27 abril, 2018

"O quarto é o sítio onde nos tornamos visíveis..."

 “O quarto é o homem elevado ao quadrado da desocultação. Por isso o quarto é quadrado. É a quadratura do círculo da nossa vida no algures exasperante de uma cor informulada.
O quarto é o sítio onde nos tornamos visíveis, onde, por contradição, adquirimos um corpo para que, estendidos a todo o seu comprimento, nos incendei a loucura de não cabermos nele. O quarto somos nós mesmos a escorrer entre os nossos dedos numa água de horas ainda vivas. É a lúcida devastação do corpo que ao incendiar-se multiplica-se em pequenas labaredas cantantes. São os fantasmas. Eis porque o quarto é um lugar mal-afamado, frequentado por gente duvidosa em sua verídica substância de impudicas aparições, introduzindo-nos na boca um peixe de sons prateados que nos vicia no além. Porque o quarto felizmente nos recolhe numa arrepiada maçaroca de sentidos aberto por relâmpagos de palavras indizíveis. Porque o quarto é um fumo intencionado a saída de um poço, oferecendo-nos nas suas quatro mãos erguidas um navio de vidro para atravessar a morte. Porque o quarto é na cabeça o ruído dos cascos de um deus num chão inútil, a última e inadiável inteligência que nos serve um revólver, um doce utensílio de liberdade numa bandeja de gargalhadas."

Texto de Natália Correia, intelectual, poeta e activista social portuguesa (1923-93), tirado daqui:
(foto da net)

26 abril, 2018

Uma semana na República Dominicana

Pois é amigos, voltei de uma semana de férias.
Farta dos dias frios e ventosos da primavera portuguesa fugi com o maridão para a  República Dominicana em busca de sol e mar.
Durante uma semana de óptimo tempo, descansámos, bronzeámos, passeámos, celebrámos o 70º aniversário do Carlos.
Não mergulhei tanto quanto queria nas águas límpidas do mar (oceano atlântico) devido à constante agitação e à baixa temperatura. Não gostei!
Já da piscina, onde a água quase fervia, amei e abusei!
Num dos dias deixámos o conforto do resort  e visitámos Santo Domingo, a capital e maior (3,4 milhões de habitantes) cidade da República Dominicana (10,6 milhões). Santo Domingo, fundada em 1496, é  a maior cidade do Caribe. 
Na Cidade Colonial, bairro histórico de Santo Domingo declarado Património Mundial da UNESCO 1990, gostei muito da pequenina e linda Catedral de Santa María la Menor, a mais antiga catedral da América.
Prometo escrever mais sobre a República Dominicana e sobre o seu povo alegre, simpático, educado. 

Agora amigos, vou ler os comentários que deixaram no meu "roldeleituras" e passar pelos vossos blogues.
Abraço.
(Esqueci de dizer duas coisitas: li três excelentes romances e... estou bronzeadíssima!!!)

24 abril, 2018

À terça - imagens e palavras: "pacto"

“Nascemos, e nesse momento é como se tivéssemos firmado um pacto para toda a vida, mas o dia pode chegar em que nos perguntemos Quem assinou isto por mim.”

Frase de José Saramago, escritor português (1922-2010), in “Ensaio sobre a lucidez”, Ed. Caminho, 2004
Prémio Nobel de Literatura 1998
(Veja mais no blogue “Pétalas de Sabedoria”)
Foto da net.

20 abril, 2018

"Atos humanos" - Han Kang

Há memórias que nunca saram.
“Como lidar com a morte de alguém quando o seu corpo não aparece? Esta é a história de Dong-ho, um rapaz que não resistiu a seguir o melhor amigo até à manifestação, mas, quando ouviu os tiros, largou-lhe a mão, procurando-o agora entre os cadáveres de uma morgue improvisada. E é também a história dos que cruzaram o caminho de Dong-ho antes e depois dessa noite infame – os que caíram por terra desarmados e os que foram levados para a prisão e torturados; os que sobreviveram ao terror mas nunca mais conseguiram falar do assunto e os que, tantos anos passados, sabem, tal como Han Kang, que a história pode repetir-se a qualquer momento e que é preciso lembrar os atos brutais de que os humanos são capazes.”

Coreia do Sul, Maio de 1980.
Estudantes protestaram em todo o país contra o prolongamento da lei marcial, o encerramento de universidades e maiores restrições à liberdade de imprensa.
Na cidade de Gwangju a repressão contra os estudantes foi tão violenta que a população e os sindicatos se juntaram a eles no protesto contra o ditador Chun Doohwan, sucessor do presidente assassinado Park Chung-hee, que durante quase duas décadas governou o país com mão de ferro.
A brutalidade da polícia e do exército, que até usou lança-chamas contra cidadãos desarmados, provocou 165 mortos, segundo fontes oficiais. Nunca foram divulgados os números de presos, torturados e desaparecidos.
Han Kang nasceu e viveu em Gwangju até aos nove anos. Não presenciou o massacre. A família tinha-se mudado para Suyuri, nos arredores de Seul, quatro meses antes.
Em 2013, quando tomou posse como presidente a filha de Park Chung-hee, “o passado veio ao de cima e arrancou as ligaduras que cobriam feridas antigas para os habitantes de Gwangju, entre eles, Han Kang”.
Serão os seres humanos cruéis? Será a experiência da crueldade a única coisa que partilhamos enquanto espécie? Não passará a dignidade a que nos agarramos de uma ilusão para disfarçarmos, perante nós, esta simples verdade: que cada um de nós pode ser reduzido a um inseto, um animal voraz, um pedaço de carne? Que ser aviltado, magoado, esquartejado... é o destino essencial da humanidade, um destino cuja inevitabilidade a História confirmou?
Atos humanos",  misto de ficção e realidade,  é um comovente e corajoso relato do massacre de Gwanjiu e um alerta para “os atos humanos de que todos nós somos capazes, atos brutais e atos generosos, atos básicos e atos sublimes”.
A sinopse prepara-nos para o que vamos ler, mas... não é fácil, não!
Tal como em “A vegetariana” - o primeiro romance de Han Kang, vencedor do Man Booker International Prize - a trama é complexa, com muitas personagens (algumas existiram mesmo), e vários narradores (alguns também personagens) a desenvolver em saltos constantes entre passado e presente uma história de dor e violência, que dá voz aos mortos, aos desaparecidos, aos brutalmente torturados. Dor e violência que se lê e na limpidez de uma escrita rigorosa e poderosa.
Como disse “The Independent” - «Atos Humanos é de tirar o fôlego.»

Quando morreste, não pude fazer-te um funeral,
e, assim, a minha vida tornou-se um funeral.
Para ler e reflectir sobre a capacidade destrutiva e sombria da humanidade.

Atos humanos, de Han Kang
Tradução de Maria do Carmo Teixeira
Ed. D. Quixote, 2017
227 págs.

17 abril, 2018

À terça - imagens e palavras: "amizade"

“A amizade é uma filigrana de encontros.”

Frase de Francesco Alberoni, sociólogo e escritor italiano (1929-), in “Amo-te”, ed. Bertrand, 1997
(Veja mais no blogue “Pétalas de Sabedoria”)
Foto da net.

13 abril, 2018

Viajando e aprendendo: China











“Viajar é nascer e morrer a todo o instante”.
Victor Hugo, escritor francês (1802-1885)

Em 2006, eu e o Carlos visitámos a REPÚBLICA POPULAR  DA CHINA, uma das civilizações mais antigas do mundo, e estivemos em Pequim, Xi’an, Xangai, Guilin, Cantão, Guangzhou, Hong Kong e Macau.
No início do século XX, após a queda do poder centrado no imperador, foi proclamada a República Popular da China. Depois de uma intensa guerra civil que durou de 1945 a 1949, o Partido Comunista Chinês tomou o poder, sob liderança de Mao Tsé Tung, e iniciou a planificação económica. Após a morte de Mao, em 1976, Deng Xiaoping assumiu o poder e foi o responsável pela abertura económica da China ao mundo, depois de muitos anos fechada ao exterior.
A China, com uma área de 9,6 milhões de km2 (equivalente a 1/15 da superfície do mundo), tem cerca de 1.300 milhões de habitantes (equivalente a 1/5 da população do planeta), divididos por 56 etnias.
Devido à sua grande dimensão, a China tem uma enorme variedade de paisagens: grandes cordilheiras montanhosas (com o ponto mais elevado no Monte Everest), planaltos áridos, planícies e colinas.
O contraste entre o antigo (excepcionalmente preservado) e o moderno; a beleza das paisagens mais deslumbrantes e os muitos arranjos florais - até nos separadores das auto-estradas; o crescimento colossal das cidades e as tradições imutáveis nas zonas rurais; a alegria e o orgulho do seu povo a acolherem quem o visita, fizeram esta viagem inesquecível.
Pequim, capital da Republica Popular da China desde 1949, tem cerca de 17,3 milhões de habitantes na sua região metropolitana. No ano de 2006, a dois anos dos Jogos Olímpicos, as obras na cidade eram impressionantes. Num ângulo de 360º os guindastes conferiam à cidade uma visão colossal do trabalho em curso e da grandeza futura.
Respirava-se uma atmosfera ocidentalizada, num calor abrasador de Agosto, quando partimos à descoberta da Praça de Tian’amen (a maior praça do mundo), da Cidade Proibida (serviu de palácio às dinastias Ming e Qing) , do Palácio de Verão (exemplar dos clássicos jardins chineses), do Templo do Céu (integrado num vasto parque onde os chineses ocupam os seus tempos livres com danças, jogos e conversas), da Grande Muralha (na zona de Badaling, a cerca de 80 km de Pequim) uma das 7 Maravilhas do Mundo e, dizem, a única estrutura construída pelo homem a ser vista da lua.
Xi’an, uma das mais antigas cidades do país, com cerca de 3 milhões de habitantes, é a capital da província de Shaanki, centro histórico do rico vale do rio Wei.
Visita à sepultura do primeiro imperador chinês e do seu exército de 6 mil guerreiros de terracota (descoberto em escavações iniciadas em 1974), à Muralha da Cidade (imponente), à Torre do Sino e ao Pagode do Ganso Selvagem.
Xangai, localizada na costa este, é a maior cidade da China, com cerca de 20 milhões de habitantes. Devido à localização privilegiada e às intensas reformas económicas, Xangai tornou-se um dos mais importantes centros financeiros da China e o maior porto de carga do mundo. Visita aos edifícios da Bund, ao Jardim Yuyuan (localizado na zona velha da cidade de arquitectura tipicamente chinesa), ao Templo do Buda de Jade (mosteiro construído em 1882, para alojar estátuas de Buda). À noite partimos à descoberta dos edifícios iluminados do centro financeiro do distrito de Pudong, espelhados nas águas calmas do rio Yangtze. O espectáculo de luz é impressionante.
Guilin, situada na região autónoma Zhuang, de Guangxi, tem cerca de 1,4 milhões de habitantes. Visita à Colina Tromba de Elefante e à Colina Fubo. O cruzeiro no rio Li brindou-nos com um espectáculo de paisagens inesquecíveis e únicas.
Cantão é a capital da província de Guangdong, no sul da China e tem cerca de 5,7 milhões de habitantes. Visita ao Parque Yuexiu, à Torre Zhenhai, ao templo taoista Wuxian, ao túmulo de Nanyue e ao monumento em honra do Dr Sun Yat-sen.
Hong Kong, ex-colónia do Império Britânico até 1997, localiza-se na costa sul da China a 60Km de Macau. Tem cerca de 7 milhões de habitantes (95% chinesa), numa área de 1.054 Km2. Possui o seu próprio sistema legal, moeda e leis de imigração. Partir à descoberta do melhor local para admirar os inúmeros arranha-céus iluminados, é uma aposta de encantamento que ficará para sempre na nossa memória. O resto foi… compras e mais compras…
Macau, que foi colonizada e administrada por Portugal durante mais de 400 anos é, desde 1999, uma Região Administrativa Especial da República Popular da China. Está localizada na costa meridional da China e é constituída pela Península de Macau, ilhas da Taipa e de Coloane e pelo istmo de Cotai. Com uma área de 28,6 km2, tem uma população de cerca de 538 mil habitantes, o que faz dela a cidade com maior densidade populacional do mundo. Macau vive presentemente um grande desenvolvimento económico nas áreas do jogo, turismo e hotelaria. Visita às ruínas de S. Paulo, à Fortaleza do Monte, ao Templo Kun Yam, ao Leal Senado, ao Casino Lisboa. Passeio a pé pela cidade e descoberta de um café onde comemos uns deliciosos pastéis de nata. Verdade!
Foi uma viagem FABULOSA!
Recomendo!

(Mais fotos aqui.)

10 abril, 2018

À terça - imagens e palavras: "muros"

“A nossa vida está cheia de instâncias restritivas e muros que ocultam. Deus vê-se menos.”

Frase de JOSÉ TOLENTINO MENDONÇA, presbítero e poeta português (1965-)
(Veja mais no blogue "Pétalas de Sabedoria")
Foto da net.

06 abril, 2018

"Por trás daquela janela" - Fernando Pessoa


Por trás daquela janela
Cuja cortina não muda
Coloco a visão daquela
Que a alma em si mesma estuda
No desejo que a revela.

Não tenho falta de amor

Quem me queira não me falta.
Mas teria outro sabor
Se isso fosse interior
Àquela janela alta.

Porquê? Se eu soubesse, tinha

Tudo o que desejo ter.
Amei outrora a Rainha,
E há sempre na alma minha
Um trono por preencher.

Sempre que posso sonhar,

Sempre que não vejo, ponho
O trono nesse lugar:
Além da cortina é o lar,
Além da janela o sonho.

Assim, passando, entreteço

O artifício do caminho
E um pouco de mim me esqueço.
Pois mais nada à vida peço
Do que ser o seu vizinho.
Poema de Fernando Pessoa (1888-1935)

Sabia que:
"Fernando António Nogueira Pessoa nasce a 13 de Junho de 1888, às 3.20 da tarde, no quarto andar esquerdo do nº 4 do Largo de São Carlos em Lisboa. São seus pais Maria Magdalena Pinheiro Nogueira, natural da Ilha Terceira, nos Açores, de vinte e seis anos, e Joaquim de Seabra Pessoa, natural de Lisboa, de trinta e oito anos, funcionário Público no Ministério da Justiça e critico musical do «Diário de Noticias». Com eles vivem a avó paterna, Dionísia, doente mental, e duas criadas velhas, Joana e Emília.
A 21 de de Julho é baptizado na Igreja dos Mártires. São seus padrinhos a Tia Anica, irmã da mãe, e o General Chaby. "
"Fernando Pessoa, uma fotobiografia", de Maria José de Lancastre.

Não sabia?  Eu também não!
O que importa é que agora sabemos.
Prometo partilhar mais informações sobre a vida do poeta do desassossego.

(Foto cedida pela LUISA, do blogue "À Esquina da Tecla". Obrigada!

03 abril, 2018

À terça - imagens e palavras: "espelho"


“Pode estar-se vezes sem fim diante do espelho sem realmente uma pessoa se ver.”

Frase de John Steinbeck, escritor norte-americano (1902-68), in "O inverno do nosso descontentamento", Ed, Circulo de Leitores, 1993
Prémio Nobel de Literatura, 1962

(Veja mais no blogue “Pétalas de Sabedoria”)
Foto da net.