02 novembro, 2012

"Até ao fim da terra" - David Grossman


As famílias são altas matemáticas – demasiadas incógnitas, demasiados parêntesis e demasiadas elevações ao quadrado…
Virada a 684ª página deste avassalador e inesquecível romance, o livro de uma vida, ou “um épico doméstico”, como diz o autor - fiquei sem palavras para escrever sobre ele. A sério!
Resta-me uma para o definir: EXTRAORDINÁRIO!
Mas como quero que todos leiam este romance, vou tentar escrever qualquer coisa.
Para já, cito o autor:
Comecei a escrever este livro no mês de Maio de 2003, meio ano antes do fim do serviço militar do meu filho mais velho, Yonatan, e meio ano antes da incorporação do seu irmão mais novo, Uri. Ambos serviram no Corpo de Blindados…. Uri cumpriu a maior parte do serviço militar nos Territórios Ocupados, em patrulhas, vigias, emboscadas e nos checkpoints e, de vez em quando, partilhava comigo as suas experiências.
Nessa época eu tinha o sentimento – ou mais exatamente o desejo – de que o livro que estava a escrever o protegesse.
A 12 de agosto de 2006, nos momentos finais da Segunda Guerra do Líbano, Uri foi morto no sul do Líbano. O seu tanque foi atingido por um míssil…
Agora, nesta história imaginada é Ora, mãe do soldado Ofer, que foge das más notícias dos “notificadores”. Pensa ela que se não a encontrarem, não lhe podem comunicar a morte do filho e enquanto isso se mantiver, ele continuará vivo.
Mas vamos ao início da história:
Ora festeja a desmobilização do filho e prepara-se para uma caminhada com ele pela Galileia. As mochilas estão prontas. Inesperadamente, Ofer diz à mãe que não farão a caminhada porque tem de partir imediatamente para outra missão, desta vez na Cisjordânia.
Ela sabe depois, que ele se ofereceu como voluntário, para um período de mais vinte e oito dias. Como foi capaz de a enganar o único dos seus homens que fora sempre leal para com ela.
Ora está separada do marido Ilan e é mãe de Ofer e Adam, o filho mais velho, que vive com o pai. Estão ambos de férias fora do país.
Desiludida, triste, sozinha e temendo a pior notícia que uma mãe pode receber , Ora foge de casa, para não poder ser encontrada durante todo o período em que Ofer estiver em missão.
Decide, então, fazer a caminhada e “arrasta” consigo Avram, o artista, o pacifista, antigo namorado e amante, ex-prisioneiro de guerra do Egipto e o melhor amigo dela e de Ilan.
Uma das regras, provavelmente a mais importante, determinava que ela estivesse sempre em movimento e é isso que faz, caminhando sem cessar por montes e vales “até ao fim da terra”.
E falam, falam muito. Aliás, ela fala e ele ouve embevecido interiorizando lentamente o facto de que pela primeira vez em trinta e cinco anos estava só com ela, realmente, sem Ilan, até mesmo sem a sombra de Ilan.
Mas também há silêncios, silêncios difíceis de suportar.
E há segredos escondidos, verdades amargas, alegrias, angústias, tristezas, sofrimento, desilusões, paixões e muitas histórias contadas para o ventre da terra. Principalmente sobre Ofer, o ser que ambos trouxeram ao mundo.
- Devias saber que enquanto falo contigo sobre ele, ele está bem, está protegido.
- Como?
- Não sei. É o que eu sinto. Está pura e simplesmente resguardado.
- Sim.
- Parece-te loucura?
- Não.
- Conto mais?
- Sim.
Sem ordem cronológica, Ora vai desfiando a sua vida inteira, nos pormenores íntimos da sua família, nos seus amores e desamores, nos dramas físicos e psicológicos da guerra sobre os homens que ama. Uma vida inteira sem sentido, num país enfraquecido, com um povo de exilados sempre em busca de novos caminhos. Reencontrará o amor?
Mas é por Ofer que ela fala, é por Ofer que ela caminha, na companhia do pai daquela criança curiosa que, quando soube que em Israel havia quatro milhões de pessoas, ficou impressionado e até sossegado…. Mas depois quis saber “quantos são contra nós” e não descansou enquanto não soube o número de habitantes dos países muçulmanos no mundo.
Uma criança que, com o seu dinheiro de bolso, compra um pequeno bloco laranja e aponta nele diariamente, a lápis, quantos israelitas restam depois do último atentado terrorista.
Um dia descobriu que uma parte dos israelitas são árabes… Descobriu que os seus cálculos estavam todos errados…
Ofer que lhe sussurrou ao ouvido, no momento da despedida, em frente das câmaras e de todos, que… (não digo!)
O que ele lhe disse pode ter mudado tudo?
Pode abandonar-se um país que se ama mas que não sabemos se sobreviverá?

Que grande mulher esta Ora de David Grossman.
Sobre ela, disse Paul Auster: uma personagem viva e autêntica como não há outra na ficção recente.
Grossman, também caminhou durante 500 quilómetros ao longo de Israel Trail, do extremo norte, na fronteira com o Líbano, até Jerusalém. Premonição?
Por favor, leiam, chorem, riam, deslumbrem-se com a escrita do aclamado "profeta secular de Israel", o escritor que gosta das palavras e que sabe construir personagens femininas como nenhum outro.
Que grande, grande Ora!

Até ao fim da terra, de David Grossman
Ed. Dom Quixote, 2012
Tradução de Lúcia Liba Mucznik
684 págs.

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