29 maio, 2020

O que ando a ler devagar? A história fascinante da língua portuguesa!

Este é um livro (…) sobre palavras, sobre a história delas e sobre estruturas que elas escondem (…) e vai tentar localizar no tempo e nas formas, o que alguém chamou «o primeiro gemido» do idioma.
«Imaginemos um poeta castelhano que, pelo ano 1200, visitava um Portugal ainda pintado de fresco. A fala dos habitantes haveria de soar-lhe bastante peculiar. Sim, ele teria a sensação de que os portugueses comiam sistematicamente letras. Diziam moer e não como ele moler, sair e não salirvoar e não volar. Trouxera ele consigo um poema seu, que assim começava em castelhano: Volaban águilas, ángeles Y diablos. Mandara-o já traduzir para latim, com vista à sua divulgação Europa afora, e esse primeiro verso ficara: Volabant aquilae, angeli et diaboli. Desejava agora vê-lo vertido na língua dos novos amigos, e alguém lhe fizera a vontade. Resultado? Voavam águias, anjos e diabos. O que deixara o nosso poeta francamente perplexo. Nessa versão portuguesa, todos os quatro l se haviam evaporado. E não era tudo ainda, descobriu ele depois. Os portugueses também pronunciavam e escreviam cear e não como ele cenarperdoar e não perdonarsoar e não sonar. Está visto: também os n acabavam desaparecidos. Gente estranha aquela.»
"Seja desde já claro: qualquer que seja a ortografia, é pela eliminação de l e n intervocálicos que aquela que chamamos a nossa língua mais fundamentalmente se distingue de idiomas vizinhos."
… a primeira língua de Portugal foi o galego. Era a que estava disponível.
Movido pela «curiosidade e a vontade de ir até onde ninguém tinha ido» (*) o linguista, tradutor, crítico literário Fernando Venâncio, 74 anos, “conta-nos neste livro a história da língua portuguesa com paixão, elegância e um fino humor. Com rigor e precisão de paleontólogo, começa no primeiro gemido da nossa língua, que remonta há séculos, tão distantes que Portugal ainda nem existia, passando pelos primeiros escritos, até à fala contemporânea que ainda hoje conserva registos, em estado fóssil, dessa movimentação primordial. Máquina do tempo que nos permite recuar à época em que o idioma se formou, Assim Nasceu Uma Língua faz-nos peregrinos numa caminhada que toca a língua galega ou o português brasileiro, evidenciando as profundas derivas que deram forma ao nosso idioma, a que Fernando Venâncio chama «um idioma em circuito aberto».”
Falamos uma língua que nasceu fora do nosso território (de nós, portugueses) e cujo futuro será em larga medida decidido fora das nossas mãos. (linguista Ivo Castro, citado por Fernando Venâncio)
Curiosidades:
«a língua que chamamos portuguesa nasceu na Galiza e numa região minhoto-duriense que, na época, também era galega».
- «o nosso idioma e o espanhol tiveram géneses diferentes e, mais do que tudo, separadas».
o «galego e o português de 1400 eram incomparavelmente mais semelhantes que os actuais modelos de língua português e brasileiro»
Já agora, sabe quando é que o português se chamou «português»?
Se não sabe, leia este livro. Rápido ou devagar, leia!

Confesso: amo, cada dia mais, a língua portuguesa!

(foto da net)

(*) Fernando Venâncio, em entrevista a Nuno Pacheco, revista Ípsilon, 6 Dezembro 2019.

26 maio, 2020

Não podemos beijar, mas podemos falar... de beijos!


"O beijo é uma forma de diálogo"
George Sand, romancista francesa (1804-18076)


“Um beijo é um segredo dito à boca em vez de ao ouvido.”
Jean Rostand, biólogo, filósofo, historiador francês (1894-1977)


“A conversação dos beijos. Subtil, absorvente, destemida, transformadora.”
Alice Munro, escritora norte-americana (1931-)
Prémio Nobel da Literatura, 2013


"Num único beijo saberás tudo aquilo que tenho calado."
Pablo Neruda, poeta chileno (1904-1973)
Prémio Nobel da Literatura, 1971


"Amo-te tanto. E nunca te beijei... E nesse beijo, amor, que eu não te dei, guardo os versos mais lindos que te fiz."
Florbela Espanca, poetisa portuguesa (1894-1930)


(foto da net)

22 maio, 2020

"Orlando" - Virginia Woolf

… mal Orlando abriu a janela, o seu rosto ficou iluminado apenas pelo próprio Sol (…) Feliz a mãe que gera um filho assim e mais feliz ainda a biógrafa que lhe narra a vida! Porque jamais terá de se preocupar e ir pedir ajuda a um poeta ou a um romancista. A um tal biografado, basta ir de façanha em façanha, de triunfo em triunfo, de cargo em cargo, e o escriba apenas tem de o seguir, e ambos alcançarão as alturas que desejam.
Quem é Orlando? Um aristocrata inglês, com uma grande variedade de eus, azarado, rico, erudito, «inapto para o convívio social», amante da poesia, que certo dia acorda em corpo de mulher, e que vive mais de 400 anos - da Inglaterra isabelina do século XVI a 1928, ano da publicação deste romance. Romance/biografia, fantasiosa, hilariante, detalhada, uma história de vida que primeiro se estranha, depois se entranha,  depois não se esquece: quem é Orlando, o que fez, como viveu, com quem privou, quem amou? Uma vida tão longa não pode ter sido vivida por uma só pessoa. E não foi! Ou foi?! Isso agora não importa, como não importa se ficamos a saber, ou não, quem é Orlando. Tudo escapa. E não é só ao leitor. Do mesmo se queixa a narradora/biógrafa/escritora desta história "traquinas irreverente, rebelde"«haverá coisa mais irritante do que ver o nosso biografado (a quem dispensámos tanto tempo e por quem nos prestámos a tanta maçada) escapar-se-nos por entre os dedos…».
Não se assuste com a prosa densa, não desista se tudo lhe parecer destituído de sentido. Continue a ler e logo perceberá que este livro inteligente e muitíssimo bem escrito, não sendo fácil se lê com gosto, se lê sorrindo! 
"Orlando" é invenção - mas atenção, invenção devidamente documentada com ilustrações e índice remissivo -, paródia, desconstrução de género, crítica literária, crítica política, crítica social, retrato de um país nebulento: «Quanto menos virmos, mais acreditamos.» Uma "obra virada para a modernidade, para o futuro (...) um dos raros momentos em que a literatura, rompendo barreiras e o pudor de uma época, alcança a intemporalidade, para nunca mais se sentir datada ou ultrapassada na sua coragem, beleza, e estilo.»
Há quem diga que "Orlando" é uma apaixonada e provocadora carta de amor de Virginia Woolf para a amante Vita Sackville-West, que terá servido de modelo ao/à protagonista Orlando. E não será Orlando a própria Virginia Woolf?
«Escrevi este livro com mais rapidez do que qualquer outro, e é uma grande piada; acho, apesar disso, que é uma leitura alegre e fácil: Umas férias de ser escritora.», pode ler-se numa das entradas dos diários da escritora.
«A verdade destrói-nos. A vida é um sonho. (...) E aquele que nos rouba os sonhos está a tirar-nos a vida. (Podia seguir nesta linha por mais seis páginas, acreditem, mas é uma escrita maçuda, portanto mais vale parar por aqui.)»

Leitura maçuda é que não foi, juro!
E juro também, que quase gastei um lápis em imennnnnsos sublinhados.
O segredo da vida é...
(Não digo; é segredo!)

Orlando, de Virginia Woolf
Tradução de Miguel Romeira
Ed. Cavalo de Ferro, 2019
239 págs.

19 maio, 2020

"de repente os olhos são palavras" (*)


Mal nos conhecemos
Inauguramos a palavra amigo!
Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece.
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
Amigo (recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!
Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado.
É a verdade partilhada, praticada.
Amigo é a solidão derrotada!
Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!


Poema do poeta português  Alexandre O'Neill (Alexandre Manuel Vahia de Castro O'Neill de Bulhões), Lisboa 1924-1986.

(*) Verso do poeta chileno  Pablo Neruda (1904-1973)

Imagem criada a partir de fotografia. Obrigada, meu amigo!

15 maio, 2020

"Leite derramado" - Chico Buarque

A memória é uma vasta ferida.
É belíssimo o quarto romance de Chico Buarque. Uma saga familiar caracterizada pela decadência social e económica, uma sucessão de monólogos contraditórios, uma triste, enternecedora, divertida fusão das memórias de um velho – Eulálio Montenegro d’Assunpção «e não Assunção, como em geral se escreve» – com factos dos últimos 200 anos da História do Brasil.
Eulálio, protagonista de “Leite derramado”, viúvo de Matilde, uma morena «de pele quase castanha», solitário, frágil, pobre (mas mantendo os tique de superioridade social), está deitado na enfermaria de um hospital «infecto», e sendo tratado por  «gente desqualificada». Com «a cara amassada e a barba por fazer» e a cabeça «meio embolada» espera ansiosamente pela filha Matilde «você nem vai me dar um beijo? É desagradável ser abandonado assim...», desespera por morfina, barafusta com os médicos «saiba o doutor que meu pai foi um republicano de primeira hora, íntimo de presidentes», implica com as enfermeiras «lá vem você com a seringa...», enquanto vai repetindo histórias da sua vida.
Eulálio nasceu em 1907, no seio de uma família tradicional brasileira próxima da elite e do poder. O pai foi senador da Primeira República; o avô foi um «figurão do Império, grão-maçon e abolicionista radical», o bisavô um barão negreiro; o trisavô desembarcou no Brasil com a corte portuguesa; o tetravô lutou contra as tropas de Napoleão.
Depois dele, vem o declínio da família: a filha casa com um imigrante italiano; o neto morre nas prisões da Ditadura; o tetraneto trafica drogas.
«… todo o dia é isso, acordo com o sol na cara, a televisão aos berros, e já compreendi que não estou em Copacabana, foi-se o chalé há mais de meio século», e o palacete em Botafogo, o apartamento na Tijuca, a fazenda na «raiz da serra, a...
«Hoje sou da escória igual a vocês, e antes que me internassem, morava com minha filha de favor numa casa de um só cômodo nos cafundós...».

E fico por aqui, sabendo que deste romance - admiravelmente bem escrito - muito ficou por desvendar. E que tal ser você a escutar o tanto que Eulálio tem para contar?
As pessoas não se dão o trabalho de escutar um velho, e é por isso que há tantos velhos embatucados por aí, o olhar perdido, numa espécie de país estrangeiro.
Lido em 2009, relido em 2020 com igual entusiasmo. Lido ou ouvido? Eu sei lá!
Recomendadíssimo!
(Encontra mais frases sublinhadas neste livro, no "pétalasdesabedoria".)

Leite derramado, de Chico Buarque
Ed. Dom Quixote, 2009
223 págs.

Responda se quiser: Você escuta os seus «velhos»?


(fotos da net)

12 maio, 2020

"Preciso de cismar." (*)



Neste tempo de pandemia, confinamento, desconforto, muita angústia e saudade... uma criança foi morta por quem a devia proteger e amar.


O corpo de Valentina, 9 anos, foi encontrado pela Polícia Judiciária no domingo, num eucaliptal na zona de Peniche, Portugal. Tapado por folhagem, apresentava no pescoço sinais de estrangulamento.
Na quarta-feira o pai tinha participado às autoridades o desaparecimento da menina, de casa, do quarto. Imediatamente, policiais, bombeiros, escuteiros e populares deram início a buscas nas redondezas. As buscas duraram quatro longos dias. No quinto dia, o progenitor indicou a quem o interrogava onde escondera o corpo da menina 
Valentina vivia com a mãe, mas estava a passar uns dias com o pai, a madrasta, e meios-irmãos.
Pai e madrasta foram detidos como principais suspeitos do homicídio, que terá ocorrido em casa.


O Mundo enlouqueceu de vez,  e eu, avó da Madalena, 3 anos, e da Carolina, 9 anos, longe delas e tomada por uma tristeza sem fim...
"Preciso de cismar." (*)

(*) Adília Lopes, in "Estar em casa".

(fotos da net)

08 maio, 2020

"Uma casa no fim do mundo" - Michael Cunningham

Aos treze anos tomamos demasiadas opções sem pensar nas consequências e no modo como podem arrastar-se pelas décadas.
Uma casa no fim do mundo” é um romance extraordinário, corajoso,  que se lê avidamente e jamais se esquece. Nele, Michael Cunningham desvenda, com extrema sensibilidade, factos da vida de quatro personagens que de tão reais sentimos que os conhecemos: Jonathan, Bobby, Clare , Alice.
Jonathan (solitário, inseguro e introspectivo) e Bobby (sombrio e silencioso), são amigos desde a infância vivida numa pequena cidade conservadora do interior americano dos anos 60. À infância misteriosa - Jonathan «gostava de bonecas e de brincar dentro de casa» - seguiu-se a adolescência com um despertar complexo para o amor e a sexualidade, sem nunca falarem de raparigas, mas muitas partilhas de segredos e promessas. Tinham quinze anos, passavam os dias juntos, e «os rádios cantavam o amor o dia inteiro».
Jonathan é aceite pela Universidade de Nova Iorque, e parte para a grande cidade. Bobby não concorreu a nenhuma. Sem a mãe e sem o pai, fica a viver com os pais do amigo. Aprende a cozinhar, aprende a arte da pastelaria e abre um restaurante. Não corre bem, fecha-o. Oito anos depois da partida do amigo decide ir também ele para Nova Iorque, «o único destino lógico».
Na grande cidade  Jonathan partilha a vida com uma mulher e o amor com um homem. (Não, não é Bobby...). A mulher é Clare, nova-iorquina «veterana das guerras eróticas da cidade».
Diz Jonathan: «Não éramos amantes, mas quase. Ocupávamos a esfera superior do amor, onde as pessoas acarinham a companhia e excentricidades umas das outras, onde se querem bem. Clare e eu partilhávamos os piores segredos e os mais absurdos temores … éramos como as irmãs das histórias tradicionais…»
Bobby junta-se a eles no sexto andar de um prédio em East Third Street. Os três são vértices de um triângulo em desequilíbrio... na procura de um novo tipo de família, testando os limites da amizade e do amor, enfrentando os riscos da desilusão e do abandono. Tudo parece correr bem,  até ao dia em que Jonathan desaparece «no labirinto da sua vida».
Clare, «tortuosamente apaixonada por ambos», fica com Bobby no apartamento. Mas não demorará muito até os amigos, amantes, confidentes, eu sei lá, viverem de novo juntos numa “casa no fim do mundo”.  Os três mais a pequena Rebecca, filha de Clare e de... não digo, leia para saber!
A solidão é difícil de evitar. Seja em que sítio for.
Alice é mãe de Jonathan. 
- Três é um número ímpar. Quando há três pessoas envolvidas, uma delas acaba por perder.
- Mãe, não sabes do que estás a falar…
(…)
- Só estou a dizer… que existem certos limites. Já é bastante difícil manter uma relação com uma só pessoa, quanto mais com duas.
- E eu, acho sinceramente que somos nós que estabelecemos esses limites. O Bobby, a Clare e eu somos felizes juntos. E planeamos continuar juntos.
Quatro personagens, quatro narradores, quatro histórias comoventes/vidas reveladas, sem pudor, em capítulos alternados. Qual é delas a mais enternecedora? Todas!
(Recordo: nos idos anos sessenta a homossexualidade era considerada uma doença, e as relações homossexuais proibidas por lei nos Estados Unidos.)

Leia, por favor, este romance maior!
É um dos mais belos que eu li, e reli e, sem dúvida alguma, um dia voltarei a ler, ciente de que algo que me escapou me irá surpreender.
De Michael Cunningham -  um dos meus escritores favoritos - li e compartilhei no Rol outros grandes romances:
- Sangue do meu sangue (uma grande, belíssima saga familiar)
- As horas
- Ao cair da noite
- A rainha da neve
- Dias exemplares, (3 histórias de desencanto, pós 11 de Setembro), vou reler para depois aqui o trazer.

Uma casa no fim do mundo, de Michael Cunningham
Tradução de Rui Pires Cabral
Ed. Gradiva, 2001
363 págs.

05 maio, 2020

"A solidão é como o vento" - Graça Pires

Obrigada querida Graça, por este livrinho cativante feito de pequenos poemas que contam histórias:  umas encantadas, outras desencantadas, sempre inspiradas na vida real.
Histórias imensamente bem escritas, que eu li e logo reli, como querendo guardar em mim verso a verso  para sempre.
Parabéns poeta!
(Mas afinal podem contar-se histórias em verso? Acredite que pode!)


VIOLETAS DE CHEIRO
Colheu-as para ela, a mulher:
a planície de espanto
onde alongava o corpo.
Ela, de boca colada na cal,
procurava a fenda por onde abalaria
antes que ele a visse envelhecer.
Envelheceram juntos,
falando cada vez menos
até perderem a voz.
Estas violetas de cheiro (viola odorata) são para ti, querida amiga.

Se ainda não conhece a Graça Pires, ela está aqui, toda, neste poema:

PERFIL
De passagem,
como a véspera imprecisa
do poema,
principia em mim
a planície agreste
da solidão dos outros.
E a não ser
o silêncio poente
dos meus olhos,
tudo o resto me diz
que sou um pássaro
a voar, inconsequentemente,
no sentido das palavras.
(in "Poemas", 1990)

(fotos da net)

01 maio, 2020

"Poesia presente" - António Ramos Rosa

Em qualquer parte um homem
discretamente morre.

Ergueu uma flor.
Levantou uma cidade.

Enquanto o sol perdura
ou uma nuvem passa
surge um nova imagem.

Em qualquer parte um homem
abre o seu punho e ri.
Estou vivo
mas quero viver
Não quero salvar-me porque não posso salvar-me
porque a salvação não existe
Perdi o meu percurso
e tudo o que herdei de mim próprio
No mundo as palavras não compensam
a violência absurda do sofrimento
Na página elas podem ser a invenção
de um frémito perante um corpo nu
É na palavra que se acende a minha vida
mas a minha vida sobra sempre como uma cauda cinzenta
Porque é o infortúnio a norma
e não há resgate para a morte?
O mundo é estranho mas é irrefutável
na sua contínua sucessão que nos transcende
e passa sobre nós como se não existíssemos
Teremos acaso de nos unir e reinventar as nossas vidas
para que os deuses nasçam do nosso desamparo?
O silêncio conduz-nos à sua infinita fronteira
mas o ócio iluminado pode vogar na casa
como se estivéssemos entre palmeiras e araucárias
Toda a viagem é um regresso ao ponto de partida
para partir de novo entre a água e o vento
António Ramos Rosa, de seu nome completo António Vítor Ramos Rosa, nasceu em Faro-Algarve, em 1924 e faleceu em Lisboa, em 2013.
Estudou em Faro, e não terminou os estudos secundários por motivos de saúde.
Trabalhou como empregado de escritório, e desenvolveu o gosto pela leitura de romancistas e poetas portugueses e estrangeiros.
Crítico do Estado Novo, em 1945 participou na formação do MUD Juvenil (Movimento de União Democrática) e conheceu a prisão política.
Em Lisboa, ensinou Português, Inglês e Francês, trabalhou numa firma comercial, encetou uma brilhante carreira de tradutor minucioso,
Começa a escrever poemas e é incentivado a publicá-los.
Em 1958, o jornal «A Voz de Loulé»  publicou um poema seu "Os dias sem matéria", e no mesmo ano chegou às livrarias o livro "O grito claro", o primeiro de uma obra poética com mais de cinquenta títulos.
Foi distinguido com vários prémios, entre os quais: Prémio Nacional de Poesia (1971), Prémio Pessoa (1988), Prémio da Bienal de Poesia de Liége (1991), Grande Prémio Sophia de Mello Brener Andresen (2005).
Em 2003 a Universidade de Faro atribuiu-lhe o grau de Doutor Honoris Causa.
Foi casado com a escritora Agripina Costa Marques.
No final da vida, o poeta lido e reconhecido isolou-se e trocou a arte das palavras pela arte do desenho de expressivos rostos femininos.
Quem foi afinal o poeta atento ao poder da palavra, activista e teórico literário, que escrevia poemas «numa folha, leve e livre» (título do seu último livro, publicado em 2013); com uma «capacidade imaginativa verbal raríssima» (António Carlos Cortez); o «poeta pobre. Mas poucos neste nosso século nos terão assim investido da riqueza de sermos homens» (Vergílio Ferreira)?
José Tolentino Mendonça, que prefaciou esta Antologia, diz assim:
"Para compreender o «caso» Ramos Rosa, tarefa que o futuro há-de apaixonadamente abraçar, será necessário avaliar até que ponto, até que ardente ponto, ele emerge como figura disruptiva na paisagem portuguesa entre séculos. Já Eduardo Lourenço o chamou, com total razão, «anti-Pessoa». Mas isso é apenas o preâmbulo. Ele é também um «anti-Herberto», e a história que se vier a escreve o dirá".

A Antologia  "Poesia presente" (2014) inclui várias dezenas de belíssimos poemas, escolha pessoal de Maria Filipe Ramos Rosa filha única do poeta.

Nela eu encontrei-me com um grande poeta português.
Compre, leia!

(Fotos de ARR e do desenho, da net.)