29 outubro, 2013

Frases soltas... "Os moedeiros falsos" de André Gide


Chega o dia em que o verdadeiro ser, que o tempo lentamente despiu de todo o vestuário de empréstimo, aparece de novo; e se for desses adornos que o outro estiver apaixonado, só estreitará contra o coração um invólucro desabitado, uma lembrança… só luto e desespero.”



(Foto tirada da net)

25 outubro, 2013

"Vermelho e Negro" - Stendhal

… as paixões são acidentes na vida…
Eis um dramático, denso e poderoso romance psicológico, cuja acção decorre no período pós Revolução Francesa.
Stendhal escreve sobre os dramas, alegrias e paixões do jovem plebeu Julien Sorel e, pelo meio, critica violentamente a igreja e a sociedade parisiense da época.
Julien tem dezanove anos, é filho de um carpinteiro de Verrières, sonha com a glória do exército de Napoleão e ambiciona riqueza e estatuto social. É arrogante, ambicioso, sedutor, traiçoeiro, sarcástico, interesseiro, mas também, cavalheiro, inteligente, sagaz, trabalhador, e com uma destas memórias espantosas que tantas vezes acompanham a estupidez.
(Enquanto leitores, ou se gosta ou se odeia. Eu consegui gostar, graças à magnífica construção da personagem e à escrita envolvente e viciante, mesmo que nem sempre fácil.)
A história está dividida em duas partes::
- na primeira parte, Julien estuda teologia com o padre Chélan (o bom velhinho que vê nele um jovem inteligente, com uma alma generosa), memoriza a Bíblia (para impressionar a alta sociedade, que despreza), e deixa a casa do pai para se tornar perceptor dos dois filhos do rico e poderoso Sr. Rênal, perfeito de Verrières. Julien odeia as crianças, mas, sendo ele um perfeito fingidor, encanta a mãe delas, uma mulher ainda jovem, bela, bondosa, muito tímida, carente de afecto e atenção, que nunca lera romances de amor. Apaixonam-se: ela perdidamente, ele…
Uma carta anónima põe fim à relação adúltera. Para evitar o escândalo, Julien é obrigado a partir para um seminário em Besançon.
Ali, é perseguido, odiado e invejado pelos outros seminaristas. Vale-lhe o apoio do padre Pinard que o aconselha… recorre a Deus, que, para te castigar da tua presunção, te deu essa necessidade de ser odiado; que a tua conduta seja pura: é o único recurso que te resta e, para o salvar daquela perseguição o recomenda, como secretário, ao Marquês de La Mole. Julien é contratado e parte para a grande cidade: Paris. Antes, porém, encontra-se secretamente com a amante e amiga, a Sra. De Rênal.
- na segunda parte, Julien vive no palácio de La Mole e não esquece as palavras do padre Pinard: para pessoas da nossa condição, o único caminho para a fortuna são as boas relações com a fidalguia.
Julien, trabalha na magnífica biblioteca do palácio. Sendo ele um leitor compulsivo, é lá que encontra algum conforto… nos donos da casa havia tanto orgulho como tédio. Estavam habituados a ultrajar os outros para se divertirem… e é lá que um dia se cruza com a menina De La Mole, a altiva e orgulhosa Mathilde. Ele, interesseiro, inicia a conquista, ela rejeita-o… mas, despois, deixa-se seduzir.
O casamento com Mathilde é impedido por uma carta da Sra. De Rênal.
Perdido de raiva, Julien dispara dois tiros contra a amiga. Será ele a morrer na guilhotina, poucos meses depois, não sem antes descobrir o amor verdadeiro e sentir prazer nas lágrimas.
Julien tem vinte e três anos.
Não faltei eu a nada do que me devo a mim próprio? Desempenhei bem o meu papel? E que papel! O de um homem acostumado a ser brilhante com as mulheres.
Gostei de bisbilhotar a vida intricada de Julien Sorel.
Que grande romance!
 
Vermelho e Negro, de Stendhal (Henry Marie Beyle, 1783-1842)
Editorial Inquérito
Tradução de José Marinho
494 págs.

22 outubro, 2013

Frases soltas... "Todos os nomes" de José Saramago

 
"… o dia já tinha vinte e quatro horas quando foi decidido que as tivesse, a hora tem e sempre teve sessenta minutos, os sessenta segundos do minuto vêm desde a eternidade, se um relógio começa a atrasar-se ou a adiantar-se não é por defeito do tempo, mas da máquina…”


(Foto tirada da net)

18 outubro, 2013

"Pensageiro frequente" - Mia Couto


… o paraíso não é um lugar, é um breve momento que conquistamos dentro de nós.
Desafio-o a dar asas à maginação, e deixar-se levar pelos céus de Moçambique. Lá de cima poderá admirar um país feito de mosaicos coloridos, aqui pintados por quem conhece bem aquela terra e as suas gentes – Mia Couto, aquele que escreve prosa com cheirinho a poesia.
- Gosta de futebol?
No meu bairro, o futebol era a grande celebração. Preparávamo-nos para esse momento, como os crentes se vestem para o dia santo.
Soou o apito e “Fintado por um verso”, dá o pontapé de saída para a leitura de 26 interessantes crónicas, escritas para a revista de bordo das Linhas Aéreas Moçambicanas, e agora compiladas em livro.
- Quer ver baleias?
Sim, então leia “O riso das baleias” e visite-as na baía de Nacala, uma das maiores e mais belas baías do mundo.
- Sabe que ligação tem o rio Zambeze com a Amazónia?
Não, então leia “O Zambeze desaguando na Amazónia” e perca-se no ritmo do Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa.
Diz Mia Couto…dos lugares da terra prefiro os que são feitos de água. Eu também!
- E você, nunca pensou nisso?
Inspire-se nas dez pinceladas coloridas de “As águas da terra”: Manica, Tete, Sofala, Cabo Delgado, Niassa, Gaza, Inhambane, Nampula, Maputo e Zambézia, e descubra locais onde a paisagem, de tão bela, chega a doer.
Continuemos a voar.
Não é o voarmos sobre os lugares que marca a memória. É o quanto esses lugares continuarão voando dentro de nós, escreve ele n ”Os lugares voadores”, onde nos ensina que: os lugares não se comparam. Como as pessoas, cada um deles acontece num momento único, numa única e irrepetível vida. Eu concordo!
- Sabia que a Munhava tem mais céu do que chão?
Não, então leia “Um barco no céu na Munhava” e deslumbre-se e fique a saber que ser menino é estar cheio de céu por cima.
- Acha que já vimos tudo?
Pouco do mundo teremos visto senão tivermos olhado os pássaros.
Eu olhei, em “Outras formas de voar” e descobri um amor a toda a prova pela escrita de Mia Couto e pelo meu país do coração: Moçambique.
 
Lembrei-me, agora, que tenho medo de andar de avião. Não parece, pois não?
Somos todos de algum mato.
Lindo!
 
Pensageiro frequente, de Mia Couto
Ed. Caminho, 2011
133 págs.

15 outubro, 2013

"Olá! Está aí alguém?" - Jostein Gaarder

O tempo que dura uma vida humana não chega para aprender tudo.
Joakim tem oito anos e espera a chegada de um irmãozinho que vai nascer.
Na noite em que o bebé quer sair da barriga da mamã, os pais correm para o hospital e Joakim fica sozinho em casa, esperando a tia Helene.
Contemplava as estrelas, através da janela do quarto, quando viu uma estrela cadente cruzar o céu, tão próxima que parecia que iria cair no seu jardim.
Logo de seguida, do jardim chegou até ele um grande e estranho barulho. Seriam os papás com o mano? Não!
Era Mika, um rapazinho que se baloiçava na macieira em frente da janela do seu quarto, pendurado pelo elástico dos calções.
Mika, o menino que chuchava o polegar sempre que reflectia e sacudia os dedos quando tinha de explicar uma coisa.
Mika, o menino que fazia uma vénia a perguntas profundas e nunca a respostas inteligentes – uma resposta é o caminho que deixaste para trás. Só uma pergunta pode apontar para diante.
Mika, o menino de um planeta distante, que nasceu dentro de um ovo, não tem umbigo, e que sabe tudo sobre os mistérios do universo e o enigma da vida humana.
Ficam amigos, brincam e interrogam-se sobre o que se esconde por detrás das coisas que o nosso olhar distraído considera “normais.”
Nem sempre as coisas mais normais são tão normais como cremos.
Entretanto, o dia amanheceu, o mano de Joakim nasceu e Mika desapareceu.
Terá sido um sonho?
Com Jostein Gaarder (autor do célebre "O Mundo de Sofia") nunca se sabe.
Mas eu sei que os seus livros são para ler e aprender e isso basta-me.
Encantador!
 
Olá! Está aí alguém?, de Jostein Gaarder
Editorial Presença, 1998
Tradução de Maria Bragança
111 págs.

11 outubro, 2013

"Os moedeiros falsos" - André Gide

… posso duvidar da realidade de tudo, mas não da realidade da minha dúvida.
“Les faux-monnayeurs”, de André Gide, publicado em 1925, é um acutilante retrato da crise de valores da burguesia intelectual parisiense dos anos vinte, um romance sobre os tormentos e tentações da adolescência, sobre a perversão e a marginalidade.
É um romance que “puxa” pela nossa imaginação, uma história sobre a amizade, o amor e muito ciúme, entre dois jovens candidatos a escritores e dois romancistas rivais:
Bernard Profitendieu, jovem candidato a escritor, muito audacioso e ambicioso, de carácter decidido, no início do romance descobre ser filho bastardo e abandona a família. Aproxima-se da família Molinier.
Olivier Molinier, candidato a escritor, terno e imaturo, é o maior amigo de Bernard.
Édouard, romancista, tio de Olivier, o seu sobrinho preferido. Édouard termina um romance, a que chama “Os Moedeiros Falsos” (o livro dentro do livro, onde a ficção se mistura com a realidade) e escreve um diário, onde guarda confidências sobre as personagens do romance. Bernard, o seu secretário, apanha o diário e passa o seu conteúdo para nós, leitores.
Robert de Passavant, o romancista vaidoso, hipócrita, egoísta, que lança a revista literária “Avant-Garde” e convida Olivier para redactor-chefe. Este aceita, para grande desgosto e muito ciúme do tio.
Vincent Molinier, irmão de Olivier, cobarde e desastrado, amante do jogo e de Laura Douviers.
Confuso?
Talvez esteja, mas, atenção… não se pode julgar a vida dos outros pelo exterior.
E quem são, afinal, os moedeiros falsos, do livro de André Gide (ou será de Édouard )?
Estará a resposta no "assunto profundo" do livro de Édouard? Confirme.
... a rivalidade entre o mundo real e a representação que dele fazemos. A forma como o mundo das aparências se nos impõe e como tentamos impor ao mundo exterior a nossa interpretação particular, constitui o drama da nossa vida.

Ufa! 
Não foi fácil ler este romance.
A trama é interessante, apesar de complexa, as personagens geniais, a escrita brilhante, mas a acção… é parada - muito parada - paradíssima.
Não foi o drama da minha vida, mas quase.
Já lhes aconteceu terem na mão uma moeda falsa?
Pensem bem, antes de responder.
 
Os moedeiros falsos, de André Gide (Prémio Nobel de Literatura 1947)
Ed. Ambar, 2004
Tradução de Carlos Correia Monteiro de Oliveira
422 págs.

08 outubro, 2013

Hoje não escrevo...

Não há espaço para cantar
 
Hoje não escrevo
Alguém
Escreva por mim
 
Neste bairro
Não há espaço
Para cantar
 

As palavras, roubei ao Mar Arável. Desculpa!
O pôr-do-sol, fotografei da minha janela.

04 outubro, 2013

"Todos os nomes" - José Saramago

A solidão do Sr. José … nunca foi boa companhia, as grandes tristezas, as grandes tentações e os grandes erros resultam quase sempre de se estar só na vida…
O Sr. José é o protagonista deste romance soberbo de Saramago.
Solteiro, de meia-idade, tímido, de natureza melancólica, com medo das alturas e sofredor de insónias, o Sr. José é um cumpridor auxiliar de escrita, nunca promovido, da Conservatória Geral do Registo Civil, e vive numa pequenina vivenda modesta e rústica, mesmo ao lado da Conservatória, a única das muitas casinhas construídas para os funcionários que se mantém de pé. A casa tem duas portas: uma, exterior, que dá para a rua e outra, muito discreta, no interior, que dá para a grande nave dos arquivos da Conservatória. Dá, ou melhor, dava, pois a serventia daquela porta foi superiormente proibida ao inquilino da casa.
Mas será  que a chave não roda mesmo naquela porta?
Talvez, talvez.
… quando chegamos a velhos e percebemos que se nos está a acabar o tempo, dá-nos para imaginar que temos na mão o remédio de todos os males do mundo e desesperamos por não nos prestarem atenção.
O Sr. José ocupa grande parte do seu tempo livre com uma invulgar colecção: notícias e fotografias de celebridades, recortadas de jornais e revistas e guardadas meticulosamente em processos individuais, divididos por dois grupos - os cem mais famosos; os que não conseguiram tanto – a que acrescenta dados pessoais copiados dos verbetes que retira do registo oficial da Conservatória, em rápidas e arriscadas andanças nocturnas.
Sendo a sua vida profissional e pessoal medíocre, monótona e muito solitária, só a colecção lhe permite penetrar na intimidade de outras pessoas, e pasme-se, famosas.
A colecção do Sr. José parece-se muito com a vida.
Mas a vida prega partidas e o Sr. José está prestes a sabê-lo, ao levar para casa o verbete de uma mulher desconhecida, agarrado aos verbetes dos famosos. É uma mulher de trinta e seis anos, e o verbete tem apenas dois averbamentos: um de casamento, outro de divórcio. Nada mais.
Quem é ela? O que faz? Onde vive?
Ele quer saber tudo sobre essa mulher. Quer conhecê-la, falar com ela. Quer saber se ela é feliz ou infeliz.
Firme nessa decisão, o Sr. José traça objectivos, esgalha estratégias, esquece as vertigens e as insónias e parte em busca da mulher misteriosa... acabando por se encontrar a si próprio.
… a pele é tudo quanto queremos que os outros vejam de nós, por baixo dela nem nós próprios conseguimos saber quem somos.
 
A leitura deste livro comoveu-me sobremaneira.
Nunca a imaginação, a escrita e a sensibilidade de Saramago me pareceram tão extraordinariamente grandiosas.
Este é, para mim, um dos melhores romances do mestre.
Homem, não tenhas medo, a escuridão em que estás metido aqui não é maior do que a que existe dentro do teu corpo… tens de aprender a viver com a escuridão de fora como aprendeste a viver com a escuridão de dentro.
Se você ainda não leu, corra a ler.
Fuja da solidão e ... encontre-se!
 
Todos os nomes, de José Saramago
Ed. Caminho, 1997
279 págs.

01 outubro, 2013

2º - Você sabe em que livro se esconde este "primeiro parágrafo"?

Ainda me lembro daquele amanhecer em que o meu pai me levou pela primeira vez a visitar o Cemitério dos Livros Esquecidos. Desfiavam-se os primeiros dias do Verão de 1945 e caminhávamos pelas ruas de uma Barcelona apanhada sob céus de cinza e um sol de vapor que se derramava sobre a Rambla de Santa Mónica numa grinalda de cobre líquido.”
Resposta do “Primeiro parágrafo”:
Em “A mancha humana”, de Philip Roth, ed. Dom Quixote, 2002