30 julho, 2019

À terça - imagens e palavras: "oração"


“Que Deus te dê para cada tempestade, um arco-íris. Para cada lágrima, um sorriso. Para cada cuidado, uma promessa, e uma bênção para cada provação. Que para cada problema, a vida te traga alguém fiel com quem dividi-lo. Para cada olhar uma doce canção, e uma resposta para cada oração."

Bênção Irlandesa.
(Foto da net.)




AGOSTO ESTÁ A CHEGAR E EU VOU DE FÉRIAS DO "ROL DE LEITURAS", COMO ACONTECE TODOS OS ANOS!
Um mês inteirinho em casa, eu o Carlos e as minhas netinhas Madalena (pertinho dos 3 aninhos) e Carolina (de oito). Se a chuva não atrapalhar, as manhãs serão de muitos banhos de mar, as tardes... logo se verá, e as noites de sono repousante... espero eu!
Sempre que tiver oportunidade passarei por aqui para saber de vós.
Beijos e abraços, de muita amizade.
Sejam felizes!
💚💛

26 julho, 2019

"eu de dia sou nulo, e de noite sou eu" - Fernando Pessoa

(Praça do Martim Moniz - Castelo de S. Jorge)

"Amo, pelas tardes demoradas de verão, o sossego da cidade baixa, e sobretudo aquele sossego que o contraste acentua na parte que o dia mergulha em bulício. A Rua do Arsenal, a Rua da Alfândega, o prolongamento das ruas tristes que se alastram para leste desde que a da Alfândega cessa, toda a linha morta e separada dos cais quedos - tudo isso me conforta de tristeza, se me insiro, por essas tardes, na solidão do seu conjunto.
(Rua do Arsenal)

(Rua da Alfândega)

Por ali arrasto, até haver noite, uma sensação de vida parecida com a dessas ruas. De dia elas são cheias de um bulício que não quer dizer nada; de noite são cheias de uma falta de bulício que não quer dizer nada. Eu de dia sou nulo, e de noite sou eu. Não há diferença entre mim e as ruas do lado da Alfândega, salvo elas serem ruas e eu ser alma, o que pode ser que nada valha ante o que é a essência das coisas. Há um destino igual, porque é abstrato, para os homens e para as coisas - uma designação igualmente indiferente na álgebra do mistério.
(Praça do Rossio)

Mas há mais alguma coisa... Nessas horas lentas e vazias, sobe-me da alma à mente uma tristeza de todo o ser, a amargura de tudo ser ao mesmo tempo uma sensação minha e uma coisa externa, que não está em meu poder alterar.
(Rua do Ouro)

Ah, quantas vezes os meus próprios sonhos se me erguem em coisas, não para me substituírem a realidade, mas para se me confessarem seus pares em eu os não querer, em me surgirem de fora, como o eléctrico que dá a volta na curva extrema da rua, ou a voz do apregoador noturno, de não sei que coisa, que se destaca, toada árabe, como um repuxo súbito, da monotonia do entardecer!"
(Praça do Comércio)

(Fernando Pessoa, 1888-1935)

Texto retirado do  "Livro do Desassossego".
(Fotos da net.)

23 julho, 2019

À terça - imagens e palavras: "fotografia"



A fotografia, que dá a ilusão de capturar o tempo, de fazer com que as coisas durem, revela-se na sua crueldade intrínseca: dá a ilusão de congelar o tempo, mas tudo o que a sua existência faz é lembrar-nos dos seus efeitos. Porque tiramos fotografias, essas feridas que nunca mais cicatrizam?”



Bruno Vieira Amaral, escritor português (1978-), in “Manobras de guerrilha”, Ed. Quetzal, 2018

(Foto de família: os meus pais, eu e a minha irmã mais nova, em Moçambique.)

19 julho, 2019

Versos de Graça Pires e... «homens de Modigliani»!

Subversivamente
o instinto me descomenda.
E a magia inconsciente
do meu corpo
é um jogo clandestino
de gestos sem eco.
Há um ritual divino
nas carícias sensuais
em que me invento.
Nada me torna inocente
dos meus próprios sentidos
quando solto
as linhas marginais
do pensamento
e me seduzo
com gostos proibidos.
Sempre são excessivos os desejos de quem sonha
a vida toda num momento.
A solidão é como o vento.
É nos olhos do mendigo 
que a noite se prolonga por mais tempo.

Poema "MARGINALIDADE" (1990) de Graça Pires (blogue "Ortografia do olhar"), publicado no livro "Poemas Escolhidos -1990-2011".
Retratos pintados por Amedeo Modigliani (1884-1920):
1º Auto-retrato, 1919
2º Paul Alexandre, 1909
3º Moïse Kisling, 1915
4º Leopold Zborovski, 1918
5º Paul Guillaume, 1916
6º Chaim Soutine, 1915
7º Jean Cocteau, 1916
8º Pablo Picasso, 1915
(fotos da net)

 Amiga Graça, não te zangues comigo!
Eu continuo a preferir as tuas "mulheres de Modigliani"!

11 julho, 2019

"Torto arado" - Itamar Vieira Junior

O medo atravessou o tempo e fez parte de nossa história desde sempre.
Era medo de quem foi arrancado do seu chão. Medo de não resistir à travessia por mar e terra. Medo dos castigos, dos trabalhos, do sol escaldante, dos espíritos daquela gente. Medo de andar, medo de desagradar, medo de existir.
O romance “Torto Arado”, do brasileiro Itamar Vieira Junior, venceu por unanimidade o Prémio LeYa 2018.
Por unanimidade? Curiosa, procurei-o nas livrarias. E logo li a sinopse. E logo fiquei rendida… à «procissão de lembranças» desvendadas por Bibiana e Belonísia, filhas de trabalhadores da Fazenda Água Negra, no sertão da Bahia, descendentes de escravos para quem a abolição nunca passou de uma data marcada no calendário.
São muitas e tristes as histórias do quotidiano na fazenda, quase sempre protagonizadas por mulheres. Histórias de vida, morte, medo, dor, violência, humilhações, mas também de amizade, amor e luta pela libertação, contadas à vez pelas duas irmãs, transmissoras de todas as vozes negadas, que uma tragédia na infância tornou tão dependentes que uma será até a voz da outra. São filhas de Salu e de Zeca Chapéu Grande, guia do povo de Água Negra para assuntos de trabalho, problemas de saúde, resolução de conflitos familiares e tudo o mais; e netas de Donana, a parteira de mãos pequenas «capazes de entrar no ventre de uma mulher para virar com destreza uma criança atravessada, mal encaixada, crianças com os movimentos errados para nascer». Vivem numa fazenda onde as casas e os caminhos são de terra «de barro apenas… e de onde brotava tudo que comíamos. Onde enterrávamos os restos do parto e o umbigo dos nascidos. Onde enterrávamos os restos de nossos corpos. Para onde desceríamos algum dia. Ninguém escaparia.»
Anos depois da tragédia que emudeceu uma das irmãs, chega à fazenda o tio Servó, para dar «seu suor na plantação». Chega acompanhado da mulher e seis filhos. E primeiro uma depois a outra, as duas irmãs perdem-se de amores pelo primo Severo, menino tímido de sorriso largo, que, quando homem feito tem planos de estudar na cidade e trabalhar nas sua própria terra. Bibiana, então com dezasseis anos, ouvia-o embevecida «… nunca havia conhecido ninguém que me dissesse ser possível uma vida além da fazenda». Então, um dia, «naquela terra mesmo, entranhada da secura da falta de chuva, deixamos nosso suores para que lhe servisse de alívio», e logo os enjoos passaram a diários e a fuga dos dois para a cidade foi feita no sereno de uma noite.
Os anos passaram, os donos da fazenda mudaram e, para evitar problemas com os homens da lei, passaram a chamar os escravos de trabalhadores e moradores. E Bibiana e Severo regressaram a Água Negra, decididos a lutar pelo direito à terra, melhores condições de vida e emancipação dos trabalhadores.
“Rio de Sangue” é o título do terceiro e último capítulo do livro. Por quê este título e quem é o narrador? Por respeito pela fonte do rio de sangue e lágrimas… nada revelo!

Nos momentos de forte emoção meu horizonte se embota, transbordo para os lados, não consigo reunir o que me compõe.
(Não, não são palavras minhas, mas podiam ser, tão forte era a emoção ao terminar a leitura deste fascinante romance/retrato da ruralidade brasileira no período que se seguiu à abolição da escravatura, no final do Séc. XIX.) Leia-o, por favor!

 

Itamar Vieira Junior nasceu em Salvador, Bahia, em 1979. É escritor, geógrafo e doutorado em Estudos Étnicos e Africanos (UFBA), com pesquisa sobre a formação de comunidades quilombolas no interior do Nordeste brasileiro. Publicou a colectânea de contos "A Oração do Carrasco" (2017), finalista do prestigiado Prémio Jabuti de Literatura. 

(Foto do escritor tirada da net.)

09 julho, 2019

À terça - imagens e palavras: "ruínas"

 

“Não há ruínas mais comoventes do que os rostos.”


Bruno Vieira Amaral, escritor português (1978-), in “Manobras de guerrilha”, Ed. Quetzal, 2018
(Foto da net.)

05 julho, 2019

Personagens de romances que gostei de ler

Brodeck é escrivão numa aldeia perdida algures em inóspitas montanhas. Elabora relatórios para a Administração sobre o estado da flora, das árvores, das estações, da caça, da neve, das chuvas...
A vida fluí calma na pequena aldeia, até ao malogrado dia em que a guerra ali chega. Enquanto alguns habitantes tentam agradar ao invasor, Brodeck reage com passividade e, por isso, é deportado para um campo de concentração.
Quando a guerra termina o Cão Brodeck (era assim que lhe chamavam os guardas do campo) regressa a casa e ao seu trabalho de escrivão, com a concordância de todos os habitantes que expiavam a culpa do colaboracionismo com o inimigo.
Vem diferente, isola-se, faz grandes passeios e não procura a companhia dos homens da aldeia, que «têm a cabeça cheia de selvajaria e de imagens de sangue». Homens tolos, falsos puritanos, que cometerão o pior dos crimes sobre um estrangeiro que escolheu aquela aldeia para viver, um homem cordial e educado, que ocupa o tempo em longas e solitárias caminhadas, e a retratar a aldeia e os seus habitantes. Habitantes que não gostam dos seus modos estranhos, muito menos de se verem retratados por ele, e o matam, perante a passividade das autoridades.
Brodeck, o único habitante da aldeia que sabe trabalhar com as palavras, tem de elaborar um relatório oficial que branqueie o crime, sem procurar o que «não existe, ou já não existe». Aceita, contrariado e amedrontado.
À medida que escreve o relatório oficial – sempre controlado, espiado, cercado - escreve outro onde intercala na história do homem misterioso (nunca lhe perguntaram o nome e ele falava pouco, muito pouco) factos da sua própria vida. E desvenda segredos sombrios, escondidos em cada pessoa, pedra, casa, rua, árvore, daquela aldeia, onde não há inocentes. Aldeia que um dia ele também escolheu para viver. Só que nesse tempo, ninguém tinha medo de estrangeiros e foi bem recebido. Agora, o medo transformava os homens. Brodeck sabia-o. Aprendeu no campo de concentração. 
Finalizado o relatório, o seu relatório não o oficial, o escrivão entrega-o ao presidente da Câmara que depois de o ler lhe transmite: «escreves bem, Brodeck, não nos enganámos quando te escolhemos…mas tudo o que pertence a ontem pertence à morte, e o que importa é viver… é tempo de esquecer ... os homens precisam de esquecer.»
E logo, logo, Brodeck tem de fugir da aldeia. Por quê?
Eu sei! Saiba também, “ouvindo” Brodeck, narrador-personagem inesquecível de "O Relatório de Brodeck", brilhante romance de Philippe Claudel.
... às vezes é preferível não voltarmos à terra de onde partimos. Lembramo-nos do que deixámos, mas nunca se sabe o que iremos encontrar, sobretudo quando os homens foram atingidos por uma loucura duradoura.
Philippe Claudel é um escritor extraordinário. É dele "Almas cinzentas", um romance em jeito de thriller , que  se lê e dificilmente se esquece. Veja por quê:
"Inverno de 1917. Numa pequena povoação da Lorena, a poucos quilómetros do campo de batalha onde decorre uma das maiores carnificinas da história da Europa,  é descoberto o cadáver de "Lírio-do-Vale", uma menina de dez anos." 
Um jovem é acusado da morte da criança e executado, ainda que uma testemunha diga que a viu com o Procurador da terra na noite do crime
Sem condenar nem julgar alguém, mas sempre duvidando da culpa do jovem executado, o polícia da aldeia investiga e descobre que a verdade é indesejada quando os poderosos da terra estão envolvidos, e que existe algo mais forte do que o ódio: as regras sociais.
Vinte anos depois,  ele relembra o dia do crime e os acontecimentos que o precederam e que se lhe seguiram. «Não sei bem por onde começar. É bastante difícil. Há todo esse tempo passado, que as palavras não recuperarão, e também os rostos, os sorrisos, as chagas. Mas ainda assim preciso de tentar dizer. Dizer o que me vai no coração....»
E diz, diz tudo nesta história que "termina com a tomada de consciência de que, na fronteira entre o bem e o mal, todos somos a um tempo culpados e inocentes, justos e injustos, almas cinzentas e atormentadas.”
Tenho de voltar a procurar nas livrarias a escrita perfeita, meticulosa, surpreendente, viciante de Philippe Claudel.
Se não a conhece, não sabe o que perde!

(Foto do escritor tirada da net.)

02 julho, 2019

À terça: imagens e palavras: "noite"



"Pudesse esta noite durar
não uma mas duas noites inteiras..."



Versos de Eugénio de Andrade, poeta português (1923-2005), in "Poesia e Prosa 1940-1986 - II Vol.", Ed. Círculo de Leitores, 1987
(Foto da net.)


Fui e voltei... cheia de saudades vossas!!!