidão, a morte, sobre o país de Salazar, sobre o mundo.
Diga-me só uma coisa, é como poeta que eu finjo, ou como homem, O seu caso, Reis amigo, não tem remédio, você, simplesmente, finge-se, é fingimento de si mesmo, e isso já nada tem que ver com o homem e com o poeta.
Gostam de conversar, divagar, interrogar.
Até à noite em que Fernando Pessoa comunica: Vim cá para lhe dizer que não tornaremos a ver-nos, Porquê, O meu tempo chegou ao fim.
Fernando Pessoa parte. Sem qualquer hesitação, Ricardo Reis acompanha-o.
A vida é um desacerto de sortes…
Gostei de me perder no mundo das metáforas do nosso Nobel.
Sorte!
 
O ano da morte de Ricardo Reis, de José Saramago
Ed. Caminho, 1984
415 págs.

13 novembro, 2012

Poema de... Florbela Espanca


A UM LIVRO
No silêncio de cinzas do meu Ser
Agita-se uma sombra de cipreste,
Sombra roubada ao livro que ando a ler,
A esse livro de mágoas que me deste.

Estranho livro aquele que escreveste,
Artista da saudade e do sofrer!
Estranho livro aquele em que puseste
Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!

Leio-o e folheio, assim, toda a minh’alma!
O livro que me deste é meu, e salma
As orações que choro e rio e canto!...

Poeta igual a mim, ai quem me dera
Dizer o que dizes!... Quem soubera
Velar a minha Dor desse teu manto!...

Poema de Florbela Espanca, Portugal (1894-1930)
Pintura (Silence) de Henry Fuseli, Suiça (1741-1825)

09 novembro, 2012

"A hora má: o veneno da madrugada" - Gabriel García Márquez

“É proibido falar de política”, diz um letreiro pregado na parede da barbearia.
- Quem te autorizou a pôr ali aquele letreiro? - perguntou o alcaide, apontando o aviso.
- A experiência – respondeu o barbeiro.
- Aqui só o Governo tem o direito de proibir seja o que for – disse. – Estamos numa democracia.
Pois é, este hilariante romance foi escrito por GGM em 1962, precisamente vinte anos antes da conquista do Nobel e cinco anos antes da publicação da sua obra-prima “Cem anos de Solidão”.
A acção tem lugar num pequeno povoado perdido no interior de um qualquer país da América Latina. Um povoado em tempos devassado por guerras políticas e repressão brutal mas onde agora reinava a ordem social. Todos viviam “numa santa paz”. Verdadeira?
Não! Os jogos de poder, a corrupção, a miséria e os conflitos sociais eram um prenúncio de tragédia e esta chegou de repente, como se Deus tivesse resolvido que aconteceriam todas juntas as coisas que durante anos deixaram de acontecer.
E chegou com um tiro que rasgou a madrugada.
Um tiro que sobressaltou o padre Ángel, que se preparava para celebrar missa, na sua igreja infestada de ratos; despertou o alcaide, que tentava adormecer, depois do oitavo analgésico para atenuar uma dor de dentes; alarmou os habitantes do povoado, que correram em roupa de dormir para a praça.
O tiro foi disparado por César Montero, um comerciante de gado. O atingido de morte foi Pastor, um humilde tocador de clarinete.
Porquê?
Por causa de um papel – um pasquim - colado na porta de casa de Montero, informando-o da infidelidade da mulher. Mas era verdade ou mentira?
Para o doutor Giraldo, os pasquins dizem o que toda a gente sabe, e que quase sempre é verdade.
Há já algum tempo que apareciam afixados nas portas das casas do povoado. Sempre de madrugada, sempre anónimos, faziam denúncias sobre a vida privada dos cidadãos, como traições, assassinatos, infidelidades, segredos de família envolvendo filhos bastardos e abortos escondidos. Todos se sentiam ameaçados. Qualquer um podia ser o autor ou a próxima vítima. O medo, a raiva e a vingança desencadeiam uma onda de violência colectiva.
Pastor foi vítima dessa violência mas os pasquins continuaram a aparecer, à hora má das madrugadas.
Para o velho e pobre padre Ángel os pasquins são obra da inveja numa terra exemplar, a terra mais cumpridora de toda a Comunidade Católica.
Já o juiz Arcadio, que tratava as persistentes dores de cabeça com analgésicos e cerveja, diz que os pasquins não são obra de uma única pessoa e aposta com o escrivão que vai descobrir os seus autores.
O alcaide corrupto, responsável pela segurança do povoado, impõe o recolher obrigatório e ordena aos seus guardas que façam rondas nocturnas. Pede, até, ajuda a uma adivinha. Nada resulta: os pasquins continuam a ser afixados.
São muitos e convincentes os personagens desta excelente história, narrada com a marca inconfundível de um grande autor e merecido Nobel.
São muitas as vítimas dos pasquins, muitos os eventuais autores e muitos os segredos revelados.
- Se pelo menos se soubesse quem os põe.
- Quem os põe sabe.
Eu penso que sei… mas não digo!
Pós-escrito:
Está a chover novamente. Com este Inverno e as coisas que em cima te conto, creio que nos esperam dias amargos.
Soube-me bem este “veneno da madrugada”. Morri, apenas, de riso. Haja Deus!
Obrigada Carlos Reys, pela excelente sugestão de leitura. 
 
A hora má: o veneno da madrugada, de Gabriel García Márquez
Tradução de Egito Gonçalves
Dom Quixote, 2008
187 págs.

06 novembro, 2012

Desafio nº 11 - Que romance é este que um nome grande da nossa literatura classificou de "proeza literária"?

- E a sua vida? Ainda não sei nada de si… Diga-me, o que é a sua vida?
- A minha vida são os meus livros. As palavras que conduzo. As situações que rego. Os homens que invento para os outros homens. As mulheres que nunca consegui encontrar para o corpo de acção, para o espírito das palavras. Às vezes ando quinze dias atrás duma mulher que encontro casualmente na rua, a observá-la, a segui-la, até casa, até ao emprego, para lhe fixar os mínimos (gloriosos) pormenores para depois os lançar ao papel como um osso a um cão. Mas acabo sempre por desistir porque nunca conseguiria reproduzir-me como uma fotografia ou uma radiografia. Os meus livros não são um guia automobilístico nem o roteiro de uma cidade. Estão abandonados no sangue até que deles participe todo o mundo. E às vezes esqueço-me de viver a minha própria vida. Sim, a minha vida é um veículo que se alimenta de sol em vez de gasolina e que anda só em sentido contrário…
- Porque escreve então?
- Porque não sei falar…
 
Ajuda se eu disser que o autor é português e tinha apenas vinte anos quando publicou este pequeno romance?
Ajuda se eu disser que ganhou o Prémio de Novelística Almeida Garrett?
 
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Resposta do Desafio nº 10:
Claro que é o gostoso “Como água para chocolate”, da escritora mexicana Laura Esquível, publicado em 1989.
Parabéns para quem acertou.

02 novembro, 2012

"Até ao fim da terra" - David Grossman


As famílias são altas matemáticas – demasiadas incógnitas, demasiados parêntesis e demasiadas elevações ao quadrado…
Virada a 684ª página deste avassalador e inesquecível romance, o livro de uma vida, ou “um épico doméstico”, como diz o autor - fiquei sem palavras para escrever sobre ele. A sério!
Resta-me uma para o definir: EXTRAORDINÁRIO!
Mas como quero que todos leiam este romance, vou tentar escrever qualquer coisa.
Para já, cito o autor:
Comecei a escrever este livro no mês de Maio de 2003, meio ano antes do fim do serviço militar do meu filho mais velho, Yonatan, e meio ano antes da incorporação do seu irmão mais novo, Uri. Ambos serviram no Corpo de Blindados…. Uri cumpriu a maior parte do serviço militar nos Territórios Ocupados, em patrulhas, vigias, emboscadas e nos checkpoints e, de vez em quando, partilhava comigo as suas experiências.
Nessa época eu tinha o sentimento – ou mais exatamente o desejo – de que o livro que estava a escrever o protegesse.
A 12 de agosto de 2006, nos momentos finais da Segunda Guerra do Líbano, Uri foi morto no sul do Líbano. O seu tanque foi atingido por um míssil…
Agora, nesta história imaginada é Ora, mãe do soldado Ofer, que foge das más notícias dos “notificadores”. Pensa ela que se não a encontrarem, não lhe podem comunicar a morte do filho e enquanto isso se mantiver, ele continuará vivo.
Mas vamos ao início da história:
Ora festeja a desmobilização do filho e prepara-se para uma caminhada com ele pela Galileia. As mochilas estão prontas. Inesperadamente, Ofer diz à mãe que não farão a caminhada porque tem de partir imediatamente para outra missão, desta vez na Cisjordânia.
Ela sabe depois, que ele se ofereceu como voluntário, para um período de mais vinte e oito dias. Como foi capaz de a enganar o único dos seus homens que fora sempre leal para com ela.
Ora está separada do marido Ilan e é mãe de Ofer e Adam, o filho mais velho, que vive com o pai. Estão ambos de férias fora do país.
Desiludida, triste, sozinha e temendo a pior notícia que uma mãe pode receber , Ora foge de casa, para não poder ser encontrada durante todo o período em que Ofer estiver em missão.
Decide, então, fazer a caminhada e “arrasta” consigo Avram, o artista, o pacifista, antigo namorado e amante, ex-prisioneiro de guerra do Egipto e o melhor amigo dela e de Ilan.
Uma das regras, provavelmente a mais importante, determinava que ela estivesse sempre em movimento e é isso que faz, caminhando sem cessar por montes e vales “até ao fim da terra”.
E falam, falam muito. Aliás, ela fala e ele ouve embevecido interiorizando lentamente o facto de que pela primeira vez em trinta e cinco anos estava só com ela, realmente, sem Ilan, até mesmo sem a sombra de Ilan.
Mas também há silêncios, silêncios difíceis de suportar.
E há segredos escondidos, verdades amargas, alegrias, angústias, tristezas, sofrimento, desilusões, paixões e muitas histórias contadas para o ventre da terra. Principalmente sobre Ofer, o ser que ambos trouxeram ao mundo.
- Devias saber que enquanto falo contigo sobre ele, ele está bem, está protegido.
- Como?
- Não sei. É o que eu sinto. Está pura e simplesmente resguardado.
- Sim.
- Parece-te loucura?
- Não.
- Conto mais?
- Sim.
Sem ordem cronológica, Ora vai desfiando a sua vida inteira, nos pormenores íntimos da sua família, nos seus amores e desamores, nos dramas físicos e psicológicos da guerra sobre os homens que ama. Uma vida inteira sem sentido, num país enfraquecido, com um povo de exilados sempre em busca de novos caminhos. Reencontrará o amor?
Mas é por Ofer que ela fala, é por Ofer que ela caminha, na companhia do pai daquela criança curiosa que, quando soube que em Israel havia quatro milhões de pessoas, ficou impressionado e até sossegado…. Mas depois quis saber “quantos são contra nós” e não descansou enquanto não soube o número de habitantes dos países muçulmanos no mundo.
Uma criança que, com o seu dinheiro de bolso, compra um pequeno bloco laranja e aponta nele diariamente, a lápis, quantos israelitas restam depois do último atentado terrorista.
Um dia descobriu que uma parte dos israelitas são árabes… Descobriu que os seus cálculos estavam todos errados…
Ofer que lhe sussurrou ao ouvido, no momento da despedida, em frente das câmaras e de todos, que… (não digo!)
O que ele lhe disse pode ter mudado tudo?
Pode abandonar-se um país que se ama mas que não sabemos se sobreviverá?

Que grande mulher esta Ora de David Grossman.
Sobre ela, disse Paul Auster: uma personagem viva e autêntica como não há outra na ficção recente.
Grossman, também caminhou durante 500 quilómetros ao longo de Israel Trail, do extremo norte, na fronteira com o Líbano, até Jerusalém. Premonição?
Por favor, leiam, chorem, riam, deslumbrem-se com a escrita do aclamado "profeta secular de Israel", o escritor que gosta das palavras e que sabe construir personagens femininas como nenhum outro.
Que grande, grande Ora!

Até ao fim da terra, de David Grossman
Ed. Dom Quixote, 2012
Tradução de Lúcia Liba Mucznik
684 págs.

30 outubro, 2012

Politiquices...


Quando um ex-Presidente da República - e não me interessa a cor política - faz afirmações destas na comunicação social (mesmo que já proferidas por outros vezes sem conta) algo vai muito mal nesta nação com nove séculos de história.
 
Quem respeita este Governo?
Portugal está a ser destruído pelas medidas de austeridade e os juros altíssimos que paga sem ganhar nada em troca. Aos buracos financeiros ninguém sabe o que lhes aconteceu. São um segredo de Estado. Os seus responsáveis estão impunes.
Aos pensionistas, que descontaram anos seguidos para ter uma reforma razoável, o Governo corta-lhes, quanto pode, nas pensões. Aos pobres e à classe média. Não aos especuladores e aos ricos. O desemprego tem subido em flecha, deixando milhares de pessoas e muitas famílias na miséria… Os trabalhadores que não estão ainda no desemprego, públicos e privados, estão ameaçados de, em qualquer momento, receberem cortes nos seus vencimentos. Contudo, aos ricos não se corta.
Não admira assim que o actual Governo seja odiado. Toda a gente protesta e com razão. Desde os militares aos farmacêuticos, dos polícias e dos guardas-republicanos, aos professores universitários e liceais, aos médicos, aos engenheiros e arquitectos, sem trabalho, aos pescadores, aos pequenos e médios empresários. Ninguém fica imune desde que não seja rico. O Governo deve perguntar-se, mas não o faz: para que serve a austeridade? O ano 2012 foi pior que o anterior, 2011. É incontestável. Mas o próximo ano, 2013, que agora começa a discutir-se, vai ainda ser muito pior. Todos os economistas sérios o sabem e alguns o dizem.
A austeridade se não for banida, destrói Portugal.
É por isso que digo sem hesitação. Este Governo tem de se demitir, quanto antes. E se não tiver a honradez e a coragem de o fazer, tem de ser demitido pelo senhor Presidente da República. Ou cairemos numa onda de grande violência. Lembremo-nos de que o Governo está parado, nada funciona e os portugueses estão mais do que desesperados.
 
Excerto da crónica de Mário Soares, publicada no jornal Público de 26 Outubro2012.

26 outubro, 2012

"Contos de Eva Luna" - Isabel Allende


Há histórias de toda a espécie. Algumas nascem ao ser contadas, a sua substância é a linguagem e antes que alguém as ponha em palavras são apenas uma emoção, um capricho da mente, uma imagem ou uma reminiscência intangível…
Assim começa “Vida interminável”, a bela e triste história de Ana e Roberto, um casal de anciãos que conservaram intacta a fortaleza do corpo, as faculdades da mente e a qualidade do amor, até ao momento em que decidem morrer juntos, deitados lado a lado, de mãos dadas.
Este é um dos vinte e três contos mágicos, narrados por quem conhece bem a alma humana, por quem faz magia com as palavras  – Isabel Allende.
São vinte e três histórias de amor, paixão, violência, solidão, dor e morte, que unidas através de um fino fio condutor se tornam num só romance.
São vários e fascinantes os personagens destas histórias, alguns já conhecidos de anteriores romances (Rolf Carlé, o fotógrafo, recordam-se dele no romance “Eva Luna”?), outros agora inventados e que também ficarão na nossa memória . Destaco:
Belisa Crepusculario do belíssimo conto “ Duas palavras”, que por cinco centavos entregava versos de memória, por sete melhorava a qualidade dos sonos, por nove escrevia cartas de namorados, por doze inventava insultos para inimigos irreconciliáveis… A quem lhe comprasse cinquenta centavos, dava de presente uma palavra secreta para afugentar a melancolia.
Elena Mejías do conto “Menina perversa”, a gaiata enfezada, silenciosa e tímida que se apaixona pelo amante da mãe.
Maria do conto “Maria, a tonta”, a prostituta velha com alma de donzela, que acreditava no amor.
Nicolas Vidal do conto “A mulher do juiz”, que soube desde sempre que perderia a vida por uma mulher.
A professora Inês do conto “O hóspede da professora”, a matrona mais respeitada de Agua Santa, que esperou muitos anos para fazer justiça com uma catana de abrir cocos.
Li pela primeira vez estes contos em 1990. Recordo, porque anotei, o deslumbramento que senti.
Hoje, reli e voltei a deslumbrar-me.
- Conta-me um conto – digo-te.
- Como queres que ele seja?
- Conta-me um conto que nunca contasses a ninguém.
Maravilha!
Contos de Eva Luna, de Isabel Allende
Ed. Difel, 1990
Tradução de Carlos Martins Pereira
249 págs.

23 outubro, 2012

Vale a pena ler... Agustina Bessa Luis



Agustina fez 90 anos.

A bibliografia assusta, só romances são uns 40, mas entramos e descobrimos um mundo pessoalíssimo, exigente, subtil, imenso. Agustina elevou as possibilidades da literatura e da linguagem literária, em vez de as amesquinhar, ou domesticar, ou produzir tranquilidade.
Em Agustina, até os defeitos são virtudes, as frases arrevesadas, as personagens que desaparecem sem explicação, ninguém deve lê-la à espera de romances “bem feitos” ou da bendita “história” que agora nos dizem que é sinónimo de romance.
Costumo desincentivar algumas pessoas de lerem Agustina, para que não se desiludam, leitores de paciência e horizontes curtos, ou aqueles que preferem sempre uma literatura das “massas”, tanto as massas exploradas como as massas entretidas. Não procurem aqui ficção impessoal, dogmática, superficial, classificável. Agustina nunca foi regionalista, neo-realista, existencialista, vanguardista, pós-moderna, mas sempre se mostrou enraizada numa geografia local, atenta aos humildes, inquieta com a dificuldade de viver bem, ousada no estilo, irónica.

Excerto da crónica de Pedro Mexia, publicada na revista Atual, suplemento do jornal Expresso, de 20 Outubro 2012.
Vale a pena ler na íntegra.

19 outubro, 2012

"A visita do brutamontes" - Jennifer Egan


Diz a sinopse:
Bennie Salazar, antigo punk rocker, está a envelhecer e é agora um executivo discográfico; Sasha é a sua assistente, uma jovem mulher impiedosa e cleptomaníaca. Bennie e Sasha nunca chegarão a descobrir o passado um do outro, mas o leitor vai conhecê-lo até ao mais íntimo detalhe, bem como a vida secreta de um variadíssimo leque de personagens, cujos caminhos se cruzam com os deles ao longo de muitos anos e muitos lugares: Nova Iorque, São Francisco, Nápoles e África. A Visita do Brutamontes é a saga de uma geração: reflete sobre a ação do tempo, a capacidade de sobreviver e as mudanças e transformações quando inexoravelmente postas em movimento, ainda que pelas mais efémeras conjunturas do nosso destino.
O tempo é um brutamontes, não é? Tu vais deixar que esse brutamontes faça de ti o que quiser?
Sempre gostei de ler sagas familiares, logo, pela leitura desta sinopse pensei que tinha encontrado mais um livro encantatório. Pensei mas não encontrei. Não significa que não apreciei – apenas que não me entusiasmei com a leitura.
Gostei do tema – o mundo surpreendente, trágico e hilariante do espectáculo (indústria discográfica), a fama, o drama do envelhecimento, a decadência física, a morte, as relações humanas numa América assolada pelo terrorismo e a braços com uma crise económica.
Como é que eu deixei de ser uma estrela do rock para passar a ser um cabrão dum gordo a quem ninguém liga nenhuma?
Já não gostei tanto das voltas e reviravoltas da estrutura narrativa, o número de personagens, os avanços e recuos temporais da trama, as mudanças bruscas de narrador, o exagero no recurso ao Power Point.
Reconheço a mestria e inteligência criativa da autora, que nunca perdeu o fio condutor deste intrincado romance.
Já eu, necessitei de criar um esquema para perceber a ligação dos personagens que aparecem e desaparecem numa dispersão de histórias, tempos e locais, entre os anos 1970 e 2020.
O elo dessa ligação é Bennie Salazar, músico e produtor de som, corrido da sua própria editora discográfica Orelha de Porco, que, no crepúsculo da vida, organiza concertos para músicos decrépitos, salpica o café com flocos de ouro para garantir a potência sexual e pulveriza os sovacos com pesticida. Um personagem estonteante. 
Mas é com Sasha, a sua assistente cleptomaníaca, que tudo começa e termina. Estranho?
Sasha não é a única personagem feminina, há mais, muitas mais: Collette, Stephanie, Alice, Jocelyn, Mindy, Cora, Nadine, Rhea, Kathy, Dolly, Kitty, Lulu…
Quero sair desta confusão. Mas não quero apagar-me. Quero arder até ao fim – quero que a minha morte seja uma atração, um espetáculo, um mistério.
 
A visita do brutamontes, de Jenniffer Egan (Prémio Pulitzer 2011)
Quetzal Editores, 2012
Tradução de Jorge Pereirinha Pires
369 págs.

16 outubro, 2012

Mo Yan - Prémio Nobel da Literatura 2012

Mo Yan, pseudónimo de Guan Moye, escritor chinês, 57 anos, nasceu na província de Shandong, no leste da China.
Filho de camponeses pobres, Mo Yan (que em chinês significa "não falar") retrata em todos os seus romances uma realidade que bem conhece: a China rural.
Conhecido pelo "realismo mágico" das suas histórias de amor, conquista agora - para muitos entendidos merecidamente - o prémio maior da Literatura.
Em Portugal foi editado um único livro "Peito grande, ancas largas", pela ed. Ulisseia, 2007.
Não o li, nem o vi nas livrarias. Falha minha.
Aguardo por mais.

12 outubro, 2012

"Filho de Deus" - Cormac McCarthy


Se lhe fosse dada a oportunidade Ballard tornaria as coisas mais ordenadas nas matas e na alma dos homens.
Uau! A história de vida de Lester Ballard - mais uma poderosa personagem imaginada por Cormac McCarthy - deixou-me verdadeiramente aturdida.
Eu sei que por vezes devemos sair do conforto das “historinhas” e mergulhar em histórias mais sérias que nos façam pensar e pensar à medida que vamos lendo. Eu sei e tento fazê-lo. Mas esta história…
Esta história é arrepiante, pela violência dos crimes perpetrados por Lester Ballard, um vagabundo solitário, psicologicamente desequilibrado, dotado de uma imaginação fértil, cruel e pervertida, um filho de Deus, quem sabe se em tudo semelhante a você mesmo.
E é isso que arrepia.
Lester Ballard foi abandonado pela mãe aos nove anos. O pai enforcou-se de seguida. Era filho único. Tiraram-lhe a casa dos antepassados. A sociedade afastou-o e ignorou-o. Ele torna-se selvagem, solitário, violento, cruel.
Ocupa os dias deambulando por estradas, montanhas e florestas, espreitando a sua antiga casa e o novo dono. Comete crimes macabros e esconde os corpos em grutas inacessíveis e satisfaz taras sexuais com os cadáveres das mulheres.
Todos desconfiam que é ele o assassino mas os corpos não aparecem e não o podem acusar.
Sr. Ballard… de duas uma: ou muda de vida ou então se quiser continuar como até aqui vai ter que procurar outro sítio no mundo para se enfiar.
Não. Ballard não vai mudar de vida. Ballard vai continuar a deambular pelas matas noite e dia, a roubar, a matar, a esconder os corpos no ventre das montanhas e a falar consigo próprio até ser estendido numa laje e esfolado, eviscerado, dissecado numa escola médica.
Estranho!
Estranho, mesmo muito estranho, é ficarmos presos da primeira à última linha desta espantosa história de violência e sentirmos, até, compaixão por um ser humano reles e cruel – que nunca aprendeu a relacionar-se com os outros e se tornou violento para sobreviver.
Só mesmo Cormac McCarthy consegue esta magia.
Achas que as pessoas eram piores nessa altura do que são agora?
Não acho. Acho que as pessoas são as mesmas desde o dia em que Deus fez a primeira.
Gostei!
 
Filho de Deus, de Cormac McCarthy
Relógio d’Água, 1994
Tradução de Paulo Faria
193 págs.

09 outubro, 2012

Vale a pena ler... Ian McEwan

Cito excertos da interessante conversa de Ian McEwan com Isabel Coutinho, em Paraty, aquando do lançamento do livro “Mel”:
Quando escreveu Expiação teve de “tentar entrar na pela de uma mulher de 30 anos como era lembrada por uma mulher de 78 anos”. Agora, em Mel, como Serena, teve de “viver como uma jovem mulher imaginada por um jovem homem”. Não lhe custou?
Acho que é preciso estabelecer um contexto na nossa imaginação e depois todas as personagens e percepções o seguem. Uma vez feito, deixa de ser um esforço constante. Quando tomamos a decisão e ajustamos a nossa mente a um certo formato, depois é só deixar ir.
Tal como o pintor vai desenhando o retrato, traço a traço, o romancista a determinada altura vê a personagem.
Às vezes, uma personagem tem personalidade e não precisa de um rosto. Alguns dos meus personagens crescem a partir de uma frase.
Como leitor, Ian McEwan sabe que é preciso ter muita paciência para se ler um romance que durante oito a 36 horas precisa da nossa atenção contínua. Enquanto à nossa volta existem tantas coisas que nos atraem e nos desviam da leitura.
Por isso acho que os escritores devem um serviço aos leitores em termos de clareza. Sei que não estou sozinho nisto, a quantidade de romances que comecei a ler e não acabei… Muitas vezes o que me motivou a não continuar com a leitura foi a falta de clareza nas páginas iniciais de uma obra. Parece-me crucial que se convidamos o leitor a entrar em nossa casa, não há grande vantagem em sermos obscuros.

Excerto da crónica de Isabel Coutinho, publicada na revista Ípsilon, suplemento do jornal Púbico, de 5 Outubro 2012.
Vale a pena ler na íntegra.

05 outubro, 2012

"A ilha de Sukkwan" - David Vann

Nessa noite o pai voltou a chorar.
Pela manhã, Roy lembrou-se do choro, e pareceu-lhe que isso era exactamente o que não devia fazer. Por uma espécie de acordo em que não fora tido nem achado, cabia-lhe escutar à noite e não só esquecer tudo durante o dia como, de certo modo, fazer de conta que nada tinha acontecido. Começou a recear as noites dos dois juntos…
Eis uma extraordinária e avassaladora história sobre a relação pai e filho, uma viagem repleta de suspense pelas profundezas da alma humana, uma escrita que lembra o melhor de Cormac McCarthy (o escritor preferido de David Vann), uma história para ler e pensar, com uma trama para manter em segredo.
Por isso, digo apenas que este romance surge vinte e três anos após o suicídio do pai do autor, um longo e desesperante período de tempo que necessitou para lidar com a tragédia, a vergonha daquela morte, se redimir da culpa, atenuar a raiva e perceber porque todo o seu amor não fora suficiente para o salvar.
David Vann disse NÃO quando o pai, depois da separação da mãe, lhe pediu para que fosse viver com ele um ano para o Alasca. David Vann, então com treze anos, recusou deixar a mãe, a irmã, os amigos e a escola. O pai, que vivia um período de profunda depressão, e talvez procurasse a cura no convívio com o filho, suicidou-se duas semanas depois.
E se tivesse dito sim?
É exactamente o que acontece neste romance, com Roy, também com treze anos, a dizer SIM ao pedido do pai, para passar com ele um ano em completo isolamento na paisagem idílica mas hostil do Alasca. Seria a viagem do reencontro de ambos, a viagem da salvação.
No início da viagem Roy sentia-se descontraído, feliz e seguro na companhia do pai. Mas, rapidamente tudo se complicou e o cenário idílico tornou-se agressivo, as condições de sobrevivência mínimas, a fragilidade psicológica do pai preocupante, o relacionamento entre os dois preso por um fio.
A meio do romance a situação torna-se incontrolável, o fio parte e o pesadelo acontece.
Não estavam habituados àquele lugar nem à maneira de ali viver nem um ao outro.
Que grande romance.
 
(Curiosidade:
Acendeu o lume no fogão, depois pôs o peixe numa frigideira com manteiga e pimenta e saiu para o alpendre sentindo-se como um pioneiro do Oeste, sentindo-se tão bem que foi até onde estava o pai e ficou a vê-lo trabalhar e a conversar até lhe parecer que o lume já estava quente e voltou para dentro e espalhou o carvão e fritou o peixe.
Qual é o escritor que também escreve assim, qual é?)
 
A ilha de Sukkwan, de David Vann
Edições Ahab, 2011
Tradução de José Lima
182 págs.

02 outubro, 2012

Desafio nº 10 - Veio do México este romance dulcíssimo. Qual é e quem o escreveu?

Apesar do tempo decorrido, ela conseguia lembrar-se perfeitamente dos sons, das cores, do roçar do seu vestido novo sobre o chão recém-encerado; o olhar de Pedro sobre os seus ombros… Aquele olhar! Ela caminhava para a mesa levando uma bandeja com doces de gema de ovo quando o sentiu, ardente, a queimar-lhe a pele. Virou a cabeça e os seus olhos encontraram-se com os de Pedro. Nesse momento compreendeu perfeitamente o que deve sentir a massa de uma filhó ao entrar em contacto com o óleo a ferver. Era tão real a sensação de calor que invadia todo o seu corpo que perante o medo de que, como a uma filhó, lhe começassem a brotar borbulhas por todo o corpo – na cara, no ventre, no coração, nos seios – Tita não conseguiu sustentar esse olhar e baixando os olhos atravessou rapidamente o salão até ao extremo oposto…
 
Ajuda se eu disser que a trama da história gira à volta de tachos, panelas e colheres de pau?
Ajuda se eu disser que é na cozinha que se “cozem” e “temperam” amores e desamores?

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Resposta do Desafio nº 9:
Foi tão fácil, tão fácil este desafio.
Claro que é “O Principezinho”, de Antoine de Saint-Exupéry.
Parabéns para quem acertou.
 

28 setembro, 2012

"Ensaio sobre a lucidez" - José Saramago

Assim disse Saramago:
Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso.
Ora bem, eu não sofri tanto assim. Até sorri por diversas vezes, com a crítica mordaz que ele faz ao poder político. Uma crítica cáustica, como só ele sabe fazer. A primeira parte do livro é, verdadeiramente risível. A segunda parte, bem, é muito mais séria.
A trama é interessante:
Num país qualquer é dia de eleições municipais. Na capital chove torrencialmente e durante a manhã poucos eleitores comparecem para votar. Numa determinada mesa eleitoral o presidente e os delegados dos partidos representados temem uma alta abstenção.
No período da tarde os eleitores começam a aparecer, se bem que a conta-gotas, sem entusiasmo, como folhas outonais desprendendo-se lentamente dos ramos e foi só próximo do encerramento das urnas que compareceram em força para exercer o seu direito de voto, obrigando a prolongar o horário da votação. Tudo parecia normal até ao momento da contagem dos votos, quando se deu a catástrofe: Pouquíssimos os votos nulos, pouquíssimas as abstenções. Todos os outros, mais de setenta por cento da totalidade, estavam em branco.
A estupefacção varre o país de lés a lés. O Governo decide repetir as eleições e uma vez mais a contagem dos votos confirma e agrava a tendência das eleições anteriores: oitenta e três por cento de votos em branco.
O primeiro-ministro reconheceu que a gravidade da situação era extrema, que a pátria havia sido vítima de um infame atentado contra os fundamentos básicos da democracia representativa… se a maior parte dos habitantes da capital… tinham querido limpeza, iriam tê-la.
Segue-se uma onda de perseguições, inquirições, prisões e a declaração do estado de sítio. De nada serviu. Não encontraram os culpados do boicote eleitoral.
Desnorteados, os governantes decidem-se pela retirada sigilosa do governo para outra cidade, levando consigo o exército e as forças policiais.
Fogem, na calada da noite, isolando a capital e abandonando os habitantes à sua sorte. Os habitantes/eleitores que simplesmente manifestaram a sua indignação e revolta pela prática política de todos os partidos – direita, esquerda e meio - votando em branco e provando que a cegueira branca não os fez perder a lucidez.
Na segunda parte do livro, aparecem algumas personagens d’“O ensaio sobre a cegueira” - o médico, a mulher do médico, o cão das lágrimas – que mais uma vez vivem o terror da cegueira branca.
Uma certa mulher, casada com um médico oftalmologista e que, assombro dos assombros, foi, segundo testemunhos dignos de suficiente crédito, a única pessoa que há quatro anos escapou à terrível epidemia que fez da nossa pátria um país de cegos, essa mulher é considerada pela polícia como a provável culpada da nova cegueira… É motivo para dizer que mais lhe valia ter cegado.
Eles, tal como muitos outros cidadãos da cidade sitiada, são perseguidos pelas forças policiais, até ao momento em que o homem de gravata azul com pintas brancas subiu o terraço de um prédio quase fronteiro às traseiras daquele em que vivem…
Então um cego perguntou, Ouviste alguma coisa, Três tiros, respondeu o outro, Mas havia também um cão aos uivos, Já se calou, deve ter sido o terceiro tiro, Ainda bem, detesto ouvir os cães a uivar.
Fim!
Não sendo o melhor romance de Saramago é sempre um deleite ler, ou reler, o nosso Nobel.
(Sugiro que comecem por ler o livro “Ensaio sobre a cegueira”)
 
Ensaio sobre a lucidez, de José Saramago
Caminho, 2004
329 págs.

25 setembro, 2012

Poema de... Vasco Graça Moura


AS AVES MIGRAM EM SETEMBRO
as aves migram em setembro.
nem vou com elas, nem
guardo delas
a mínima memória.

escurece mais cedo,
o tempo não se rouba,
escoa-se como o frio
por uma camisola

até dentro da pele.
as aves migram
calmamente, eu
permaneço aqui

de guarda à água lisa que viu passar seus bandos
e em que hás-de debruçar-te.

Poema de Vasco Graça Moura, Portugal (1942-)
Pintura (O voar das aves) de Eleitão – Eduardo Leitão, Portugal

21 setembro, 2012

"Doze contos peregrinos" - Gabriel García Márquez

O esforço de escrita de um conto é tão intenso como o de começar um romance. Porque no primeiro parágrafo de um romance tem de se definir tudo: estrutura, tom, ritmo, extensão, e por vezes até o carácter de uma ou outra personagem. O resto é o prazer de escrever, o mais íntimo e solitário que possa imaginar-se…
O conto, em contrapartida, não tem princípio nem fim: pega ou não pega. E se não pega, a experiência própria e alheia dizem-me que na maioria dos casos será mais saudável começar de novo por um caminho diferente, ou deitar tudo fora.
Pois é, estes doze extraordinários contos – histórias de solidão – foram selecionados pelo autor, de entre os muitos que escreveu durante duas dezenas de anos. Num belíssimo prefácio, ele explica o que o levou a escrever pequenas histórias, qual foi o processo de escrita, onde as escreveu, porque as abandonou ao esquecimento, como selecionou estas doze, o prazer que tirou da sua escrita.
São histórias amargas de seres solitários, onde personagens imaginados se cruzam com personagens da vida real, numa Europa do pós-guerra.
São histórias brilhantes de amor, poder e morte, um retrato de costumes recriado com sensibilidade, ironia e humor.
As doze histórias são inesquecíveis mas, na impossibilidade de escrever sobre todas, destaco:
”Maria dos Prazeres”, a história de uma mulata esbelta de setenta e seis anos, há mais de cinquenta anos a exercer a profissão de prostituta em Barcelona, e que na sequência de um sonho que lhe revelou a sua própria morte, decide acertar com um agente funerário todos os pormenores do seu funeral.
“A Santa”, a história de Margarito Duarte, que batalha pela canonização da filha junto da Santa Sé, mostrando tanta tenacidade e fé que, depois de cinco papas mortos, merece ele próprio ser canonizado.
“Alugo-me para sonhar”, a história da latina Frau Frida, que em Viena tinha como única ocupação: alugar-se para sonhar.
“Boa viagem, senhor Presidente”, a história de um ex-presidente (pobre ou rico?) das Caraíbas, que volta a Genebra após duas guerras mundiais, em busca da cura para uma dor improvável e escorregadia.
Ainda no prefácio, diz GGM sobre estes contos: não voltarei a lê-los, como nunca voltei a ler nenhum dos meus livros com medo de me arrepender.
Pois eu, voltarei a reler as histórias escritas por quem tem o dom especial de me maravilhar.
Adorei!
Doze contos peregrinos, de Gabriel García Márquez
Dom Quixote, 1993
Tradução de Miguel Serras Pereira
231 Págs.

18 setembro, 2012

E fiz sessenta... na Jamaica. Viva!















Foi mesmo isso que aconteceu - festejei o meu 60º aniversário na Jamaica, na companhia do maridão.
Foi fa-bu-lo-so!
Durante uma semana empanturrei-me de frutas, saladas e limonadas (fugi a sete pés do rum e do frango grelhado); banhos demorados em água cristalina e quentinha (e parada, como eu gosto); sonecas à sombra fresca das palmeiras (até o vento das tardes me inebriava); aulas de ginástica e dança (queria tanto saber dançar reggae, mas fiquei pelo querer); caminhadas pachorrentas à beira-mar (de dia para dia mais curtas); muita (e boa)leitura.
Acreditem que foi na Jamaica que li, um dos melhores livros da minha vida. A sério.
Trata-se de "Até ao fim da terra", o extraordinário romance de David Grossman. Falarei sobre ele, em breve.
Nas muitas horas da viagem (o pânico não me deixa dormir) li na ída "A visita do brutamontes", de Jenniger Egan e no regresso "A ilha de Sukkwan", de David Vann. Gostei, mas...
Pois é, estou velhota!
A partir de agora, vou seguir o conselho de Bob Marley: MAKE LOVE NOT WAR e viver o melhor que puder e souber, nunca esquecendo que 60 são, apenas, dois algarismos.
Viva a Vida!

14 setembro, 2012

"Os despojos do dia" - Kazuo Ishiguro

 
O que é um “grande” mordomo?
Quem pergunta é Stevens, o digno, responsável e sisudo mordomo, que dedicou a vida a servir grandes cavalheiros.
A resposta, encontramo-la na assombrosa história da sua vida, passada na mansão Darlington Hall e dedicada exclusivamente ao trabalho.
Por sugestão de Mr. Farraday, o novo patrão, Stevens, o narrador deste sensível romance, vai viajar sozinho por uma zona rural de Inglaterra.
Entusiasmado, planeia cuidadosamente a sua primeira viagem, escolhe trajectos para saborear plenamente os muitos esplendores do campo inglês, e decide visitar Miss Kenton, a governanta por quem se apaixonou em silêncio, e que há vinte anos deixou a sua equipa para se casar. Nesse reencontro procurará saber, entre outras coisas, se ela gostaria de voltar a trabalhar em Darlington Hall. A estreita relação profissional que mantiveram permite-lhe antever que será uma agradável conversa. E vai ser...
Nos seis dias da viagem, e numa busca do tempo perdido, Stevens desfia recordações antigas de Darlington Hall: patrões, visitantes ilustres, empregados, conferências secretas, angústias da guerra, comportamentos, descobertas chocantes, alegrias, tristezas, mal-entendidos, silêncios, indecisões, escolhas.
Mas, o tempo passou e agora o que lucramos em nos preocuparmos excessivamente com o que podíamos ou não ter feito para controlar o rumo que a nossa vida tomou?
Nada, e Stevens fará no final uma surpreendente descoberta:
… no gracejar reside a chave para alcançar o calor humano.
Vale a pena ler ou reler.
Recordo que este romance foi adaptado ao cinema por James Ivory e contou com a participação de dois extraordinários actores: Emma Thompson e Anthony Hopkins. Foi um sucesso.
Que extraordinária história de vida !
 
Os despojos do dia, de Kazuo Ishiguro
Gradiva, 1995
Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues
208 págs.

11 setembro, 2012

Vale a pena ler... António Cândido Miguéis


Em busca do Graal da felicidade

De um modo ou de outro verificamos que, no decorrer da história da humanidade, o homem sempre porfiou a felicidade como promessa de satisfação infinita. Nessa eterna busca, alguns crêem que encontraram essa mesma felicidade no desfrute de bens materiais. E quanto mais, melhor.

Porém, nem sempre foi assim. Basta recordar aquele famoso conto sobre um rei que buscava um homem feliz e quando o encontrou, comprovou, surpreendido, que o afortunado apenas dispunha de uma camisa e calças puídas para se cobrir. Talvez que a felicidade, ao fim e ao cabo, radique num trabalho gratificante que ocupe a nossa existência e nos faça sentir bem. No entanto, para outros a felicidade poder-se-á alcançar, por instantes, ingerindo drogas que transportam, os utilizadores, para paraísos indescritíveis e abrem a porta para outros horizontes. Desgastantes, tenebrosos, letais.

A felicidade poder-se-á, outrossim, entender como um anelo constante do ser humano e, como tal, deveria estar reconhecida nas leis das nações.

Excerto da excelente crónica de António Cândido Miguéis, publicada no jornal Público, de 26 Agosto 2012
Vale a pena ler na íntegra.

(Foto tirada da net)

07 setembro, 2012

"A vida nova" - Orhan Pamuk

Um dia li um livro e toda a minha vida mudou.
Quem o diz é Osman, um jovem universitário de Istambul, que decide tomar o futuro nas mãos, percorrendo o país em busca do amor e de uma vida nova, depois de ler um livro que parecia ter sido escrito para ele, já que contava a história da sua própria vida.
Viu pela primeira vez o livro nas mãos de uma jovem estudante desconhecida. Comprou-o de imediato e leu-o sofregamente. A luz que o livro emanava era a mesma que jorrava do rosto doce da jovem. Apaixona-se. O livro enfeitiça-o. Abandona toda a sua vida e parte. Parte em busca do amor de Janan.
Diz a sinopse, por sinal muito bem-feita:
Obcecado pelo livro mágico, que lhe parece mostrar a sua própria vida num outro universo, Osman lê-o com fervor, noite após noite, e apaixona-se por uma lindíssima jovem, Janan, que é na realidade a pessoa que lhe revelara o livro. Este envolve temas inquietantes como o da identidade, do amor e da morte, e encerra perigos para além da compreensão de Osman. Movido por um impulso incontrolável, o jovem abandona toda a sua vida, para procurar a misteriosa mulher e descobrir os segredos mais obscuros que o livro encerra. Assim, viaja incessantemente em velhos autocarros desconjuntados, até ao coração inóspito da Turquia rural, onde ainda se encontram as pequenas coisas nostalgicamente ligadas ao passado e à identidade do povo.
Osman viaja sem saber donde vinha, sem saber onde estava, sem saber para onde ia… viaja, simplesmente, em busca de Janan.
Finalmente, numa noite fria, encontra-a ferida, entre as vítimas de um acidente com dois autocarros.
Tornam-se companheiros de viagem. Vão de cidade em cidade, lado a lado nos autocarros da noite, sempre a reler o livro da luz. Vão em busca da Vida Nova. Encontrá-la-ão? E eles... encontrar-se-ão? 
O tempo é um grande ruído…
O acidente é um destino…
A vida é um livro…
Como acaba esta história mágica, contada em jeito de triller, que nos baralha e deslumbra da primeira à última página?
Será que muda, também, a nossa vida? Nunca se sabe...
O que sabemos é que a escrita de Pamuk é pura sedução.
O que é o amor?
O amor é a necessidade de abraçar com muita força alguém e de querer estar sempre a seu lado. É o desejo de esquecer o mundo exterior quando se abraça esse alguém. É o desejo de descobrir um refúgio seguro para a alma.
Deslumbrante!
 
A vida nova, de Orhan Pamuk (Prémio Nobel de Literatura 2006)
Ed. Presença, 2006
Tradução de Filipe Guerra
293 págs.