31 janeiro, 2020

"Nascemos frágeis e recebemos ordens para sermos fortes" - João Carlos Melo

Uma pessoa pode descrever-se, ou ser descrita, em função de uma série de atributos; (…)  Mas quem é ela, a sua essência, o que a faz única e a distingue de todas as outras...
Em "Nascemos Frágeis e Recebemos Ordens para Sermos Fortes: Um olhar sobre o narcisismo e a autoestima" o médico psiquiatra João Carlos Melo "oferece-nos um olhar esclarecedor, lúcido e descomplexado sobre a autoestima, da sua manifestação saudável ao excesso do amor-próprio, da vaidade à confiança plena,  das nossas origens de mamífero cooperante à sociedade sofisticada e digital dos dias de hoje". É, nas palavras de António Coimbra de Matos, autor do prefácio «um vigoroso ensaio em busca do entendimento do amor-próprio: seu significado, função e valor (…) uma «obra de pensamento pensante – e não depósito de pensamentos já pensados».
Como é que o olhar do outro nos forma…
O narcisismo é o tema fulcral do livro. Para o autor, o mito de Narciso, que narra a paixão do jovem Narciso por si próprio e foi escrito pelo poeta romano Ovídio, «ilustra um aspeto (...) fundamental da condição humana (…) porque há uma dimensão da sua natureza que é comum a toda a Humanidade, a dimensão narcísica do funcionamento mental». 
A angústia narcísica é o medo de morte de ser ridicularizado, humilhado, alvo de riso ou troça e de ser insignificante.
"(…) o funcionamento narcísico consiste na acção de um conjunto de mecanismos que regulam a autoestima. Esses mecanismos são gerados de forma geralmente automática quando a autoestima é baixa e sempre que ela é atingida.
Numa pessoa que tenha uma boa autoestima, tais mecanismos atuam de forma harmoniosa. Nesse caso, o seu funcionamento narcísico é mais saudável.
Naquelas em que a autoestima é baixa ou sofre ataques que a debilitem, os mecanismos que entram em acção para a restaurar ou para restabelecer o equilíbrio perdido são mais intensos. Nesse caso, o seu funcionamento narcísico é mais patológico."
A baixa autoestima é apenas a parte mais superficial da fragilidade narcísica.
"Há palavras que ferem. A forma como se dizem certas palavras fere. O riso de troça fere muito, e ainda mais quando são os pais a fazê-lo.(...) 
O que impele certas pessoas a atacar e ferir os outros? (…) na verdade, não são os outros, são apenas alguns outros – os mais frágeis e indefesos.
Embora não saibam, estas pessoas atacam-nos para salvaguardar a própria autoestima. Têm de sentir-se superiores aos outros para manterem a ilusão da sua importância. Têm de rebaixá-los. A sua autoestima alimenta-se disso. Se não tivessem outros a quem atacar, dificilmente a sua precária autoestima se manteria à tona de água."
Quem somos, para nós próprios e para os outros…
«Somos corpo e mente, material e imaterial, físico e psíquico. Somos essa dualidade, mas somos, ao mesmo tempo, um todo indivisível.»

Este livro interroga-se e interroga-nos. 
Há que ler... para aprender!

Nascemos frágeis e recebemos ordens para sermos fortes, de João Carlos Melo
Bertrand Editora, 2019
231 págs.

24 janeiro, 2020

Espaço dos amigos (1): poemas da Graça, olhares da Gracinha!

Graça e Gracinha são duas amigas da blogosfera que eu admiro muito.
A Graça, pela sensibilidade poética e beleza dos versos que falam de amor, solidão, mar, pássaros, casas, lugares da infância, das «coisas da vida», como ela diz.
A Gracinha, pelo perspicaz olhar fotográfico, garra de viajante incansável, generosa partilha de momentos seus. Com ela já «olhei» lugares belíssimos de Portugal, e elaborei roteiros para próximos passeios meus.

(Gracinha, 11 Dezembro 2019 )

Foram embora os pássaros.
Foram embora,
procurando um tempo
onde a luz deflagre em suas asas.
O seu inevitável regresso 
há-de acompanhar
a rotação dos ventos.
E quando, nos seus ombros, 
nenhum excesso de solidão
me mutilar os braços,
eles hão-de chegar, de novo,
como um incêndio.
Os pássaros.
(In "Uma extensa mancha de sonhos", 2008)

(Gracinha,  24 Novembro 2019 )

Gosto de objectos geométricos desenhados
a compasso por mãos intransigentes.
A multiplicidade dos traços povoa
e despovoa a beleza dos lugares
que nos pendem como se fôssemos árvores.
Preciso e exacto será o momento
 em que regressaremos ao silêncio
com passos de cinza.
Calados nos hão-de vigiar os deuses e os homens.
(In "O silêncio: Lugar habitado", 2008)

(Gracinha,  31 Outubro 2018)

Desenrola-se em nossos olhos
a vertigem transparente
que agride o declínio do dia
quando a lua se encosta nos vidros
e temos o nevoeiro da espera colado nos sonhos.
Há muito que sabemos como é intocável a luz
do orvalho na raiz da mágoa.
Palavras em estilhaços flutuam sobre os móveis
como fantasmas ou como as fadas
da mais antiga infância.
Respiramos devagar o sopro errante do vento.
(In "A incidência da luz", 2011)

A escolha dos poemas e olhares para esta publicação não foi tarefa fácil: todos os poemas da Graça merecem destaque; as centenas de fotos da Gracinha também.
Para quem ainda não as conhece, deixo aqui os seus cativantes blogues:
Graça - http://ortografiadoolhar.blogspot.com/
Gracinha - https://crocheteandomomentos.blogspot.com/

"O fotógrafo tem a mesma missão do poeta: eternizar o momento que passa."
Mário Quintana, poeta brasileiro (1906-1004).

Obrigada, amigas!

17 janeiro, 2020

"O papagaio de Flaubert" - Julian Barnes


O artista deve conseguir fazer a posteridade acreditar que nunca existiu. (Flaubert)
O papagaio de Flaubert”, publicado originalmente em 1984, foi o primeiro grande sucesso literário de Julian Barnes, escritor inglês vencedor do Man Booker Prize 2011, pelo romance “O sentido do fim”.
Reeditado pela Quetzal há dois meses, foi a minha última leitura de 2019. E, porque aprendi muito sobre Gustave Flaubert (1821-1880), autor de “Madame Bovary” (por muitos considerado «o romance dos romances») e me diverti com o palavreado desempoeirado do narrador protagonista (a voz do escritor), escolhi-o para primeira postagem sobre livros, de 2020.
Trata-se de um romance fascinante sobre literatura, escritores, crítica literária¸ arte, talento, ficção e realidade; sobre política, morte, amor, amizade, ciúme, adultério, dedicação, solidão, loucura, família; sobre vestidos de mulher, beleza, estilo, compotas de groselha, comboios, animais, e muito, muito mais.
Vou ser um rei, ou apenas um porco? (Flaubert)
Geoffrey Braithwaite (narrador protagonista) - médico inglês reformado, viúvo recente -, viaja para a terra natal de Gustave Flaubert com a intenção de ver o papagaio embalsamado que o romancista manteve na sua mesa de trabalho enquanto escrevia “Um Coeur Simple”, e que serviu de modelo para Lulu, o papagaio de Félicité, a personagem principal do conto. «Félicité + Lulu = Flaubert?»
Após a viagem, Braithwaite (biógrafo amador) atenua a solidão recolhendo dados sobre a vida, obra e época de Flaubert, seus desfeitos, manias, tiques, segredos, vaidades e medos. Assim preenche as horas de solidão. «Os livros não são a vida, por mais que gostássemos que fosse.»
Atraio os loucos e os animais. (Flaubert)
O resultado é este ensaio/biografia/romance genial sobre Gustave Flaubert. Uma mistura encantadora de realidade com ficção. Duas histórias de vida: do biografado e do biógrafo. Duas histórias de amor: entre Flaubert e Louise Colet; entre Braithwaite e a mulher Ellen. Um repositório fantástico de citações de Flaubert, de outros escritores e pensadores. Uma narrativa alucinante e confusa, mas ao mesmo tempo harmoniosa, feita de histórias desconexas (parecem), humor e sátira, que me manteve interessada  e divertida da primeira à última página.
Este é um livro incomum, impossível de resumir. Um livro sedutor que terminei  de ler e logo me apeteceu reler.
“Um entretenimento literário levado a cabo com muito brio”, (The New York Times Book Review).

Levar a vida a sério será magnífico ou estúpido? (Flaubert)

(“Flaubert ensina-nos a olhar para a verdade e a não temer as suas consequência; ensina-nos, como Montaigne, a dormir na almofada da dúvida; ensina-nos a não nos aproximarmos de um livro em busca de pílulas morais ou sociais; ensina a superioridade da Verdade, da Beleza, do Sentimento e do Estilo. E, se estudarmos a sua vida privada, ensina a coragem, o estoicismo, a amizade; a importância da inteligência, do ceticismo e da imaginação; a palermice do patriotismo barato; a virtude de ser capaz de ficar sozinho no quarto; o ódio à hipocrisia; a desconfiança nas teorias; a necessidade de falar com simplicidade.”) 

Recomendo, claro!
(Agora... vou reler "Madame Bovary".)

"O papagaio de Flaubert", de Julian Barnes
Tradução de Ana Maria Amador
Quetzal Editores, 2019
247 págs.

10 janeiro, 2020

O meu primeiro bloqueio criativo de 2020!

Tentei, acreditem que tentei!
Passei horas e horas e horas à procura de um tema para primeira publicação de 2020, e nada surgiu!
Passei horas e horas e horas à frente do computador, e nem uma só palavra me motivou a completar uma frase.
Passei horas e horas e horas a seleccionar um romance, mas nenhum me pareceu apropriado para ser o primeiro do novo ano. Sim, porque este novo ano é «especial» por ser o primeiro da segunda década do século XXI. Há poucos dias mudámos de ano e de década! (Terá tanta mudança desordenado o meu pensamento? Adiante!)
Dos romances saltei para a poesia e mais uma vez gastei horas e horas e horas à procura do poema, o tal, o primeiro, mas nada!
E frases? Frases reli dezenas, talvez centenas, mas não, nenhuma tinha o brilho especial que eu procurava. 
O que fazer? Melhor dizendo, o que não fazer? Stressar! Se bloqueei sem motivo algum (ando calma, calmíssima) logo, logo, irei desbloquear.
Enquanto espero (sentada, não vá a inspiração demorar), desvendo dois ou três pormenores do meu Natal e passagem de ano.

Celebrámos o Natal no Porto, e tudo correu maravilhosamente bem!
Como eu previa foi uma festa! Uma festa docinha, de família! Um festa de muita harmonia, amor e felicidade. Como se mede a felicidade? Não sei! Mas sei, porque sinto, que duas gotinhas de vida (as minhas netinhas lindas) inundaram de felicidade o meu coração de avó.
(Évora, foto da net)
A passagem do ano foi no Alentejo. No hotel Vila Galé Évora (lindo, aconselho para uma escapadinha de fim-de-semana) fizemos a festa, eu, o maridão e mais 308 desconhecidos. Numa mesa de dez pessoas, as restantes oito logo se fizeram conhecidas e a festa animou e durou até de madrugada. 
Foi pois entre desconhecidos, mesa farta e muita música pimba (a sério!) que eu «pulei» do ano velho para o ano novo, do alto duns saltos demasiado altos para tamanha animação.  Penei, claro!
Gostei? Gostei,  mas isso agora não interessa nada. Já é passado!
(Aldeia da Serra d'Ossa, foto da net)
No último dia do ano saímos da confusão das ruas de Évora e fomos almoçar ao emblemático restaurante "O Chana" (do Bernardino), na Aldeia da Serra d'Ossa, a cerca de 8 km do Redondo.
Num espaço acolhedor e com um serviço simpático, degustámos genuína comida alentejana. Do bom pão alentejano, azeite, azeitonas, queijo de ovelha curado, fígado de coentrada (entrada), à sopa de cação, cozido de grão,  sericaia com ameixa de Elvas, farófias, tudo estava divinal! Até o licor de poejo,  oferta da casa no fim do repasto.
(Não pedimos a especialidade da casa, a Sopa de Tomate, servida com farinheira, linguiça, entrecosto, lombo, bacalhau e ovo escalfado. Está a imaginar?)
Fotografei alguns dos petiscos que provámos, depois de autorizada pelo proprietário, o simpatiquíssimo senhor Bernardino. 
Se é apreciador da aromática comida alentejana (coentros, hortelã, poejos, orégãos, não podem faltar), um dia que se proporcione vá almoçar ao restaurante  "Chana". Reserve antes, não esqueça! Depois, diga-me o que achou. Eu, sem quaisquer dúvidas, voltarei.
Em Évora o nosso restaurante de eleição é "A Tasquinha do Oliveira" (estava fechado para férias). Não conhece? Acredite é: fabuloso!
Esqueça o "Fialho". A "Tasquinha do Oliveira" é mil vezes melhor!
Como a inspiração continua a não aparecer, vou devorar (agora apenas com os olhos) uma das minhas sobremesas preferidas: Sericaia com ameixa de Elvas!
Cada fatia tem (?) calorias! A sério que não não sei quantas são. Nem quero saber!
Digam lá se não é uma beleza? Devorei-a! E ainda provei as farófias, pois então!
No último dia do ano todos os excessos (gastronómicos) são permitidos!

(Uma das minhas resoluções para 2020: ignorar a balança!)

BOM ANO, docinho q.b.!