31 maio, 2013

O AMOR é lindo... e eu cito Orhan Pamuk!

"Amor significa Submissão. O Amor é a causa do Amor. Amor é compreensão. Amor é Música. O Amor e o coração cheio de nobreza são a mesma coisa. Amor é a poesia da tristeza. O Amor é o reflexo no espelho da alma frágil. O Amor é efémero. Amor é nunca lamentar. O Amor é uma cristalização. O Amor é dar. O amor é partilhar uma barra de pastilha elástica. Com o Amor nunca se sabe. Amor é uma palavra vazia de sentido. O Amor é chegar a Deus. Amor é sofrimento. Amor é o encontro com o Anjo. Amor é o universo inteiro. Amor é dar as mãos na sala e cinema. Amoré embriaguez. O Amor é um monstro. O Amor é cego. Amor é escutar a voz do coração. O Amor é um silêncio sagrado. O Amor é o tema das canções. O Amor é bom para a pele."

Orhan Pamuk, escritor turco (1952-), in “A vida nova”, Ed. Presença, 2006
Prémio Nobel de Literatura 2006

"Cada Homem é uma Raça" - Mia Couto

Inquirido sobre a sua raça, responde:
- A minha raça sou eu, João Passarinheiro.
Convidado a explicar-se, acrescentou:
- Minha raça sou eu mesmo. A pessoa é uma humanidade individual. Cada homem é uma raça, senhor polícia.
E lá voltei eu aos contos e ao escritor que me enfeitiça com “as voltas” que dá à língua portuguesa.
São onze as histórias deste livro. Onze pequeninas histórias comoventes, sobre homens e mulheres surpreendentes.
 
. Rosa Caramela
Nos jardins, ela se entretinha: falava com as estátuas… Fez-se irmã das pedras, de tanto nelas se encostar.
. O apocalipse privado do tio Geguê
Fixei o céu, procurando Deus. Mas eu não tinha vistas para tão longe.
. Rosalinda, a nenhuma
… desde que enviuvou, ela se desentreteu, esquecida de ser.
. O embondeiro que sonhava pássaros
Esse homem sempre vai ficar de sombra: nenhuma memória será bastante para lhe salvar do escuro.
. A princesa russa
Ela costumava demorar-se numa pequena salinha, olhando o relógio de vidro. Escutava os ponteiros a pingar o tempo.
. O pescador cego
… a fome começou a fazer ninho em sua barriga. Decidiu lançar a linha, já sem esperança: o anzol carecia de isco. E ninguém conhece peixe que se suicide por gosto, mordendo anzol vazio.
. O ex-futuro padre e sua prévia-viúva
Desde pequeno que ele se dedicara a ausências, paralelo ao céu. Os outros brincavam, festejando os ínfimos nadas da infância. Só o Benjamim definhava na catequese, entre santos e incenso... Até que um dia apareceu Anabela, anabelíssima. Era uma rebuçada…
. Mulher de mim
Doeu-me acordar, malvorei-me. Nesse custo, entendi: acordar não é a simples passagem do sono para a vigília. É mais, um lentíssimo envelhecimento, cada despertar somando o cansaço da inteira humanidade. E concluí: a vida, ela toda, é um extenso nascimento.
. A lenda da noiva e do forasteiro
De tudo ficava a conformidade da ausência: a noiva evadira-se, inédita. O noivo se tornara esperante, sentinela da solidão.
. Sidney Poitier na barbearia de Filipe Beruberu
- Sabem o que faz uma pessoa ficar careca? É usar chapéu do outro.
. Os mastros do Paralém
…o mundo é grande, mais completo que coisa cheia. O homem se acredita muito enorme, quase tocando os céus. Mas onde ele chega é só por empréstimo de tamanho, sua altura se fazendo por dívida com a altitude.
 
Gostei de todas as histórias, porque todas me emocionaram e deslumbraram. Quando tal acontece, apetece reler... reler... reler...
Kanimambo!
 
Cada Homem é uma Raça, de Mia Couto
Ed. Caminho, 1990
181 págs.

28 maio, 2013

Mia Couto: Prémio Camões 2013 - Parabéns!

 
"- Puta de vida - diz -, não vivemos se não nos rimos e depois morremos por nos termos rido - e conclui, após recuperar fôlego: - O Doutor acha que sou uma anormalidade?
O médico olha para o parapeito e estremece de ver tão frágil, tão transitório aquele que é o seu único amigo em Vila Cacimba. O aro da janela surge como uma moldura da derradeira fotografia desse teimoso mecânico reformado.
- Posso fazer-lhe uma pergunta íntima?
- Depende - responde o português.
- O senhor já alguma vez desmaiou, Doutor?
- Sim.
- Eu gostava de desmaiar. Não queria morrer sem desmaiar.
O desmaio é uma morte preguiçosa, um falecimento de duração temporária. O português, que era um guarda-fronteira da Vida, que facilitasse uma escapadela dessas, uma breve perda de sentidos.
- Me receite um remédio para eu desmaiar.
O português ri-se. Também a ele lhe apetecia uma intermitente lucidez, uma pausa na obrigação de existir.
- Uma marretada na cabeça é a  única coisa que me ocorre.
Riem-se. Rir junto é melhor que falar a mesma língua. Ou talvez o riso seja uma língua anterior que fomos perdendo à medida que o mundo foi deixando de ser nosso."
In "Venenos de Deus, remédios do Diabo", Ed. Caminho, 2008
 
Vamos rir juntos. E aplaudir Mia Couto.
Parabéns!
 

25 maio, 2013

"Homer & Langley" - E.L. Doctorow

Este romance de E.L. Doctorow tem por base a história real, bizarra e comovente dos irmãos Homer e Langley, encontrados mortos em casa pela polícia nova-iorquina, depois de alertada pelos vizinhos para o cheiro pestilento que dali emanava.
No dia 21 de Março de 1947, a polícia entrou no nº 2078 da Quinta Avenida e encontrou Homer (n. 1881), morto de má nutrição, desidratação e paragem cardíaca. Langley (n.1885) só foi encontrado no dia 8 de Abril, num dos túneis armadilhados que montou no interior da residência. Levava comida para o irmão cego, quando foi soterrado pela tralha que, durante décadas, acumulou.
Da luxuosa mansão da família Collery, foram retiradas 140 toneladas de tralha.
O resgate dos corpos foi profusamente noticiado pela imprensa. A mesma imprensa que durante anos “perseguiu “os dois irmãos, divulgou pormenores sobre os seus pais, denunciou as queixas dos vizinhos, o corrupio dos cobradores e as deslocações da polícia e bombeiros à residência.
Homer e Langley nasceram numa família abastada, culta e com posição social invejável. O pai foi um médico conceituado e a mãe uma virtuosa cantora lírica. Foram ambos vítimas da epidemia de gripe espanhola, que atingiu a cidade em 1918. Homer escapou, mas muito debilitado. Langley estava longe, na Europa.
Sem herdeiros, a mansão ficou para a cidade e foi depois demolida e o espaço transformado num jardim público.
Eu sou o Homer, o irmão cego. Não perdi a vista de repente, foi como nos filmes, um lento fade-out… estava no final da adolescência… era o meu irmão, e não os meus pais, quem tinha o hábito de me ler em voz alta, quando deixei de conseguir fazê-lo sozinho.
Entremos, então, na ficção, na mansão e no quotidiano dos irmãos Collery.
Homer,  o pianista exímio, educado por professores particulares, está sozinho na grande mansão. Apoiado por um mordomo (que ele rapidamente demite, por o achar demasiado dissimulado), um cozinheiro e duas criadas, aguarda o regresso do irmão. Mesmo depois de o exército lhe comunicar que Langley estava dado como desaparecido, Homer espera que ele volte para casa.
Havia qualquer coisa na filosofia de vida de Langley… que lhe conferia uma imunidade quase divina a um destino tão banal como esse de morrer numa guerra.
E Langley voltou para casa. Mas voltou um homem diferente.
Assim que o meu irmão voltou daquela guerra, percebi que havia um problema qualquer com a cabeça dele.
O que se passou depois da chegada de Langley é o teor duma longa carta que Homer dirige, mas nunca enviará, a Jacqueline Rouxa futura querida amiga de fim de vida - uma jornalista francesa que o salvou de ser atropelado no seu último passeio pelo Central Park.
As linhas dessa carta, feita de memórias, desvendam a mente de dois homens cultos, inteligentes, ricos (possuíam uma fortuna de milhões), solitários (Langley tem um casamento breve, mas ambos colecionam fracassos sentimentais), social e culturalmente activos e levam-nos numa visita guiada pelas mais relevantes alterações políticas, económicas, sociais e culturais da América e do mundo, do final do século XIX e século XX: a I Guerra Mundial, a Grande Depressão, a Lei Seca, a Guerra Fria, a guerra com a Coreia, a guerra no Vietname.
Mas, o Langley há muito que transformara o seu azedume pós-guerra numa vida mental iconoclasta…. Dali em diante ele poria em prática, de maneira total e desinibida, todo e qualquer plano ou fantasia que o assaltasse.
E começa a decadência…
Na mansão, entram gangsters, prostitutas e hippies. Empilham-se jornais, enciclopédias, cursos e toda a tralha que Langley compra ou apanha na rua, como um automóvel Ford modelo T, que montou no centro da sala de jantar, pianos, carrinhos de bebé, bicicletas, relógios, televisores, candeeiros, pistolas, máscaras de gás, etc.
Na mansão, deixou de haver água, luz e telefone (por recusa de pagamento). E criados.
E um dia, Langley chegou a casa com os matutinos, e sem dizer uma só palavra, dirigiu-se para as janelas e começou a fechar as portadas e a trancá-las.
E chegou o fim trágico…
Jacqueline, há quantos dias estou sem comer. Houve um estrondo, a casa toda abanou. Onde está o Langley? Onde está o meu irmão?
A relação complexa, intrigante e perturbadora que une os dois irmãos, e que o autor trabalha como filigrana, dificilmente sairá da minha memória e é com um nó na garganta que grito…fabuloso!
 
Homer & Langley, de E.L. Doctorow
Porto Editora, 2013
Tradução de Tânia Ganho
172 págs.

21 maio, 2013

"FADO - Estórias na noite" - Rui Pimentel

O fado, não cantei... mas ri que me fartei.
Estupendo!
(Na estante da minha filha há verdadeiras "pílulas da felicidade". De vez em quando vou lá abastecer-me.)

17 maio, 2013

"Capitães da Areia" - Jorge Amado

… eram os donos da cidade, os que a conheciam totalmente, os que a amavam, os seus poetas.
Diz a sinopse:
Em Capitães de Areia, porventura o mais famoso romance de Jorge Amado, conta-se a vida das crianças abandonadas nas ruas da cidade de Salvador, numa das mais belas, dramáticas e líricas histórias jamais escritas no Brasil.
Fiquei curiosa e continuei a ler:
… é uma obra terrivelmente triste que repercute fundo no coração do homem livre. Dela se pode dizer o que tantas vezes se diz daqueles livros “absolutos” que os séculos não conseguem apagar da tradição cultural dos povos: existe sempre.
Não necessitei de ler o resto, abri o livro na primeira página e… não parei mais. Ou melhor, parei, mas para respirar fundo e poder controlar a comoção.
A escrita de Jorge Amado é tão surpreendente que eu “voava” das páginas do romance, para junto do grupo de meninos de rua e sofria com as dores deles. É estranho, mas é verdade.
O romance está dividido em três partes:
1ª Sob a lua, num velho trapiche abandonado
Começa com a descrição do velho trapiche (armazém) abandonado à beira-mar, muito sujo e infestado de ratos, onde os Capitães da Areia dormem e se escondem da polícia, e termina com um surto de varíola a assolar a cidade e a matar alguns meninos.
Apresenta o grupo de moleques de todas as cores, com idades entre os nove e os dezasseis anos, crianças que vivem a grande liberdade das ruas, mas também o abandono de qualquer carinho, a falta de todas as palavras boas. Eis alguns:
Pedro Bala: o líder corajoso e audaz, que há dez anos vive nas ruas da cidade que bem conhece. Ganhou numa luta a liderança do grupo ao mulato Raimundo. Dessa luta Pedro Bala ganhou uma cicatriz no rosto. A cicatriz e os caracóis loiros são a sua imagem de marca. Tem quinze anos. Nunca soube da mãe e o pai, estivador, foi morto pela polícia quando liderava uma greve.
João José (o Professor): o intelectual, o pintor, o perito no furto de livros, que lia para o grupo e empilhava num canto do trapiche. Colaborava com o líder na preparação dos assaltos.
Sem-pernas: o coxo que odiava a cidade, a vida, os homens. Amava unicamente o seu ódio, sentimento que o fazia forte e corajoso, apesar do defeito físico.
Pirulito: o mais malvado do grupo até sentir o chamamento divino. Rouba para comer, enquanto espera ser sacerdote do seu Deus. É lindo o capítulo “Deus sorri como um negrinho”, onde ele rouba o Menino dos braços da Virgem.
João Grande: o negro grande e valente respeitado por todos.
Boa-Vida: Indolente e mulherengo.
O Gato: mexe no baralho “marcado” como ninguém e ganha todas as apostas. É o galã do grupo.
Padre José Pedro: o padre mais humilde da região da Baía. O seu desejo de catequizar as crianças abandonadas levou-o até aos Capitães da Areia, de quem se tornou amigo e protector. É uma das poucas pessoas com acesso ao trapiche.
Don’Aninha: a mãe de Santo amiga do grupo e de todos os pobres da Baía. Também ela sabe onde se escondem os meninos.
Liberdade era o sentimento mais arraigado nos corações dos Capitães da Areia.
2ª Noite da grande paz, da grande paz dos teus olhos
Entra para o grupo a primeira menina, Dora, 13 anos.
Ela vagueava pela cidade com o irmãozinho de 6 anos, depois de a varíola lhe levar os pais, quando foi avistada pelo Professor e João Grande e levada para o trapiche. Os dois meninos protegem-na do grupo que quer violentá-la e de Pedro Bala que quer expulsá-la. Dora fica no trapiche e torna-se na amiga, irmã e mãezinha do grupo. Viverá com Pedro Bala uma linda história de amor, até subir ao céu como uma estrelinha brilhante.
O amor é sempre bom e doce, mesmo quando a morte está próxima.
3ª Canção da Bahia, canção da liberdade
Após a morte de Dora o grupo desintegra-se. O Professor vai estudar pintura para o Rio de Janeiro. Pirulito veste a batina de frade. Sem-pernas atira-se para o vazio, para não ser capturado pela polícia e Pedro Bala transforma os Capitães da Areia numa brigada de choque e logo a seguir abandona o grupo. A revolução comunista chama-o para ajudar a mudar o destino de todos os pobres.
A liberdade é como o sol, o bem maior do mundo.
Maravilhoso!
 
Capitães da areia, de Jorge Amado
Publicações Europa-América, 1970
266 págs.

16 maio, 2013

Filme "A essência do amor", de Terrence Malick

Começo por dizer que não sou especialista em cinema, nem de perto nem de longe, que sou uma mera espectadora de histórias filmadas, que me limito a classificar um filme pelo que me obriga a pensar, sentir e divertir.
Feito o aviso, o que vou dizer a seguir é, apenas e só, a minha opinião sobre o último filme de Terrence Malik “A essência do amor”, apelidado de drama romântico.
NÃO GOSTEI.
Deixei-me levar pelo método muito próprio como o realizador trata as emoções e a espiritualidade, pelas palavras da protagonista Olga Kurylenko (lindíssima!) sobre a rodagem do filme, pelos actores Ben Affleck e Javier Bardem e pelas memórias que guardo do filme “A Árvore da Vida” (2011) e lá fui, em busca de 112 minutos de encantamento.
Acontece, que no fim do filme (sim, aguentei-me de pedra e cal até ao fim) saí da sala horrorizada, defraudada, apalermada e com vontade de pedir de volta os 6,60 euros que paguei pelo bilhete.
No fundo, mas bem no fundo, percebi que o filme conta uma história de amor e de fé:
- as aventuras e desventuras de Neil com os seus dois amores - Marina, a mulher que conhece em Paris e Jane, um amor da juventude.
- a crise de fé de um padre católico (Javier Bardem).
Acontece, que o que se vê no ecrã é inenarrável: uma história sem fio condutor, uma montagem atabalhoada, actores “perdidos” em cenários exteriores belos mas agrestes, em ruas vazias, em casas e mais casas, na igreja. Quase não há diálogos, mas há vozes em off com frases de meia-tigela. Ao longo de 112 minutos ouvimos falar em inglês, francês, espanhol, italiano e russo (?).
O que é isto?
Não sei.
Saberá o realizador?
Duvido.
Tenho de dizer que gostei da música belíssima e das imagens deslumbrantes e assombrosas da natureza.
Acontece, que tenho em casa excelentes discos e na TV o canal National Geographic.
Fui enganada!

14 maio, 2013

"Odisseia celestial" - Inês Maia


Sinopse:
Cinco anos passaram desde a sua última missão e Anaís ainda é perseguida pela memória do seu protegido, Pedro, que teve de abandonar na Terra. A arcanjo dava tudo para voltar… E a oportunidade surge pela revelação de uma perturbadora notícia: quando Gabriel, o seu antigo companheiro de missão, abdicou da sua condição como anjo, o seu conhecimento divino foi libertado no planeta Terra, pairando à mercê de quem o transforme em inventos potencialmente perigosos. O relógio não pára.
Líder de uma equipa de resgate, Anaís terá de percorrer o mundo em busca dos orbes do conhecimento com o auxílio dos seus colegas celestiais. Contudo, as forças do mal conspiram para os impedir… Serão capazes de agir quando vidas humanas são ameaçadas e a lealdade dos seus é posta em risco? Será Anaís a arcanjo certa para a tarefa? Ou os fantasmas de um passado escuro poderão pôr em causa o seu desempenho?
Um romance que alia o universo fantástico do bem e do mal com o quotidiano, Odisseia Celestial – Os orbes do conhecimento é o volume sucessor de Desafio Celestial (2011, Editorial Presença), afirmando-se como uma aventura épica recheada de acção, mistério e magia que prenderá o leitor até à última página.
 
É este o género de leituras que mais aprecio? Não!
Devo divulgar no meu rol mensagens como a que se segue? Sim!
Então, aqui vai, com um grande aplauso pela coragem e votos de muitos, mas mesmo muitos, livros vendidos.
 
"Chamo-me Inês Maia, sou uma portuguesa estudante universitária e amante de literatura. Em 2011 publiquei um livro Desafio Celestial na Editorial Presença, projecto que tinha tido início no ano de 2009. No ano de publicação do meu primeiro livro comecei a escrever o manuscrito do meu segundo livro que nesse mesmo ano submeti à minha editora para apreciação. Invocando a conjuntura económica desfavorável e a aposta em livros conhecidos com maior possibilidade de venda, a editora decidiu não publicá-lo. Consequentemente, e por achar que este meu novo projeto não podia ficar na gaveta, resolvi avançar com uma publicação própria em formato E-book, respondendo por um lado a vários pedidos dos meus leitores, que ansiavam por um novo episódio da aventura celestial, e por outro para mostrar que não devemos ficar de braços cruzados quando uma porta nos é fechada, mas sim lutar contra a adversidade num mundo tão complicado como a da escrita."
 
Força, Inês!

10 maio, 2013

"Mel" - Ian McEwan

 
Chamo-me Serena Frome (rima com plume) e há quase quarenta anos fui enviada numa missão secreta para os serviços de segurança britânicos. Não regressei incólume.
Serena é a protagonista/narradora desta história de espionagem, vivida no período da guerra fria, numa Inglaterra em plena crise política e económica, com convulsões sociais e actos de terrorismo. Mas é, também, uma empolgante história de amor, intriga, traição e livros, muitos livros.
Apesar do ritmo acelerado com que ela fala da sua infância e adolescência, ficamos a saber que até aos dezoito anos de vida nada de estranho ou de terrível lhe aconteceu; que é filha de um bispo anglicano, de uma mãe ambiciosa e autoritária; tem uma irmã mais nova (que não tem a sua beleza, nem inteligência); cresceu numa casa recheada de livros; sabe jogar ténis, adora ler romances e é dotada para a matemática. Sabemos, também, que queria tirar um curso de Inglês, mas acabou por tirar Matemática, em Cambridge. Graças à minha mãe, estava a tirar o curso errado, mas não parei de ler.  Ler... era a minha maneira de não pensar.
Enquanto estudante universitária, Serena mantém os hábitos de leitura e… coleciona namorados.
No último ano do curso escreve uma coluna “O Que Li na Semana Passada”, na revista ?Quis? É um sucesso, mas, uma mudança dos seus gostos literários e o cunho anticomunista das crónicas semanais, leva ao seu despedimento: o declínio teve início com os cinquenta minutos que passei com Um dia na vida de Ivan Denisovitch, de Alexandre Soljenitsine.
Nesse mesmo ano, tem uma relação com Tony Canning, um atraente homem de cinquenta e quatro anos, casado, professor de História, com duas paixões na vida: beber e conversar. O caso dura poucos meses, mas os suficientes para mudarem a vida de Serena. Com um determinado fim em vista, o amante impõe que ela abandone os romances e passe a ler livros sobre história. Faz-lhe verdadeiros exames orais sobre essas leituras.
…passadas algumas sessões e alguma rabugice… comecei a dar-me conta da própria história.
Tony Canning, candidata Serena aos serviços de segurança britânicos MI5 e prepara-a para uma entrevista de emprego.
Logo de seguida, o professor de história, ele próprio um veterano do MI5, termina de forma estranha a relação com ela e… desaparece.
No início dos anos 70, Serena é admitida nos serviços secretos, na categoria mais baixa do funcionalismo público, responsável pelo arquivo, indexação e trabalho afim de biblioteca. Desolada, a matemática e jogadora de xadrez, considera o cargo um insulto mas aceita, decidida a pôr ordem na sua vida.
Meses depois, Serena é convidada a participar numa missão secreta, com o nome de código Mel.
O objectivo é convencer Thomas Haley, um promissor romancista que procura um editor, a aceitar uma bolsa oferecida por uma organização de fachada, para que possa trabalhar a tempo inteiro na escrita, durante dois ou mesmo três anos.
Serena arranja para si uma vida secreta e vai conhecê-lo, conviver com ele e, dissimuladamente, convencê-lo a escrever temas que interessem... ao governo.
A fundação considera-o um talento único e extraordinário…
Tom Harley pensa na oferta, desconfia… mas aceita.
E Serena, a agente secreta "angariadora de talentos", a representante da Fundação da Liberdade que promove a cultura junto de um certo tipo de intelectuais, a matemática, a leitora compulsiva … apaixona-se e perde-se num mundo de segredos, mentiras e desilusões.
O que vai acontecer quando o escritor descobrir que lhe andámos a pagar a bolsa? Vai ficar furioso.
Ficará?
Não posso desvendar mais nada sobre o que se passa a seguir. Tenho de guardar segredo.
Para descobrir vai ter de “espiar” as voltas e reviravoltas deste extraordinário thriller de espionagem, que é, também, um manual de História e uma original homenagem aos escrevedores de livros.
Deixe-se levar por uma escrita elegante e rigorosa e penetre nos bastidores da política e dos serviços secretos. 
Perca-se num empolgante jogo da espionagem e descubra quem espia quem.
O final é surpreendente.
Divirta-se e aprenda… História.
“Manipular o leitor é o meu prazer principal”, disse o autor numa entrevista.
Comprovei!

Mel, de Ian McEwan
Ed. Gradiva,
Tradução de Ana Falcão Bastos
386 págs.

07 maio, 2013

Desafio nº 17 – Esta é uma história de “fazer chorar as pedras da calçada”. Verdade! E não acredito que haja quem a não conheça.

Não me fujas ainda, Teresa. Já não vejo a força, nem a morte. Meu pai protege-me, e a salvação é possível. Prende ao coração os últimos fio da tua vida. Prolonga a tua agonia, enquanto te eu disser que espero. Amanhã vou para as cadeias do Porto, e hei-de ali esperar a absolvição ou comutação da sentença. A vida é tudo. Posso amar-te no degredo. Em toda a parte há céu, e flores, e Deus. Se viveres, um dia serás livre; a pedra do sepulcro é que nunca se levanta. Vive, Teresa, vive!... Ontem, vi as nossas estrelas, aquelas dos nossos segredos nas noites da ausência. Volvi à vida e tenho o coração cheio de esperanças.

Ajuda se eu disser que quem assim ama se chama Simão?
Ajuda se eu disser que esta história foi escrita na cadeia da Relação do Porto?
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Resposta do Desafio nº 16:
Foi fácil este desafio. Claro que é “O Estrangeiro”, de Albert Camus, publicado em 1942.
O escritor venceu o Prémio Nobel de Literatura,1957.
Parabéns para quem acertou.

03 maio, 2013

"Ofício Cantante - poesia completa" - herberto helder

É amargo o coração do poema.
A mão esquerda em cima desencadeia uma estrela,
em baixo a outra mão
mexe num charco branco. Feridas que abrem,
reabrem, cose-as a noite, recose-as
com linha incandescente. Amargo. O sangue nunca pára
de mão a mão salgada, entre os olhos,
nos alvéolos da boca.
O sangue que se move nas vozes magnificando
o escuro atrás das coisas,
os halos nas imagens de limalha, os espaços ásperos
que escreves
entre os meteoros. Cose-te: brilhas
nas cicatrizes. Só essa mão que mexes
ao alto e a outra mão que brancamente
trabalha
nas superfícies centrífugas. Amargo, amargo. Em sangue e exercício
de elegância bárbara. Até que sentado ao meio
negro da obra morras
de luz compacta..
Numa radiação de hélio rebentes pela sombria
violência
dos núcleos loucos da alma.

(Em "Última Ciência", 1988)

Pintura de Maria Henriques - foto tirada da net.