O esforço de escrita de um conto é tão intenso como o de começar um romance. Porque no primeiro parágrafo de um romance tem de se definir tudo: estrutura, tom, ritmo, extensão, e por vezes até o carácter de uma ou outra personagem. O resto é o prazer de escrever, o mais íntimo e solitário que possa imaginar-se…
O conto, em contrapartida, não tem princípio nem fim: pega ou não pega. E se não pega, a experiência própria e alheia dizem-me que na maioria dos casos será mais saudável começar de novo por um caminho diferente, ou deitar tudo fora.
Pois é, estes doze extraordinários contos – histórias de solidão – foram selecionados pelo autor, de entre os muitos que escreveu durante duas dezenas de anos. Num belíssimo prefácio, ele explica o que o levou a escrever pequenas histórias, qual foi o processo de escrita, onde as escreveu, porque as abandonou ao esquecimento, como selecionou estas doze, o prazer que tirou da sua escrita.
São histórias amargas de seres solitários, onde personagens imaginados se cruzam com personagens da vida real, numa Europa do pós-guerra.
São histórias brilhantes de amor, poder e morte, um retrato de costumes recriado com sensibilidade, ironia e humor.
As doze histórias são inesquecíveis mas, na impossibilidade de escrever sobre todas, destaco:
”Maria dos Prazeres”, a história de uma mulata esbelta de setenta e seis anos, há mais de cinquenta anos a exercer a profissão de prostituta em Barcelona, e que na sequência de um sonho que lhe revelou a sua própria morte, decide acertar com um agente funerário todos os pormenores do seu funeral.
“A Santa”, a história de Margarito Duarte, que batalha pela canonização da filha junto da Santa Sé, mostrando tanta tenacidade e fé que, depois de cinco papas mortos, merece ele próprio ser canonizado.
“Alugo-me para sonhar”, a história da latina Frau Frida, que em Viena tinha como única ocupação: alugar-se para sonhar.
“Boa viagem, senhor Presidente”, a história de um ex-presidente (pobre ou rico?) das Caraíbas, que volta a Genebra após duas guerras mundiais, em busca da cura para uma dor improvável e escorregadia.
Ainda no prefácio, diz GGM sobre estes contos: não voltarei a lê-los, como nunca voltei a ler nenhum dos meus livros com medo de me arrepender.
Pois eu, voltarei a reler as histórias escritas por quem tem o dom especial de me maravilhar.
Adorei!
Doze contos peregrinos, de Gabriel García Márquez
Dom Quixote, 1993
Tradução de Miguel Serras Pereira
231 Págs.
Estou a lê-lo, todos os adjectivos são poucos para definir este grande/enorme escritor!
ResponderEliminar"Só vim fazer um telefonema" foi dos mais belos contos que li até hoje!
Concordo plenamente. São histórias belíssimas.
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