29 setembro, 2015

Os livros, em...


“A ridícula ideia de não voltar a ver-te”, de Rosa Montero
"Os livros nascem de um germe ínfimo, de um ovinho minúsculo, de uma frase, de uma imagem, de uma intuição; crescem como zigotos, organicamente, célula a célula, diferenciando-se em tecidos e estruturas cada vez mais complexas até se transformarem numa criatura completa e, frequentemente, inesperada."

"Abraço", de José Luís Peixoto
"Os livros, esses animais sem pernas, mas com olhar, observam-nos mansos desde as prateleiras. Nós esquecemo-nos deles, habituamo-nos ao seu silêncio, mas eles não se esquecem de nós, não fazem uma pausa mínima na sua vigia, sentinelas até daquilo que não se vê. Desde as estantes ou pousados sem ordem sobre a mesa, os livros conseguem distinguir o que somos sem qualquer expressão porque eles sabem, eles existem sobretudo nesse nível transparente, nessa dimensão sussurrada. Os livros sabem mais do que nós mas, sem defesa, estão à nossa mercê. Podemos atirá-los à parede, podemos atirá-los ao ar, folhas a restolhar, no ar, ar, e vê-los cair, duros e sérios, no chão.
(…)
Os livros, esses animais opacos por fora, essas donzelas. Os livros caem do céu, fazem grandes linhas rectas e, ao atingir o chão, explodem em silêncio. Tudo neles é absoluto, até as contradições em que tropeçam. E estão lá, a olhar-nos de todos os lados, a hipnotizar-nos por telepatia. Devemos-lhe tanto, até a loucura, até os pesadelos, até a esperança em todas as suas formas."

(Foto tirada da net)

25 setembro, 2015

"O caminhante solitário" - W.G. Sebald

A escrita é claramente uma actividade de que não nos libertamos com facilidade, mesmo quando se nos torna detestável ou impossível.
Este é um livro diferente.
Trata-se de uma colectânea de seis histórias que se lêem e admiram. Porque são ilustradas, interessantes e surpreendentes. Isso mesmo!
Seis histórias, seis retratos de artistas que W.G. Sebald homenageia: Johann Peter Hebel, Jean-Jacques Rousseau, Eduard Mörike, Gottfried Tripp, Robert Walser e o pintor Jan Peter Tripp. Artistas cuja vida e obra tanto o intrigaram como o iniciaram.
Histórias (ensaios/reflexões) que desvendam particularidades da vida e obra dos retratados e nos convidam a descobrir a paisagem pré-alpina, região da qual os sete são oriundos.
Diz Sebald na introdução: é sobretudo como leitor que pretendo prestar o meu tributo aos colegas que me precederam sob a forma de marginália algo dilatada, mas sem particulares intenções. Forçoso é que no final se encontre um ensaio sobre um pintor, não apenas porque Jan Peter Tripp e eu andámos bastante tempo juntos na escola (…) mas também porque os seus quadros me ensinaram que a arte requer trabalho e que quem quiser contar coisas deve esperar grandes dificuldades.
Em seguida, celebra a seu modo a perseverança, os sacrifícios e o génio dos retratados, com uma prosa brilhante e ilustrações magníficas. Grandes dificuldades? Não notei.
Destaco o texto sobre Robert Walser (1878-1956) e as fotografias que o acompanham. Chocou-me a tristeza, a pobreza, a solidão, a angústia negada do atormentado mas enorme contista. Dele já li a colectânea de “Histórias de amor”, e recomendo.
Os vestígios que Robert Walser deixou da sua vida são tão ténues que quase se apagaram. (…) Nunca se apegou a um sítio, nunca adquiriu nada para si. Nunca teve casa nem qualquer morada duradoura, nenhum móvel, e por único guarda-roupa somente um fato melhor e outro mais modesto. Não possuía sequer o que um escritor necessita para exercer o seu ofício. De livros, ao que creio, não tinha nem os que ele próprio escreveu. O que lia era quase sempre emprestado. Até o papel para escrever lhe chegava em segunda mão. Distante toda a sua vida dos bens materiais, esteve-o também dos outros seres humanos. (…) Como havemos de compreender um autor que tantas sombras ameaçadoras acossaram, e que no entanto derrama a cada página a mais cativante luz?
Luz é o que também encontramos na escrita de W.G. Sebald.
Confira!

O caminhante solitário, de W.G. Sebald
Tradução de Telma Costa
Ed. Teorema, 2009
163 págs.

22 setembro, 2015

Para que conste, o titulo do livro nº 12 é:


Se acertou… merece um enorme aplauso.

Ponto final!
(Algo mais se seguirá. O quê, a seu tempo saberá.)

18 setembro, 2015

"O poder do agora" - Eckhart Tolle

"Há mais de trinta anos que um pedinte se sentava na berma de uma estrada. Um dia, passou por ali um estranho. “Dá-me uma moedinha?” pedinchou o pobre, estendendo automaticamente o seu velho boné de basebol. “Não tenho nada para te dar”, disse-lhe o estranho. Depois perguntou: “O que é isso em que estás sentado?” “Nada”, respondeu o pedinte. “Apenas uma caixa velha. Sento-me nela desde que me lembro.” “Algum dia viste o que tem dentro?”, Tornou o estranho. “Não”, respondeu o pobre. “De que me serviria?” Não há nada lá dentro.” “Vê o que tem dentro”, insistiu o estranho. O pedinte conseguiu forçar a tampa. Com surpresa, incredulidade e exaltação, verificou que a caixa estava cheia de ouro.
Eu sou aquele estranho que não tem nada para lhe dar, mas que lhe diz para olhar para dentro. Não para dentro de uma caixa qualquer, como na parábola, mas para dentro de uma coisa ainda mais próxima: para dentro de si.
«Mas eu não sou um pedinte», dirá você.
Todos aqueles que não encontraram a sua verdadeira riqueza, que é a radiosa alegria do Ser e a paz profunda e inabalável que a acompanha, são pedintes, por maior que seja a fortuna material que possuem. Esses, para terem valor, segurança ou amor, procuram fora de si vislumbres de prazer ou de realização pessoal, enquanto que dentro de si próprios possuem um tesouro que não só inclui todas aquelas coisas, mas é também infinitamente maior do que tudo o que o mundo tem para lhes oferecer."

Este livro de Eckhart Tolle é arrebatador.
De forma simples e concisa ensina a combater as ilusões da mente, que nos levam a criar os nossos próprios problemas.
A experiência deste tipo de leituras é sempre proveitosa e gratificante.
Mudar comportamentos e escolher novos caminhos é algo espinhoso, mas...há que tentar.
Tentar sempre!

15 setembro, 2015

"Poemas escolhidos" - Vasco Graça Moura

quando os dias se movem

usamos nalgumas coisas uma violência simples
isso é romper os símbolos que envidraçam o resto
mas parte quem amamos quando os dias se movem
se escolheu os limites para a pele aderir

no fundo de nós mesmos omitem-se tais coisas
e criam-se ficções, defesas, crueldades
dos jogos da aparência (à vista nos perdemos)
e movem-se nos dias seus múltiplos contrários

e contudo se movem se quem amamos fere
e o faz de razão fria ou esquecidamente
e a alegria se torna um torpe imaginário
quem muito amamos mata: vai-nos desinventando

11 setembro, 2015

"A ridícula ideia de não voltar a ver-te" - Rosa Montero

Para viver temos de narrar-nos…
Foi o que fez Marie Curie (1867-1934), uma polaca naturalizada francesa, um dos maiores génios da ciência do século XX, ganhou dois prémios Nobel: um de Física, em 1903, em parceria com o marido, Pierre Curie, e outro de Química, em 1911, sózinha. Descobriu o polónio e o rádio. A radioatividade acabou por destrui-la, mas manteve-se activa até à sua morte, aos sessenta e sete anos.
A mágoa aguda é uma alienação. Calamo-nos e fechamo-nos.
Foi o que fez Marie Curie quando lhe trouxeram o cadáver de Pierre: encerrou-se no mutismo, no silêncio, numa frieza pétrea e aparente. Estavam casados há onze anos e tinham duas filhas, a mais pequena com catorze meses. Nessa manhã, Pierre saíra a caminho do trabalho, como sempre, almoçou com colegas, ao voltar ao laboratório, escorregou e caiu diante de um pesado carro de transporte de mercadorias. Os cavalos evitaram-no, mas uma roda traseira rebentou-lhe o crânio. Faleceu de imediato.
Foi na história desta mulher, que Rosa Montero encontrou inspiração e força, para voltar à escrita depois da morte de Pablo, o marido, em 2009, seis meses depois de lhe ter ser diagnosticado um cancro.
Depois de ler o diário do luto de Marie - onde anota com obsessivo pormenor os últimos dias que viveu com Pierre, os seus últimos atos, as últimas palavras – e todas as biografias que encontrou, decidiu contar a vida dolorosa daquela mulher, “como medida” para entender a sua própria dor e acatar inquietações.
O método escolhido foi o entrelaçar das suas memórias pessoais com as memórias colectivas daquela mulher pequenina, triste, inteligente, ousada, invejada, reconhecida mundialmente.
Pablo, o companheiro de uma vida, “aparece” pouco neste livro. Sobre ele, diz ela: possuía uma inteligência enorme e originalíssima (…) era teimoso, resmungão, sedutor, honesto, escrevia muito bem e era um ótimo jornalista, além de elegante, atlético e meticuloso, e gostava tanto do silêncio como das discussões (…) julgo que não posso dizer mais nada sobre Pablo: o seu lugar fica no centro do silêncio.
É triste mas belo, este último livro de Rosa Montero.
Sobre a morte, ela aconselha: … é preciso fazer alguma coisa com a morte. É preciso fazer alguma coisa com os mortos. É preciso pôr-lhes flores. Falar com eles. Dizer que os amamos e que sempre o fizemos. É melhor fazê-lo ao vivo; senão, também o podemos declarar depois. Podemos gritá-lo ao mundo. Ou então escrevê-lo num livro como este. Pablo, que pena ter esquecido que podias morrer, que podia perder-te. Se tivesse essa consciência, ter-te-ia amado não mais, mas melhor, Ter-te-ia dito muito mais vezes que te amava. Teria discutido menos por tontices. Ter-me-ia rido mais.
Mas, avisa, e eu confirmo, este não é um livro sobre a morte. É sim, sobre a superação da dor, das relações entre homens e mulheres, do esplendor do sexo, da morte e da vida, da ciência e da ignorância, da força salvadora da literatura e da sabedoria dos que aprendem a gozar a existência em plenitude.

Habituei-me a rir com a escrita de Rosa Montero em "A louca da casa", romance que continuo a considerar, excelente, apaixonante, hilariante e muito inteligente. Ao lê-lo, ri, ri, ri.
Agora, com “A ridícula ideia de não voltar a ver-te” - bem, não chorei, mas pouco faltou - aprendi a celebrar serena e plenamente a vida com os meus entes queridos, porque... breve é o nosso dia e imensa a noite.
Celebremos, todos!

A ridícula ideia de não voltar a ver-te, de Rosa Montero
Tradução de Helena Pitta
Porto Editora, 2015-09-05
175 págs.

08 setembro, 2015

Vale a pena ler... Valter Hugo Mãe


O senhor Emílio

"A vida é uma originalidade. Por mais planos que façamos, estaremos, subitamente, num ponto mudado, até irreconhecível. Seremos constantemente confrontados com a necessidade de dar provas, a começar perante nós mesmos, acerca da manutenção da dignidade e da boa vontade. Quando as coisas mudam, vemo-nos desamparadamente novos, vagos na identidade, porque afinal as convicções eternas morrem. Tendemos a ver demasiado o presente como se fosse tudo. Mas o presente a todo o tempo morre também. Nós somos sobretudo o ímpeto entre isto e outra coisa."


Excerto da crónica de Valter Hugo Mãe, publicada na “2”, revista do jornal Público de 30 Agosto 2015.
Vale a pena ler na íntegra.

04 setembro, 2015

"Livro" - José Luís Peixoto

Se namorares comigo, dou-te um pombo, cem escudos e um livro.
Ora, acreditem que não foi necessário nada disto para me perder de amores por este romance de José Luís Peixoto.
Li na sinopse que o livro elegia como cenário a extraordinária saga da emigração portuguesa para França (….), acomodei-me no sofá e eufórica e expectante, li (e reli) a primeira frase:
A mãe pousou o livro nas mãos do filho.
Depois, bem, depois, li, li, li, devagar, para nada deixar escapar, uma história cruel mas arrebatadora, sobre o quotidiano de gente humilde de uma vila pobre do interior de Portugal, demasiado longe de cidades onde ninguém conhecia o seu nome. História onde não faltam segredos medonhos, grandes amizades, amores verdadeiros, despedidas, encontros e desencontros, saudades que confundem, livros, muitos livros, fugas da guerra e até uma revolução. História chocante de tão real e avassaladora, sobre homens e mulheres corajosas, que “saltam” fronteiras em busca de um melhor futuro. França é o destino. Paris a cidade de todos os sonhos.
A primeira a partir foi a mãe da frase inicial do romance. Partiu sózinha e ninguém na vila a censurou.
Deixou Ilídio, o filho de seis anos, com Josué, o pedreiro. Josué não era o pai do Ilídio, mas tratava dele com cuidado e ninguém, tinha nada a dizer.
Aos onze anos o Ilídio conheceu a Adelaide, de treze. Não se apaixonou logo por ela, mas anos depois, misturavam-se, compreendiam-se, sorriam ao mesmo tempo. Aos vinte de dois anos, pediu-a em noivado. Separou-os, sem despedidas, a tia Lubélia. 
Quando lá chegares, escreve-me um postal. Adelaide ouviu a tia mas não lhe respondeu. Com uma mala na mão e um xaile pelos ombros saiu de casa e percorreu ruas desertas e escuras atrás de um desconhecido, sem saber para onde ele a levava. Entrou para uma camioneta onde estava um grupo de homens encolhidos. Não se cumprimentaram. Não se conheciam. Em comum tinham a viagem da esperança: França.
Sobre a França Adelaide sabia apenas três coisas: as pessoas tinham máquinas que faziam a lida da casa… comiam carne de cavalo cozida… falavam estrangeiro.
Como iria entender-se num lugar em que toda a gente falava estrangeiro e comia cavalo?
Na vila, Ilídio pediu ao amigo Cosme: Ajudas-me a perguntar maneira de chegar à França? Dias depois, vão ambos de camioneta a caminho de França.
Adelaide sabia que o Ilídio iria procurá-la. Para além do amor que os unia, ela tinha consigo o livro que ele lhe deu para guardar. Adelaide conseguia imaginá-lo a não desistir de tudo o que tinham imaginado.
Mas… depois de muitas cartas sem resposta, invernos gelados, primaveras frias, verões frescos, aos vinte e sete anos Adelaide desiste de esperar e casa com…. um “leitor de livros”.
Pronto, pronto, não desvendo mais sobre este soberbo romance, feito de muitas histórias de vida de personagens inesquecíveis: Ilídio, Adelaide, Josué, Dona Milú, Galopim, Lubélia, Cosme, Constantino... 
Para acirrar a sua curiosidade, e como um nome, como um título, tem muita importância, deixe que lhe diga que o “Livro” do título do romance “nasceu” do amor de dois jovens de uma vila pobre do interior de Portugal, que se desencontram em França e se reencontraram, já velhinhos, na mesma vila pobre.
Estranho? Não, surpreendente!
De um romance chamado “Livro” eu esperava tudo mas nunca, mesmo nunca, o desconcertante encantamento das últimas páginas.
A mãe poisou o livro nas mãos do filho.
Um livro que acaba conforme começa é porque não acaba nunca.
Os livros que tenho nas estantes formam um desenho de mim: o que quero lembrar e o que não quero esquecer.
Este, eu jamais esquecerei
(O Nobel virá, tenho a certeza. E eu, quero viver para celebrar.)

Livro”, de José Luís Peixoto
Ed. Quetzal, 2010
263 págs.

01 setembro, 2015

Vale a pena ler (e ouvir)... Buddy Guy

Está permanentemente a rir nas fotografias. Está sempre assim tão satisfeito com a vida?
Estou sim senhor! E era tão bom que o mundo inteiro fizesse o mesmo. A música obriga-nos a sorrir. Quando se ouve música, estamos a sorrir mesmo que não nos apercebamos disso. Se fosse sempre assim, não nos zangaríamos com pessoas que nem sabemos quem são. Eu nunca conseguiria estar arreliado consigo. Não o conheço! Amo todos os seres humanos do mundo. E amo todos os animais. Que aproveitemos todos a vida curta que temos. Ouçamos música, dancemos e batamos palmas. Uma pessoa tem de se divertir enquanto é tempo porque ninguém sabe o dia de amanhã.

Buddy Guy, é um dos mais reconhecidos músicos de blues, rock e jazz livre. Nasceu nos Estados Unidos da América, em 1936.


Excerto da entrevista concedida a Luís Guerra, publicada na “E”, revista do jornal Expresso de 22 Agosto 2015.
Vale a pena ler na íntegra.