30 outubro, 2012

Politiquices...


Quando um ex-Presidente da República - e não me interessa a cor política - faz afirmações destas na comunicação social (mesmo que já proferidas por outros vezes sem conta) algo vai muito mal nesta nação com nove séculos de história.
 
Quem respeita este Governo?
Portugal está a ser destruído pelas medidas de austeridade e os juros altíssimos que paga sem ganhar nada em troca. Aos buracos financeiros ninguém sabe o que lhes aconteceu. São um segredo de Estado. Os seus responsáveis estão impunes.
Aos pensionistas, que descontaram anos seguidos para ter uma reforma razoável, o Governo corta-lhes, quanto pode, nas pensões. Aos pobres e à classe média. Não aos especuladores e aos ricos. O desemprego tem subido em flecha, deixando milhares de pessoas e muitas famílias na miséria… Os trabalhadores que não estão ainda no desemprego, públicos e privados, estão ameaçados de, em qualquer momento, receberem cortes nos seus vencimentos. Contudo, aos ricos não se corta.
Não admira assim que o actual Governo seja odiado. Toda a gente protesta e com razão. Desde os militares aos farmacêuticos, dos polícias e dos guardas-republicanos, aos professores universitários e liceais, aos médicos, aos engenheiros e arquitectos, sem trabalho, aos pescadores, aos pequenos e médios empresários. Ninguém fica imune desde que não seja rico. O Governo deve perguntar-se, mas não o faz: para que serve a austeridade? O ano 2012 foi pior que o anterior, 2011. É incontestável. Mas o próximo ano, 2013, que agora começa a discutir-se, vai ainda ser muito pior. Todos os economistas sérios o sabem e alguns o dizem.
A austeridade se não for banida, destrói Portugal.
É por isso que digo sem hesitação. Este Governo tem de se demitir, quanto antes. E se não tiver a honradez e a coragem de o fazer, tem de ser demitido pelo senhor Presidente da República. Ou cairemos numa onda de grande violência. Lembremo-nos de que o Governo está parado, nada funciona e os portugueses estão mais do que desesperados.
 
Excerto da crónica de Mário Soares, publicada no jornal Público de 26 Outubro2012.

26 outubro, 2012

"Contos de Eva Luna" - Isabel Allende


Há histórias de toda a espécie. Algumas nascem ao ser contadas, a sua substância é a linguagem e antes que alguém as ponha em palavras são apenas uma emoção, um capricho da mente, uma imagem ou uma reminiscência intangível…
Assim começa “Vida interminável”, a bela e triste história de Ana e Roberto, um casal de anciãos que conservaram intacta a fortaleza do corpo, as faculdades da mente e a qualidade do amor, até ao momento em que decidem morrer juntos, deitados lado a lado, de mãos dadas.
Este é um dos vinte e três contos mágicos, narrados por quem conhece bem a alma humana, por quem faz magia com as palavras  – Isabel Allende.
São vinte e três histórias de amor, paixão, violência, solidão, dor e morte, que unidas através de um fino fio condutor se tornam num só romance.
São vários e fascinantes os personagens destas histórias, alguns já conhecidos de anteriores romances (Rolf Carlé, o fotógrafo, recordam-se dele no romance “Eva Luna”?), outros agora inventados e que também ficarão na nossa memória . Destaco:
Belisa Crepusculario do belíssimo conto “ Duas palavras”, que por cinco centavos entregava versos de memória, por sete melhorava a qualidade dos sonos, por nove escrevia cartas de namorados, por doze inventava insultos para inimigos irreconciliáveis… A quem lhe comprasse cinquenta centavos, dava de presente uma palavra secreta para afugentar a melancolia.
Elena Mejías do conto “Menina perversa”, a gaiata enfezada, silenciosa e tímida que se apaixona pelo amante da mãe.
Maria do conto “Maria, a tonta”, a prostituta velha com alma de donzela, que acreditava no amor.
Nicolas Vidal do conto “A mulher do juiz”, que soube desde sempre que perderia a vida por uma mulher.
A professora Inês do conto “O hóspede da professora”, a matrona mais respeitada de Agua Santa, que esperou muitos anos para fazer justiça com uma catana de abrir cocos.
Li pela primeira vez estes contos em 1990. Recordo, porque anotei, o deslumbramento que senti.
Hoje, reli e voltei a deslumbrar-me.
- Conta-me um conto – digo-te.
- Como queres que ele seja?
- Conta-me um conto que nunca contasses a ninguém.
Maravilha!
Contos de Eva Luna, de Isabel Allende
Ed. Difel, 1990
Tradução de Carlos Martins Pereira
249 págs.

23 outubro, 2012

Vale a pena ler... Agustina Bessa Luis



Agustina fez 90 anos.

A bibliografia assusta, só romances são uns 40, mas entramos e descobrimos um mundo pessoalíssimo, exigente, subtil, imenso. Agustina elevou as possibilidades da literatura e da linguagem literária, em vez de as amesquinhar, ou domesticar, ou produzir tranquilidade.
Em Agustina, até os defeitos são virtudes, as frases arrevesadas, as personagens que desaparecem sem explicação, ninguém deve lê-la à espera de romances “bem feitos” ou da bendita “história” que agora nos dizem que é sinónimo de romance.
Costumo desincentivar algumas pessoas de lerem Agustina, para que não se desiludam, leitores de paciência e horizontes curtos, ou aqueles que preferem sempre uma literatura das “massas”, tanto as massas exploradas como as massas entretidas. Não procurem aqui ficção impessoal, dogmática, superficial, classificável. Agustina nunca foi regionalista, neo-realista, existencialista, vanguardista, pós-moderna, mas sempre se mostrou enraizada numa geografia local, atenta aos humildes, inquieta com a dificuldade de viver bem, ousada no estilo, irónica.

Excerto da crónica de Pedro Mexia, publicada na revista Atual, suplemento do jornal Expresso, de 20 Outubro 2012.
Vale a pena ler na íntegra.

19 outubro, 2012

"A visita do brutamontes" - Jennifer Egan


Diz a sinopse:
Bennie Salazar, antigo punk rocker, está a envelhecer e é agora um executivo discográfico; Sasha é a sua assistente, uma jovem mulher impiedosa e cleptomaníaca. Bennie e Sasha nunca chegarão a descobrir o passado um do outro, mas o leitor vai conhecê-lo até ao mais íntimo detalhe, bem como a vida secreta de um variadíssimo leque de personagens, cujos caminhos se cruzam com os deles ao longo de muitos anos e muitos lugares: Nova Iorque, São Francisco, Nápoles e África. A Visita do Brutamontes é a saga de uma geração: reflete sobre a ação do tempo, a capacidade de sobreviver e as mudanças e transformações quando inexoravelmente postas em movimento, ainda que pelas mais efémeras conjunturas do nosso destino.
O tempo é um brutamontes, não é? Tu vais deixar que esse brutamontes faça de ti o que quiser?
Sempre gostei de ler sagas familiares, logo, pela leitura desta sinopse pensei que tinha encontrado mais um livro encantatório. Pensei mas não encontrei. Não significa que não apreciei – apenas que não me entusiasmei com a leitura.
Gostei do tema – o mundo surpreendente, trágico e hilariante do espectáculo (indústria discográfica), a fama, o drama do envelhecimento, a decadência física, a morte, as relações humanas numa América assolada pelo terrorismo e a braços com uma crise económica.
Como é que eu deixei de ser uma estrela do rock para passar a ser um cabrão dum gordo a quem ninguém liga nenhuma?
Já não gostei tanto das voltas e reviravoltas da estrutura narrativa, o número de personagens, os avanços e recuos temporais da trama, as mudanças bruscas de narrador, o exagero no recurso ao Power Point.
Reconheço a mestria e inteligência criativa da autora, que nunca perdeu o fio condutor deste intrincado romance.
Já eu, necessitei de criar um esquema para perceber a ligação dos personagens que aparecem e desaparecem numa dispersão de histórias, tempos e locais, entre os anos 1970 e 2020.
O elo dessa ligação é Bennie Salazar, músico e produtor de som, corrido da sua própria editora discográfica Orelha de Porco, que, no crepúsculo da vida, organiza concertos para músicos decrépitos, salpica o café com flocos de ouro para garantir a potência sexual e pulveriza os sovacos com pesticida. Um personagem estonteante. 
Mas é com Sasha, a sua assistente cleptomaníaca, que tudo começa e termina. Estranho?
Sasha não é a única personagem feminina, há mais, muitas mais: Collette, Stephanie, Alice, Jocelyn, Mindy, Cora, Nadine, Rhea, Kathy, Dolly, Kitty, Lulu…
Quero sair desta confusão. Mas não quero apagar-me. Quero arder até ao fim – quero que a minha morte seja uma atração, um espetáculo, um mistério.
 
A visita do brutamontes, de Jenniffer Egan (Prémio Pulitzer 2011)
Quetzal Editores, 2012
Tradução de Jorge Pereirinha Pires
369 págs.

16 outubro, 2012

Mo Yan - Prémio Nobel da Literatura 2012

Mo Yan, pseudónimo de Guan Moye, escritor chinês, 57 anos, nasceu na província de Shandong, no leste da China.
Filho de camponeses pobres, Mo Yan (que em chinês significa "não falar") retrata em todos os seus romances uma realidade que bem conhece: a China rural.
Conhecido pelo "realismo mágico" das suas histórias de amor, conquista agora - para muitos entendidos merecidamente - o prémio maior da Literatura.
Em Portugal foi editado um único livro "Peito grande, ancas largas", pela ed. Ulisseia, 2007.
Não o li, nem o vi nas livrarias. Falha minha.
Aguardo por mais.

12 outubro, 2012

"Filho de Deus" - Cormac McCarthy


Se lhe fosse dada a oportunidade Ballard tornaria as coisas mais ordenadas nas matas e na alma dos homens.
Uau! A história de vida de Lester Ballard - mais uma poderosa personagem imaginada por Cormac McCarthy - deixou-me verdadeiramente aturdida.
Eu sei que por vezes devemos sair do conforto das “historinhas” e mergulhar em histórias mais sérias que nos façam pensar e pensar à medida que vamos lendo. Eu sei e tento fazê-lo. Mas esta história…
Esta história é arrepiante, pela violência dos crimes perpetrados por Lester Ballard, um vagabundo solitário, psicologicamente desequilibrado, dotado de uma imaginação fértil, cruel e pervertida, um filho de Deus, quem sabe se em tudo semelhante a você mesmo.
E é isso que arrepia.
Lester Ballard foi abandonado pela mãe aos nove anos. O pai enforcou-se de seguida. Era filho único. Tiraram-lhe a casa dos antepassados. A sociedade afastou-o e ignorou-o. Ele torna-se selvagem, solitário, violento, cruel.
Ocupa os dias deambulando por estradas, montanhas e florestas, espreitando a sua antiga casa e o novo dono. Comete crimes macabros e esconde os corpos em grutas inacessíveis e satisfaz taras sexuais com os cadáveres das mulheres.
Todos desconfiam que é ele o assassino mas os corpos não aparecem e não o podem acusar.
Sr. Ballard… de duas uma: ou muda de vida ou então se quiser continuar como até aqui vai ter que procurar outro sítio no mundo para se enfiar.
Não. Ballard não vai mudar de vida. Ballard vai continuar a deambular pelas matas noite e dia, a roubar, a matar, a esconder os corpos no ventre das montanhas e a falar consigo próprio até ser estendido numa laje e esfolado, eviscerado, dissecado numa escola médica.
Estranho!
Estranho, mesmo muito estranho, é ficarmos presos da primeira à última linha desta espantosa história de violência e sentirmos, até, compaixão por um ser humano reles e cruel – que nunca aprendeu a relacionar-se com os outros e se tornou violento para sobreviver.
Só mesmo Cormac McCarthy consegue esta magia.
Achas que as pessoas eram piores nessa altura do que são agora?
Não acho. Acho que as pessoas são as mesmas desde o dia em que Deus fez a primeira.
Gostei!
 
Filho de Deus, de Cormac McCarthy
Relógio d’Água, 1994
Tradução de Paulo Faria
193 págs.

09 outubro, 2012

Vale a pena ler... Ian McEwan

Cito excertos da interessante conversa de Ian McEwan com Isabel Coutinho, em Paraty, aquando do lançamento do livro “Mel”:
Quando escreveu Expiação teve de “tentar entrar na pela de uma mulher de 30 anos como era lembrada por uma mulher de 78 anos”. Agora, em Mel, como Serena, teve de “viver como uma jovem mulher imaginada por um jovem homem”. Não lhe custou?
Acho que é preciso estabelecer um contexto na nossa imaginação e depois todas as personagens e percepções o seguem. Uma vez feito, deixa de ser um esforço constante. Quando tomamos a decisão e ajustamos a nossa mente a um certo formato, depois é só deixar ir.
Tal como o pintor vai desenhando o retrato, traço a traço, o romancista a determinada altura vê a personagem.
Às vezes, uma personagem tem personalidade e não precisa de um rosto. Alguns dos meus personagens crescem a partir de uma frase.
Como leitor, Ian McEwan sabe que é preciso ter muita paciência para se ler um romance que durante oito a 36 horas precisa da nossa atenção contínua. Enquanto à nossa volta existem tantas coisas que nos atraem e nos desviam da leitura.
Por isso acho que os escritores devem um serviço aos leitores em termos de clareza. Sei que não estou sozinho nisto, a quantidade de romances que comecei a ler e não acabei… Muitas vezes o que me motivou a não continuar com a leitura foi a falta de clareza nas páginas iniciais de uma obra. Parece-me crucial que se convidamos o leitor a entrar em nossa casa, não há grande vantagem em sermos obscuros.

Excerto da crónica de Isabel Coutinho, publicada na revista Ípsilon, suplemento do jornal Púbico, de 5 Outubro 2012.
Vale a pena ler na íntegra.

05 outubro, 2012

"A ilha de Sukkwan" - David Vann

Nessa noite o pai voltou a chorar.
Pela manhã, Roy lembrou-se do choro, e pareceu-lhe que isso era exactamente o que não devia fazer. Por uma espécie de acordo em que não fora tido nem achado, cabia-lhe escutar à noite e não só esquecer tudo durante o dia como, de certo modo, fazer de conta que nada tinha acontecido. Começou a recear as noites dos dois juntos…
Eis uma extraordinária e avassaladora história sobre a relação pai e filho, uma viagem repleta de suspense pelas profundezas da alma humana, uma escrita que lembra o melhor de Cormac McCarthy (o escritor preferido de David Vann), uma história para ler e pensar, com uma trama para manter em segredo.
Por isso, digo apenas que este romance surge vinte e três anos após o suicídio do pai do autor, um longo e desesperante período de tempo que necessitou para lidar com a tragédia, a vergonha daquela morte, se redimir da culpa, atenuar a raiva e perceber porque todo o seu amor não fora suficiente para o salvar.
David Vann disse NÃO quando o pai, depois da separação da mãe, lhe pediu para que fosse viver com ele um ano para o Alasca. David Vann, então com treze anos, recusou deixar a mãe, a irmã, os amigos e a escola. O pai, que vivia um período de profunda depressão, e talvez procurasse a cura no convívio com o filho, suicidou-se duas semanas depois.
E se tivesse dito sim?
É exactamente o que acontece neste romance, com Roy, também com treze anos, a dizer SIM ao pedido do pai, para passar com ele um ano em completo isolamento na paisagem idílica mas hostil do Alasca. Seria a viagem do reencontro de ambos, a viagem da salvação.
No início da viagem Roy sentia-se descontraído, feliz e seguro na companhia do pai. Mas, rapidamente tudo se complicou e o cenário idílico tornou-se agressivo, as condições de sobrevivência mínimas, a fragilidade psicológica do pai preocupante, o relacionamento entre os dois preso por um fio.
A meio do romance a situação torna-se incontrolável, o fio parte e o pesadelo acontece.
Não estavam habituados àquele lugar nem à maneira de ali viver nem um ao outro.
Que grande romance.
 
(Curiosidade:
Acendeu o lume no fogão, depois pôs o peixe numa frigideira com manteiga e pimenta e saiu para o alpendre sentindo-se como um pioneiro do Oeste, sentindo-se tão bem que foi até onde estava o pai e ficou a vê-lo trabalhar e a conversar até lhe parecer que o lume já estava quente e voltou para dentro e espalhou o carvão e fritou o peixe.
Qual é o escritor que também escreve assim, qual é?)
 
A ilha de Sukkwan, de David Vann
Edições Ahab, 2011
Tradução de José Lima
182 págs.

02 outubro, 2012

Desafio nº 10 - Veio do México este romance dulcíssimo. Qual é e quem o escreveu?

Apesar do tempo decorrido, ela conseguia lembrar-se perfeitamente dos sons, das cores, do roçar do seu vestido novo sobre o chão recém-encerado; o olhar de Pedro sobre os seus ombros… Aquele olhar! Ela caminhava para a mesa levando uma bandeja com doces de gema de ovo quando o sentiu, ardente, a queimar-lhe a pele. Virou a cabeça e os seus olhos encontraram-se com os de Pedro. Nesse momento compreendeu perfeitamente o que deve sentir a massa de uma filhó ao entrar em contacto com o óleo a ferver. Era tão real a sensação de calor que invadia todo o seu corpo que perante o medo de que, como a uma filhó, lhe começassem a brotar borbulhas por todo o corpo – na cara, no ventre, no coração, nos seios – Tita não conseguiu sustentar esse olhar e baixando os olhos atravessou rapidamente o salão até ao extremo oposto…
 
Ajuda se eu disser que a trama da história gira à volta de tachos, panelas e colheres de pau?
Ajuda se eu disser que é na cozinha que se “cozem” e “temperam” amores e desamores?

====////====////====
 
Resposta do Desafio nº 9:
Foi tão fácil, tão fácil este desafio.
Claro que é “O Principezinho”, de Antoine de Saint-Exupéry.
Parabéns para quem acertou.