31 janeiro, 2012

Vale a pena ler... Isabel Allende

- Isabel, por que escreves?

- Creio que a escrita é uma tentativa para entender a confusão da vida, para tornar o mundo mais tolerável e, se possível, mudá-lo. Por que escrevo? Porque estou cheia de histórias que me pedem para ser contadas, porque as palavras me sufocam, porque gosto e necessito, porque, se não escrevo, seca-se-me a alma e morro.

(Pergunta feita por Celia Correas Zapata, autora de numerosos estudos sobre autores espanhóis e latino-americanos contemporâneos).

27 janeiro, 2012

"Retrato a sépia" - Isabel Allende

A obra da prestigiada escritora chilena Isabel Allende merece figurar no meu rol de releituras deste novo ano.
Assim sendo, “saltei” por cima dos romances mais conhecidos da autora e escolhi “Retrato a sépia”, que não sendo o livro de que mais gostei, considero-o um magnífico romance histórico (Chile, finais do século XIX), uma saga familiar (de que eu tanto gosto) e um verdadeiro hino à mulher.
Cada qual escolhe o tom para contar a sua própria história. Vivo entre matizes difusos, esbatidos misteriosos, incertezas; o tom para contar a minha vida ajusta-se mais ao de um retrato a sépia…
Quem o diz é Aurora do Valle, fascinada pela fotografia desde os treze anos e que, aos trinta, decide “bordar uma tapeçaria da sua vida”, passo a passo, palavra a palavra, foto a foto, para manter vivo um passado rico de lembranças e segredos, especialmente os das mulheres da sua família. Sempre as mulheres…
Lembra-te que a roupa suja se lava em casa, avisaram-na, escreve com honestidade e não te preocupes com sentimentos alheios, porque digas o que disseres, de qualquer forma vão odiar-te.
Isabel Allende consegue, como ninguém, manter-nos presos às suas histórias de amor, traições e mistérios. As suas personagens são inesquecíveis. Neste romance encontramo-nos com algumas de Filha da Fortuna e de A casa dos Espíritos. Tem graça descobri-las e recordar outras histórias.
Se o que pretende é o efeito de um quadro, pinte, Aurora. Se o que pretende é a verdade, aprenda a usar a sua máquina.
Gostei de voltar a este romance.
"Conheci" mulheres maravilhosas e aprendi a ver a verdade nas minhas fotografias.

Retrato a sépia, de Isabel Allende
Difel, 2001
Tradução de Maria Helena Pitta
329 págs.

24 janeiro, 2012

Filme "Os Descendentes" - um deslumbramento!



Já fui ver o filme “Os Descendentes”, de Alexander Payne, que estreou na passada quinta-feira, em Lisboa.

Desta vez baralhei as minhas regras e fui ver o filme antes de ler o livro. A culpa foi dum comentário publicado no blog silêncios que falam, que espevitou a minha curiosidade.
Claro que já não vou ler o livro. Mas não há grande problema, já conheço a história…
História que se conta em poucas palavras: Matt King (George Clooney) é descendente de uma família da antiga nobreza havaiana, casado, pai de duas filhas adolescentes e muito rico.
Advogado de sucesso, viajava frequentemente em serviço o que provocou o afastamento da família.
A mulher de Matt, que gosta de desportos radicais, sofre um acidente num barco e fica em coma irreversível. Instala-se o caos.
Ele não sabe lidar com as filhas, com as emoções, e muito menos com  a despedida da mulher.
Como se não bastasse, descobre que ela mantinha uma relação extra-conjugal.
A partir daí tudo muda.
Matt decide investir nos laços familiares, recuperar o amor das filhas e conhecer o amante da mulher.
Como será isso feito e porquê?
Não posso contar tudo, não é?
O filme foi adaptado do romance homónimo da escritora havaiana Kaul Hart Hemmings, que no filme tem uma pequenina interpretação como secretária de Matt King.
O realizador Alexander Payne ganhou o Globo de Ouro para o melhor filme na categoria de drama.
George Clooney ganhou o Globo de Ouro para o melhor actor dramático.
É difícil dizer se foram merecidos porque não vi todos os filmes que estiveram em concurso.
Aguardo pela cerimónia dos Óscares, mas posso dizer já que “não votarei” Clooney.
Lamento!

Vão ver e deslumbrem-se com a história, com a fotografia, com a música e com excelentes interpretações.
Por vezes rirão, mas serão mais as vezes que uma lágrima espreitará ao canto do olho.
Eu saí do cinema decidida a amar cada vez mais a minha família. A estar mais presente e sempre mais contente. Valorizar a amizade e a sinceridade. Obrigar-me a confiar e a ouvir mais a voz do coração. Não deixar nada por dizer e viver, viver, viver.

20 janeiro, 2012

"Nas trevas exteriores" - Cormac McCarthy

Que necessidade tem um homem de ver o seu rumo, se afinal de contas não há modo de lhe fugir?
Em meados de 2011 foi, finalmente, publicado em Portugal o segundo romance de Cormac McCarthy, Outer Dark no original (1968).
Demorei a lê-lo, demorei a compreende-lo, demorei a sair das trevas e a reencontrar a luz.
Pode o teor de um livro deixar-nos tão desconfortáveis que o fechamos e pensamos “desistir”, mas algo nos força a “resistir?
Pode, se o livro for de um autor genial, que como poucos utiliza as palavras de forma dura, crua mas precisa,  para descrever a tragédia humana, numa progressão dramática que desconcerta o leitor, mas o prende da primeira a última linha.
A acção deste romance / fábula tem lugar algures no sul dos Estados Unidos (sempre os lugares indefinidos) e começa com o nascimento de uma criança, fruto da relação incestuosa dos irmãos Culla e Rinthy Holme, que vivem escondidos numa cabana fria e pobre no meio da floresta.
Após o parto, e enquanto a irmã dorme, Culla sai para as trevas da noite fria com o menino e abandona-o junto de um bosque de choupos.
Culla tenta convencer a irmã de que o menino morrera após o parto mas ela não acredita e obriga-o a mostrar-lhe o lugar onde o enterrou. O menino desaparecera.
Rinthy, andrajosa, descalça e transtornada, abandona o irmão e penetra na luz do sol, deambulando de terra em terra em busca do filho.
Não andas fugida dalgum lugar, ou andas?
Não, disse ela. Nem sequer tenho um lugar donde possa fugir.
Culla Holme parte depois em busca da irmã e é o relato da errância de ambos por caminhos separados e perigosos, até ao encontro com um cego, que parece apontar o caminho da salvação, que mantém o leitor perturbado e à espera de uma apocalítica resolução.
Pra ondé que tu ias, vamos lá a saber?
Para lugar nenhum, respondeu Holme.
Para lugar nenhum.
Isso.
Ainda és capaz de lá chegar, comentou o homem.
Termino com uma frase do prefácio do tradutor Paulo Faria: “A leitura de Nas Trevas Exteriores é, acima de tudo, uma experiência de genuíno desconforto físico, e a intensidade deste desconforto traduz a exacta medida da mestria literária de Cormac McCarthy”.
Confirmo!

Nas trevas exteriores, de Cormac McCarthy
Relógio d’Água, 2011
Tradução de Paulo Faria
213 págs.

17 janeiro, 2012

Poema de... Nuno Júdice


DICÇÃO
Vou falar em português,
com cada vogal no seu lugar, dita
com toda a clareza,
uma de cada vez. Assim,
não comendo os és nem os is,
e pondo cada ó, aberto
ou fechado, dentro da sílaba
que lhe cabe, o português
fica com os pontos nos is,
para que o ouvido perceba
o que é dele,
e quem o escreva saiba
que a letra escrita
não vai ser letra morta
na boca
de quem lhe abra a porta.

Poema de Nuno Júdice, Portugal (1949-)
Pintura de António Carmo, Portugal (1949-)

13 janeiro, 2012

"O evangelho segundo Jesus Cristo" - José Saramago

… talvez os homens nasçam com a verdade dentro de si e só não a digam porque não acreditam que ela seja a verdade.
Foi em 1991 que Saramago editou o seu livro mais polémico.
Não o li de imediato, por nenhuma razão particular. Foi depois do tumulto que causou em políticos tacanhos, da irritação da igreja católica e da partida do autor para a ilha espanhola de Lanzarote, que a sua leitura me empolgou e arrebatou.
Agora voltei a pegar-lhe e confirmei: reler Saramago é tão entusiasmante como se da primeira leitura se tratasse.
O filho de José e de Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo de sangue de sua mãe, viscoso das suas mucosidades e sofrendo em silêncio. Chorou porque o fizeram chorar, e chorará por esse mesmo e único motivo.
Neste livro, Saramago conta-nos a vida de Jesus, um Jesus humanizado, através de uma interpretação muito sua dos textos religiosos.
O que para alguns é uma blasfémia, para mim é puro prazer. Saramago deixa-me pasmada com a torrente imaginativa, sarcasmo e ironia dos seus livros e deste em particular. É assim que se mede  a grandiosidade de um escritor. Os que têm  medo de polémicas não deixam de ser medíocres.
Sublinhei diálogos excelentes. Deixo aqui alguns.
Jesus e Maria Madgala:
Não conheço mulher. Maria segurou-lhe as mãos, Assim temos de começar todos, homens que não conheciam mulher, mulheres que não conheciam homem, um dia o que sabia ensinou, o que não sabia aprendeu. Queres tu ensinar-me, Para que tenhas de agradecer-me outra vez, Dessa maneira, nunca acabarei de agradecer-te, E eu nunca acabarei de ensinar-te.
Deus e Jesus:
Observo que estás muito mais despachado de espírito, e mesmo um tanto impertinente, considerando a situação, do que quando te vi pela primeira vez, Era um rapaz assustado, agora sou um homem, Não tens medo, Não, Tê-lo-ás, descansa, o medo chega sempre, até a um filho de Deus.
E ainda:
E este filho que sou, para que o quiseste, Por gosto de variar, não foi, escusado seria dizê-lo, Então porquê, Porque estava precisado de quem me ajudasse aqui na terra, Como Deus que és, não devias precisar de ajudas.
Como não posso citar tudo o que sublinhei… termino com um agradecimento e um aplauso ao nosso Nobel.
… o dia chegará em que se terá perdido a memória do que aconteceu, então, dado que os homens para tudo querem explicação, falsa ou verdadeira, inventar-se-ão umas quantas histórias e lendas, ao princípio ainda conservando alguma relação com os factos, depois mais tenuemente, até tudo se transformar em pura fábula.
Fabuloso!

O evangelho segundo Jesus Cristo, de José Saramago
Caminho, 1991
445 págs.

10 janeiro, 2012

Desafio nº 2: Qual é o escritor americano que escreve desta forma peculiar?

. Pôs a mão em concha e varreu o troco de cima do balcão para a palma da outra mão e guardou as moedas no bolso e deu meia volta e dirigiu-se para a porta.
. Ele saiu da recepção com a chave no bolso da camisa e entrou na Ramcharger e deu a volta até ao lado oposto do edifício e estacionou e saiu e dirigiu-se para o quarto, levando na mão o saco contendo o receptor e as armas.
. Tirou a caçadeira do saco e pousou-a na cama e acendeu o candeeiro da mesa-de-cabeceira. Acercou-se da porta e apagou a luz do tecto e voltou-se para trás e estendeu-se na cama e contemplou o tecto.
Cara ou coroa?
Já agora, de que livro foram retiradas estas frases?
O prémio para quem acertar é… a minha admiração por ler livros profundamente perturbadores mas fascinantes, de um autor genial.
Parabéns!

Reportando agora ao Desafio nº 1, passo a informar que comprei o primeiro dos quatro volumes de Guerra e Paz, de Leão Tolstoi (Lev Tolstói), 399 páginas, editados pela Presença.
Vai ser grande a maratona...

06 janeiro, 2012

Némesis" - Philip Roth

O medo castra-nos. O medo degrada-nos.
E vão 31…
Trinta e um livros publicados por Philip Roth, um escritor extraordinário.
Às vezes somos juízes severos de nós mesmos sem nada que o justifique.
O tema deste romance é inquietante e surpreendente: no verão de 1944 uma epidemia de poliomielite grassa nos Estados Unidos. Ao terror da guerra junta-se o pânico da morte provocada por uma doença desconhecida e altamente contagiosa. Não existia nenhum medicamento para tratar a doença, nem vacina para a evitar.
A acção passa-se em Newark, uma cidade abrasadora e húmida, fortemente atingida por surtos anteriores e onde as probabilidades de contrair a doença são enormes.
O protagonista desta surpreendente história é Bucky Cantor (mais uma excelente personagem criada por Philip Roth), vinte e três anos, judeu, professor de educação física e responsável por um recinto de jogos, que assiste impotente ao efeito da epidemia sobre os jovens que, não podendo ir para acampamentos de férias nas montanhas, ocupam o tempo livre no recinto de jogos do bairro.
O Sr. Cantor, órfão, criado pelos avós maternos e educado pelo avô para ser soldado, herda do pai graves problemas de visão que o tornam inapto para o serviço militar. Desiludido mas conformado, dedica-se ao ensino e a transmitir aos jovens os ensinamentos que recebera do avô: perseverança e determinação, terem coragem e destreza físicas, e nunca se deixarem manipular ou, só porque sabiam usar o cérebro, permitir que lhes chamassem judeus lingrinhas e mariquinhas.
O Sr. Cantor vive com a avó e tem uma namorada, Marcia, também judia mas de um outro estrato social. Naquele verão, Marcia vai trabalhar para um acampamento nas montanhas. Ele prefere continuar com os jovens que praticam desporto no recinto de jogos.
Mas quando os seus jovens começam a sucumbir pela doença, ele, impotente, enraivecido e em pânico, foge para junto da namorada, para as montanhas onde o perigo não entrava. Foge, mas a culpa, a humilhação e a raiva persegui-lo-ão. …. uma raiva que não tinha por objecto… nenhuma das causas mais ou menos inverosímeis que as pessoas, mergulhadas no medo e na confusão, pudessem adiantar para explicar a epidemia, nem tão-pouco o vírus da pólio, mas sim a origem, o criador – Deus, que criou o vírus.
Mas o vírus chega à montanha e a dúvida e a culpa consomem-no. Seria ele o culpado do surto de pólio no recinto de jogos? Teria ele levado consigo o vírus para o acampamento?
Apavorado e culpabilizado pela decisão tomada, abandona a namorada e regressa a casa para encetar sozinho uma luta sem tréguas contra a doença que lhe vai mudar fatalmente a vida.
Nunca mais voltámos a ver o Sr. Cantor no bairro… E a história continua a ser contada por um jovem , agora adulto, frequentador do recinto de jogos naquele fatídico verão, conforme lhe foi contada pelo professor de ginástica, a autoridade mais exemplar e respeitada que conhecera.
Não seja inimigo de si próprio. Já há no mundo crueldade que chegue. Foi este o conselho que o aluno deixou ao mestre.
Surpreendente e inquietante este retrato da natureza humana.
(Némesis - deusa grega da vingança e da ética)

Némesis, de Philip Roth
D. Quixote, 2011
Tradução de Francisco Agarez
206 págs.

02 janeiro, 2012

Balanço de 2011 do "rol de leituras"

1. O meu top +
No final de um ano de muitas e variadas leituras, querer elaborar uma lista dos livros que mais me agradaram é uma tarefa difícil.
Para facilitar recorri às Notas Máximas que fui dando ao longo do ano e reduzi a seleção para apenas 10.
Fácil? Não. Muito difícil.
Foram estes os que mais me agradaram:
. Filhos de Estaline, de Owen Matthews
. Sangue do meu sangue, de Michael Cunningham
. O poder e a glória, de Graham Greene
. Homem invisível, de Ralph Elisson
. Estrela errante, de J.M.G. Le Clézio
. Fome, de Knut Hamsun
. O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald
. O partir dos ovos, de Jim Powell
. O cantor de tango, de Tomáz Eloy Martinez
. Almas cinzentas, de Philippe Claudel
Por razões óbvias não selecionei qualquer livro de Philip Roth nem de Saramago. Percebem, não?
2. Descoberta de novos escritores
Foram vários os escritores que descobri este ano e que me agradaram sobremaneira.
Com alguma dificuldade destaco estes quatro. Em alguns casos sei que não escolhi bem o primeiro livro mas… tudo poderá ser remediado em 2012.
.Valter Hugo Mãe - O filho de mil homens
. Dulce Maria Cardoso - O retorno
. Mario Vargas Llosa - Travessuras da menina má
. Gonçalo M. Tavares - Matteo perdeu o emprego
3. O que irei ler no novo ano?
Não sei.
Aliás, sei que vai ser difícil eu adquirir tantos livros quantos os que adquiri em 2011 e isso incomoda-me. Incomoda-me e entristece-me. Fico triste quando olho para a minha estante e vejo poucos livros novos para ler.
Bom, há que iniciar o ano com pensamentos positivos, não é? Depois, na minha estante há muitos livros para reler. Boa!
Malvada crise!
Adiante... bom ano para todos, com muitas e fantásticas leituras.

01 janeiro, 2012