31 dezembro, 2015

EXCELENTE 2016 para todos (com muitas leituras)!



ANO NOVO

Vai-se esgotando a taça do festim.
Sorvo a sorvo, no espelho de cristal
Fica apenas a baba natural,
O melaço do fim.

Ah, não haver coragem verdadeira
De se quebrar o copo antes da hora
Em que se acaba o vinho, e a bebedeira
De repente melhora!


Poema de Miguel Torga (1907-95), in "Poesia Completa", Dom Quixote, 2000
Foto tirada da net.

24 dezembro, 2015

BOM NATAL para todos!


LADAINHA PARA QUALQUER  NATAL 

Não seja esta noite, agora e sempre,
Igual às outras noites.
Não seja esta noite, agora e sempre,
Igual às outras noites:
Tumba de carne viva em ódio amortalhada,
Anunciando sangue e pranto e morte.
Não seja esta noite, agora e sempre,
Igual às outras noites.
Que esta noite não seja para sempre
De fome pra lá de tantas portas
Como flor viçosa em campa rasa.
Que esta noite não seja para sempre
De amor vendido a horas mortas
E o pudor lembrando e a raiva queimando.

Não seja esta noite, agora e sempre,
Igual às outras noites.
Não seja esta noite, agora e sempre,
Igual às outras noites.
Chaga aberta, como rubra flor de pesadelo,
Escorrendo sangue e pranto e morte.
Não seja esta noite, agora e sempre,
Igual às outras noites.
E seja para sempre esta noite
Cheia de graça na terra dos homens.

Assim seja

Poema de Tomaz Kim (Lobito, Angola, 1915-67), in "Natal...Natais", antologia de Vasco Graça Moura, 2005
Foto tirada da net.

23 dezembro, 2015

Vale a pena ler... Valter Hugo Mãe

“A nossa imprensa está a estreitar-se. Fico a pensar que estreitamos o pensamento,estreitamos o país.
Recebemos cada vez mais as grandes matérias em traduções do que se pesquisa em outras latitudes, a dimensão portuguesa, ou o modo como Portugal vê o mundo, caminha tragicamente para um circuito que se fecha num universo mais e mais académico.
Talvez o pais se torne algo cada vez mais teórico, uma questão progressivamente do foro da discussão filosófica e menos aferível no quotidiano de cada um. Subitamente, vivemos territorializados, medidos como consumidores e pagadores de impostos, mas não como um colectivo detentor de uma qualquer identidade.
Viver assim é, de certo modo, estar ao desabrigo. Perigando as forças e mantendo ao nível da sobrevivência os objectivos. O problema é que a humanidade começa um pouquinho depois da fome. Até à fome somos bichos como outros quaisquer."

Excerto da crónica “Desabrigo”, publicada na “2”, revista do jornal Público de 20 Dezembro 2015.
Vale a pena ler na íntegra.

22 dezembro, 2015

“O crente e o não-crente para quem JESUS SABE BEM"


A pretexto do recente lançamento de O Livro Aberto – Leituras da Bíblia (edição Cotovia), de Frederico Lourenço - um “ex-católico à procura de uma conciliação entre o pensamento racional e a figura de Jesus” - o jornalista Carlos Vaz Marques desafiou Frei Bento Domingues para uma conversa com o escritor.

"Ao lerem a Bíblia, lêem ambos o mesmo livro ou a fé, que um tem e o outro não, altera substancialmente a leitura?

Frederico Lourenço – A fé pode alterar, naturalmente, o olhar sobre os livros. Se tivermos fé, e sobretudo se estivermos a ler o livro de acordo com a crença e a prática de uma qualquer modalidade do cristianismo – pode ser católica, luterana, protestante – estamos condicionados para ver um sentido que, se não tivermos fé, não somos obrigados a ver.

Frei Bento Domingues – O que é importante, antes de mais, é o facto de a Bíblia ser a biblioteca de um povo: de épocas muito diferentes, com géneros literários e problemáticas também muito diferentes."


Excerto do excelente artigo de Carlos Vaz Marques, publicado na “2”, revista do jornal Público de 20 Dezembro 2015.
Vale a pena ler na íntegra.

Foto tirada a net.

21 dezembro, 2015

"Celebrar o Natal para quê?" - Frei Bento Domingues


Existem várias e boas razões para celebrar o Natal. Em muitos casos é a festa da família e este é um dos seus frutos.
Se contribuir para refazer ou fortalecer os laços familiares, a Sagrada Família torna-se mais numerosa: fazer família com quem não é família é continuar a revolução de Jesus de Nazaré, do mundo todo.
Bom Natal.”


Excerto da crónica de Frei Bento Domingues, publicada o jornal Público de 20 Dezembro 2015.
Vale a pena ler na íntegra.

Foto tirada da net.

20 dezembro, 2015

"A lição de anatomia" - Philip Roth

ZUCKERMAN FICARA SEM TEMA. Sem saúde, sem cabelo e sem tema. O que não tinha importância, porque também não conseguia ter posição para escrever.
Foi este o romance (e autor) que escolhi para última leitura de 2015.
Nele voltei a encontrar Nathan Zuckerman, o escritor judeu protagonista de outras histórias divertidas imaginadas por Philip Roth.
Agora, com quarenta anos, três casamentos fracassados, Zuckerman vive atormentado por uma dor intensa que começa no pescoço e se propaga para os ombros, os braços e… o espírito. Uma dor que o incomoda quando caminha, está sentado, ou muito tempo de pé. Uma dor que o impede de escrever uma única página, seja na nova IBM que comprou para substituiu a velha máquina manual e portátil onde “martelava” há vinte anos (segundo um ortopedista podia ser a causa da estranha dor), seja à mão. Se bem que escrever à mão era aquilo para que tinha menos jeito. Dançava melhor a rumba do que escrevia à mão.
Mas dor não é o único problema de saúde de Zuckerman, ele tem a caixa torácica torcida. A clavícula torta. Levanta a parte inferior da omoplata esquerda como se fosse uma galinha. Até o úmero forçava a cápsula e encravava na articulação. Embora aos olhos de um leigo pudesse parecer mais ou menos simétrico e razoavelmente proporcionado, por dentro era tão deformado como Ricardo III, e ... está a perder cabelo.
Zuckerman sente-se com cem anos e com sorte por ainda ter dentes.
Na esperança de descobrir um tratamento, droga ou cura, consulta vários médicos - um psicanalista, três ortopedistas, dois neurologistas, um fisioterapeuta, um reumatologista, um radiologista, um osteopata, um médico de vitaminas, um analista, um especialista em couro cabeludo, um praticante de ioga – experimenta um colar ortopédico, pachos quentes, ultrassons, massagens, infiltrações, injeções, mas nada, nem ninguém, atenua ou sequer diagnostica a causa da misteriosa dor.
Ele era um homem saudável que sofria de dor.
Sofria mesmo?
A resposta começa a ser dada nas primeiras linhas desta história “dorida”, hilariante e muito, muito depravada.
Quando está doente, todo o homem quer a mãe; se ela não está por perto, outras mulheres têm de a substituir. No caso de Zuckerman eram quatro outras mulheres. Nunca tivera tantas mulheres ao mesmo tempo, nem tantos médicos, nem bebera tanta vodca, nem trabalhara tão pouco, nem conhecera o desespero em tão violentas proporções.
Se não bastar, continue a ler até descobrir o que faz ele de barriga para o ar, com a cabeça apoiada no dicionário de sinónimos, no tapete vermelho estendido no chão do escritório, depois de ditar ficção a uma jovem secretária de vinte anos. Melhor ainda, o que faz ele deitado no mesmo tapete, com as quatro mulheres do seu harém. Uma de cada vez, claro! Nem sequer imagina...
TUDO PERDIDO. Mãe, pai, irmão, terra natal, assunto, saúde, cabelo – na opinião do crítico Milton Appel, até o talento.
Desenganem-se. Nathan Zuckerman, o escritor falhado vai, aos quarenta anos, estudar medicina - quero ser obstetra, diz aos amigos incrédulos.
Já eu... nada mais digo sobre este desconcertante, hilariante e erótico romance.
Perdoo tudo ao meu escritor preferido.
Tudo!

A lição de anatomia (The Anatomy Lesson, 1983), de Philip Roth
Tradução de Francisco Agarez
Ed. D. Quixote, 2015
261 págs.

17 dezembro, 2015

Celebremos, com música, o 245º aniversário de Ludwig van Beethoven



“A música é capaz de reproduzir, em sua forma real, a dor que dilacera a alma e o sorriso que inebria.”

Já oiço os primeiros acordes da... Sinfonia nº 9, claro!

Glückwünsche, Herr Beethoven!

13 dezembro, 2015

"Em nome do mel" - Marques da Cruz


Bolo de Mel e Laranja
Bata 125 g de manteiga com 2 ovos e 250 g de mel.
Acrescente 400 g de farinha à qual adicionou cerca de 15 g de fermento em pó. Junte, também, 1 cálice de um bom licor de laranja e ½ colherzinha de gengibre em pó. Deite esta massa numa forma untada e polvilhada e leve a cozer em forno médio durante cerca de três quartos de hora. Depois de frio, desenforme-o, faça-lhe um ou dois cortes transversais de modo a dividir o bolo em duas ou três partes que montará umas sobre as outras recheando-o com um doce de laranja. Barre-o exteriormente com o mesmo doce e decore-o com lascas de amêndoas torradas, rodelas de laranja descascadas e natas batidas.
“Durante milhares de anos, única fonte de açúcar disponível na natureza em quantidades apreciáveis, o mel, cuja composição é, essencialmente, açúcar simples, sob a forma de frutose e glicose (cerca de 75%), mas também sacarose, maltose e outos açúcares mais complexos, fornecia ao homem uma excelente fonte de energia, ao mesmo tempo que possuía notáveis virtudes curativas para muitos dos males que os afligiam. (…)
Sabemos que os Egípcios já faziam, com ele, inúmeros remédios e em toda a antiguidade foi muitas vezes o único “remédio” à disposição de muitas populações. Pela Idade Média adentro o seu poder curativo e alimentício continuou reconhecido. (…)
Demócrito, o filósofo, que atingiu os 109 anos ou Hipócrates, o pai da medicina e que igualmente superou a centúria, recomendavam o mel como o mais são e poderoso dos alimentos. (…)"
Salada de Cenoura e Maçã
Descasque e rale 2 cenouras e 2 maçãs rainetas.
Misture estes dois ingredientes e regue com um molho feito com o sumo de 1 limão e 1 colher de mel.
É docinho este livro de Marques da Cruz.
Com ele aprendi muito sobre o mel e sobre a sua utilização na cozinha e na farmácia. E fiquei com imensas novas receitas de doces e salgados – sopas, molhos, saladas, conservas, bolos, bolachas, licores, etc., etc.. - onde o ingrediente principal é o mel, pois claro.
Não sei se será fácil de encontrar nas livrarias. Eu, Aleluia!, achei-o na estante da minha filhota, que é o meu favo de mel.

Em nome do mel (história, gastronomia e saúde), de Marques da Cruz
Colares Editora, 1997
240 págs.


Como estamos em época de gulodices natalícias, partilho convosco um bolo de mel que, juro e volto a jurar, é de comer e chorar por mais. A minha sogra Amélia, outro favo de mel, deu-me a receita antes de partir para junto dos deuses maiores.

Bolo de Mel e Azeite
Ingredientes:
1cháv. (chá) de mel
1cháv. (chá) de azeite
2 cháv. (chá) de farinha
8 ovos (separar as gemas das claras)
8 colh. (sopa) de açúcar
1 colh. (chá) de fermento
Preparação:
Misture muito bem o mel com o azeite, o açúcar e as gemas.
A seguir, bata as claras em castelo firme.
Por fim, junte alternada e cuidadosamente as claras e a farinha com o fermento à mistura de mel.
Deite em forma untada e leve a forno médio cerca de uma hora. (Vá vigiando porque o tempo de cozedura varia consoante o forno).
Sirva simples, sem qualquer cobertura.
Acredite, é delicioso!

11 dezembro, 2015

"Vai e põe uma sentinela" - Harper Lee

O sermão de hoje é de Isaías, capítulo vinte e um, versículo seis:
Porque assim me disse o Senhor:
Vai e põe uma sentinela que anuncie tudo o que vir!
“Vai e põe uma sentinela” (2015) avança vinte anos em relação à narrativa de “Mataram a cotovia” (1960) e revela uma América dividida pela rivalidade entre brancos e negros, nos turbulentos anos de meados de 1950. 
As personagens principais continuam a ser Scout, agora sempre tratada por Jean Louise, e Atticus Finch, o seu pai, advogado.
Neste romance o narrador é  desconhecido (no anterior romance Scout é a narradora) e começa com Jean Louise a viajar de comboio de Nova Iorque (onde vive) para Maycomb (sua cidade natal). 
Na estação à sua espera está Hank (Henry Clinton), o namorado. Apenas isso: namorado. Ama quem quiseres, mas casa-te com os teus era, para ela, uma máxima instintiva. Henry é advogado e trabalha no escritório do pai. 
Pai que, envelhecido e incapacitado com artrite reumatoide, a espera em casa. Casa onde agora apenas vivem ele e a irmã, Alexandra Finch, que para lá se mudou para o apoiar na doença.
Não estão nem Jem, o irmão, nem Calpurnia, a cozinheira negra. A razão da ausência é dada a conhecer sem grandes pormenores: Jem morreu subitamente e a cozinheira fugiu, na mesma altura, de casa da família Finch.
Vinte anos depois,  ainda há lugar em Maycomb para Jean Louise?
O que vai ver e ouvir que a deixa horrorizada e desiludida com a cidade, com as pessoas de quem gosta, e até com a sua própria família?
Atticus Finch, o pai perfeito que lhe ensinou o real significado da palavra justiça, o advogado íntegro, bondoso e estimado, também a vai desiludir?
Atticus,o corajoso advogado que no passado defendeu em tribunal um negro injustamente acusado de ter violado uma rapariga branca, é agora um septuagenário racista execrável?
Já não há lugar para mim.
Cega, é isso mesmo. Nunca abri os olhos. Nunca me ocorreu olhar o coração das pessoas, vi-lhes apenas o rosto. Ceguinha de todo, pior que uma pedra...
O que foi mesmo que Jean Louise descobriu?
Eu sei a resposta,  porque li o manuscrito perdido na década de 1950, encontrado em 2014 e publicado em 2015, mas não vou revelar.
Revelo apenas que, por mim, tal manuscrito podia ter continuado escondido no fundo da mais funda gaveta.
God bless you, Ms. Harper Lee.

De Harper Lee conhecíamos apenas “Mataram a cotovia”, romance acabado de escrever em 1959, publicado em 1960, vencedor do Prémio Pulitzer de Ficção no ano seguinte e adaptado ao cinema, por Robert Mulligan, em 1962.
Isto porque depois do enorme sucesso a escritora norte- americana afastou-se da ribalta e nada mais publicou.
Inesperadamente, em 2014 surgiu a notícia de que tinha sido encontrado em sua casa o manuscrito de “Vai e põe uma sentinela”, um inédito escrito em meados da década de 1950 – antes, portanto, da escrita e publicação de “Mataram a cotovia”.
Se já estava escrito porque não foi publicado? Mistério!
Harper Lee, agora com oitenta e nove anos, debilitada por um AVC que teve em 2007, quase cega e surda, vive num lar em Monroeville, sua cidade natal. Foi lá que a polícia confirmou que ela estava na posse das suas faculdades mentais e obteve o seu consentimento para publicação de “Vai e põe uma sentinela”. Consta que foi o editor a quem ela apresentou o manuscrito em meados da década de 1950, que a aconselhou a “pegar” nos muitos flashbacks da história e a partir deles escrever um novo romance. Ela seguiu o conselho. Guardou (ou escondeu?) o manuscrito de “Vai e põe uma sentinela” numa gaveta e escreveu “Mataram a cotovia”.
Confuso? Não, estranho!

Vai e põe uma sentinela, de Harper Lee
Tradução de Isabel Nunes e Helena Sobral
Ed. Presença, 2015
239 págs.

01 dezembro, 2015

5º aniversário do "rol de leituras"


Rufem os tambores.
Quero festejar o quinto aniversário do rol de leituras com os meus seguidores, com quem apenas passa por aqui, com quem deixa comentários, com quem me manda mensagens, com os amigos que dão óptimas dicas.
Para falar verdade, nunca imaginei manter por tantos anos o meu rol de leituras. Melhor, nunca imaginei sequer, criar um blogue de livros.
Isto de “alimentar” um blogue não é mesmo nada fácil. Dá trabalho. Muito trabalho.
O lado bom é que nos incita a ler mais, seja prosa, poesia, crónicas, entrevistas, artigos de jornais.
Este ano li romances espantosos de José Luís Peixoto, o escritor português que “descobri” finalmente.
Continuei rendida ao grande José Saramago.
Desassossegou-me o Fernando Pessoa.
Surpreendeu-me Jorge de Sena.
Encantou-me Mia Couto.
Aplaudi Afonso Reis Cabral.
Caminhei com Herbert Helder.
Descobri a cor da poesia com Manuel de Sousa Falcão.
Empolguei com  Sándor Márai.
Voltei a Milan Kundera.
Tentei Patrick Modiano.
Entristeci com W. G. Sebald.
Chorei com Rosa Monteiro.
Lambuzei-me com Laura Esquivel.
Enfim, foi um ano de emoções.

O que vou fazer agora?
Continuar a ler. Hoje, amanhã e no futuro.
Continuar a escrever no meu rol de leituras. Mas... menos e de forma diferente.

Obrigada a todos.
Façam o favor de ler. Muito!
Abraço!

10º - Excertos do "Livro do desassossego", de Fernando Pessoa



70-(1914?)
“Tive um certo talento para a amizade, mas nunca tive amigos, quer porque eles me faltassem, quer porque a amizade que eu concebera fora um erro dos meus sonhos. Vivi sempre isolado, e cada vez mais isolado, quanto mais dei por mim.”

71-(1914?)
"A tortura do destino! Quem sabe se morrerei amanhã! Quem sabe se não vai acontecer-me hoje qualquer coisa de horrível para a minha alma!... Às vezes, quando penso nestas coisas, apavora-me a tirania superior que nos faz ter de dar passos não sabendo de que acontecimento a incerteza de mim vai ao encontro."

91-(1915?)
"A minha vida é uma febre perpétua, uma sede sempre renovada.
A vida real apoquenta-me como um dia de calor. Há uma certa baixeza no modo como apoquenta."

Leia (tudo) e… deslumbre-se!