30 maio, 2017

"As máscaras do destino" - Florbela Espanca


Os mortos são na vida os nossos vivos, andam pelos nossos passos, trazemo-los ao colo pela vida fora e só morrem connosco. Mas eu não queria, não queria que o meu morto morresse comigo, não queria! E escrevi estas páginas…
É de contos este livro de Florbela Espanca, publicado postumamente em 1931, um ano após o suicídio da poetisa.
Contos que ela escreveu em homenagem ao irmão Apeles Espanca, falecido tragicamente em 1927, quando o avião que pilotava se despenhou nas águas do Tejo.
Agustina Bessa-Luís assina o excelente Prefácio: “A vida de Florbela não foi longa. Mas pode dizer-se que é breve uma vida infeliz, em que os minutos são desertos de agrado pelo mundo? Todos os contos de Florbela descrevem esse deserto moroso, onde sopra um vento açulador e triste… Florbela foi infeliz com razões para a felicidade.”
Segue-se a dedicatória ao irmão: “Este livro é dum Morto, este livro é do meu Morto. Que os vivos passem adiante…”
E depois, alinham-se oito pequenos, belos, tristes, estranhos contos, feitos de palavras choradas por uma mulher frágil, devastada de dor e saudade, incapaz de lidar com a perda do irmão amado. 
O Aviador
"O que anda sobre o rio? Outra gaivota? Outra vela?
É um homem que tem asas! (…) O homem está contente. Atira as asas mais ao alto, escalando os cimos infinitos, já fora do mundo, na sensação maravilhosa e embriagadora de um ser que se ultrapassa! Sente-se um deus! As mãos desenclavinham-se, desprendem-se-lhe da terra onde as tem presas um derradeiro fio de oiro… e cai na eternidade…”
A Morta
“Todas as tardes, à hora em que o crepúsculo, todo vestido de glicínias, descia com a doçura dumas pálpebras que se fechassem (…) a mão do noivo empurrava a porta do jazigo. (…)
O vivo e a morta falavam, e o que eles diziam não o podem entender os vivos nem talvez mesmo os ouros mortos (…)
Mas, uma tarde, a Morta esperou em vão, e esperou outra e outra e outra ainda em infindáveis horas de infindáveis tardes. (…)
Foi então que uma noite mais cega ainda que as outras todas (…) ela ergueu os braços, levantou brandamente a tampa do caixão, e desceu devagarinho… foi então que ela puxou para si a porta do jazigo que dava para a noite.
E a Morta lá foi pela soturna avenida, no seu passo, de manto a roçagar. Empurrou a porta apenas encostada – para que se há-de fechar a porta aos mortos? – e saiu… e na cidade adormecida foi uma flor de milagre que os vivos sentiram desabrochar.”
Os Mortos não voltam
“… os mortos não voltam e é melhor que assim seja… Que vergonha se voltassem! Onde há por aí uma alma de vivo que se tivesse mantido digna de semelhante prodígio?”
O resto é perfume
A paixão de Manuel Garcia
O Inventor
As Orações de Soror Maria da Pureza
“Mariazinha lembrava-se muito bem. Todas as noites daquele ano em que não houvera Inverno, o namorado, encostado às grades, rezara a litania da sua puríssima paixão.
Mas um dia vieram dizer-lhe que ele tinha morrido. Morreu… pronto! Morreu. Foi só isso, Mariazinha. (…) Mariazinha não percebeu nem tão-pouco disse nada. Encerrada em si mesma como um cofre selado, foi um túmulo fechado e mudo, onde as revoltas e os gritos, as censuras e as carícias iam despedaçar-se em vão. (…) Passaram dias, meses, passaram dois anos (…) continuava a ir à grade onde fiava horas e horas a sorrir, de olhos baixo, com as mãos a tremer, num enleio de amor que não era deste mundo.”
O Sobrenatural

Comprei este livro em 1982. Li-o, guardei-o, emprestei-o, dei-o por perdido e agora recuperei-o.
Apesar de me ser entregue com a maioria das folhas soltas, relê-lo foi estupendo!
As palavras são túmulos…
… mas não nos tiram o sono.
Acreditem!

As máscaras do destino, de Florbela Espanca
Bertrand, 1981
181 págs.

28 maio, 2017

Vale a pena ler... José Tolentino Mendonça


“Cada vez mais se ouve pais hesitantes do seu papel que perguntam se a tarefa que lhes cabe é a de serem pais para os seus filhos ou simplesmente grandes amigos. Tornarem-se amigos dos filhos, vencendo a distância simbólica que a parentalidade estabelece, aparece hoje a mães e a pais como uma solução tentadora que os colocaria melhor na órbita existencial dos filhos, cúmplices das etapas que estes percorrem, confidentes privilegiados das suas vivências e, desse modo, com maior capacidade de influenciar e de intervir. Será verdade? (…)
Os pais precisam aceitar que cada filho é uma vida distinta e autónoma, ao mesmo tempo gerada por eles e inacessível, à maneira de um segredo que protegem mas cujo conteúdo está destinado a escapar-lhes. (…)
A tarefa da vida dos filhos é fazerem-se criativos herdeiros de um dom recebido que também eles não entendem até ao fim ou não entendem logo. Ora, ser herdeiro não significa apenas receber a parte de bens que lhe corresponde, mas construir em diálogo com essa vida recebida uma identidade original. (…)
Mas uma função inalienável dos pais é recordar que a vida humana é fundada em limites e sinalizá-los. Precisamente o contrário da promessa consumista das nossas sociedades, onde tudo aparece pronto para ser adquirido, devorado e esquecido.”

Excerto da crónica “Pais ou amigos dos filhos?”, de José Tolentino Mendonça (presbítero e poeta português, n. 1965), publicada na “E”, revista do jornal Expresso de 27 Maio 2017
Vale a pena ler na íntegra.

Pintura “A sagrada família do passarinho”, do espanhol  Bartolomé Murillo (1617-82)

23 maio, 2017

Escuta, Zé Ninguém!


O grande homem é aquele que reconhece quando e em que é pequeno. O homem pequeno é aquele que não reconhece a sua pequenez e teme reconhecê-la.
Pensas sempre a curto prazo, Zé Ninguém, o teu tempo medeia de uma refeição a outra. Terás de aprender a memória em termos de séculos, e a perspectiva do futuro em termos de milénios. Terás de aprendê-la em termos da verdadeira vida, em termos do teu desenvolvimento desde o primeiro foco plasmático até ao animal humano, capaz de caminhar erecto, mas incapaz ainda de pensar com justeza. Porque a tua memória não retém acontecimentos de há dez ou vinte anos, continuas repetindo as mesmas asneiras de há dois milénios. E mais ainda: agarras-te a elas – à tua «raça», «classe», «nação», aos teus ritos religiosos compulsivos, à supressão do amor, como um piolho se aferra à pele. Nem te atreves a ver até que ponto te encontras atolado na tua miséria. De vez em quando, deitas a cabeça de fora e berras «Viva!» O coaxar de uma rã no charco tem pelo menos mais sentido. (…)
Quando saberás viver a tua vida em paz e segurança; a resposta consiste no inverso da tua forma de ser actual: viverás bem e em paz quando a vida significar para ti mais do que a segurança; o amor mais do que o dinheiro; a tua liberdade mais do que as linhas directivas do partido ou a opinião pública; quando o modo de estar no mundo de um Beethoven ou de um Bach for o tom habitual de toda a tua existência. (…)
Troca as tuas ilusões por um pouco de verdade.
Protege o amor das crianças de tenra idade dos ataques de adultos lascivos e frustrados.
Não tentes ser mais explorador que quem tenta explorar-te.
Não tentes melhorar a natureza mas antes entendê-la.
Procura pensar correctamente, ouve a tua voz interior e o seu murmúrio brando. Tens a vida nas tuas mãos. Sê tu próprio.
E não consintas que o sofrimento te torne duro e amargo.”

Tirei daqui: Escuta, Zé Ninguém!” (1945), de Wilhelm Reich (1897-1957), médico psicanalista e cientista austro-húngaro, pensador inconformista e autenticamente progressista, discípulo dissidente de Sigmund Freud.

Pintura "Cabeça", do pintor russo Pavel Filonov (1883-1941)

20 maio, 2017

Recordando... Florbela Espanca


A MINHA TRAGÉDIA
Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!

Ó minha vã, inútil, mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida!...
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos, a saudade!...

Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!

Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!...

“Não sou má, mas também não sou boa”, Florbela Espanca (1894-1930)

16 maio, 2017

"Lavoura arcaica" - Raduan Nassar

Sinopse: A crescer numa pequena fazenda no Brasil, o jovem André ama a terra e desafia os sermões do pai em virtude dos sentimentos pela irmã Ana. Dividido entre o afecto desmedido da mãe e a severa autoridade do pai, André tem de escolher entre cumprir o destino do filho pródigo ou ser a ovelha tresmalhada. Confrontado entre o corpo e a alma, entre o dever filial e a liberdade, a única saída é deixar a casa da família.
… o amor na família pode não ter a grandeza que se imagina…
Lavoura arcaica” é uma belíssima e comovente história de família.
Retrato íntimo, duro e dramático  do quotidiano entre as quatro paredes do lar, onde não falta afecto, amor, sofrimento, revolta, silêncios, confissões impossíveis, revelações incómodas.
A família é a do jovem André, o filho arredio, acometido, revoltado, tresmalhado; revoltado com a agressividade, austeridade e excessiva disciplina do progenitor; enfastiado das homilias contra as tentações e dos sermões do pai à cabeceira da mesa.
"Meu pai sempre dizia que o sofrimento melhora o homem, desenvolvendo o seu espírito e aprimorando a sua sensibilidade; ele dava a entender que quanto maior fosse a dor tanto ainda o sofrimento cumpria sua função mais nobre; ele parecia acreditar que a resistência de um homem era inesgotável; que o mundo das paixões é o mundo do desequilíbrio; é através do recolhimento que escapamos ao perigo das paixões mas ninguém no seu entendimento há de achar que devamos sempre cruzar os braços, pois em terras ociosas é que viceja a erva daninha: ninguém em nossa casa há de cruzar os braços quando existe a terra para lavrar, ninguém em nossa casa há de cruzar os braços quando existe a parede para erguer, ninguém ainda em nossa casa há de cruzar os braços quando existe o irmão para socorrer."
André deixa a casa da família (1ª parte do romance) para conhecer mundo. No coração leva o afecto desmedido da mãe e o amor -milagre que viveu com Ana.
Ana, me escute, é só o que te peço (…) foi um milagre o que aconteceu entre nós, querida irmã; foi um milagre descobrirmos acima de tudo que nos bastamos dentro dos limites da nossa própria casa, confirmando a palavra do pai de que a felicidade só pode ser encontrada no seio da família.”
André acabou por ser encontrado por Pedro, o irmão mais velho, e convencido a voltar para junto da família. A "ovelha tresmalhada" retorna a casa (2ª parte do romance) para confrontar o pai.
"- Ninguém vive só de semear, pai.
- Claro que não, meu filho; se outros hão de colher do que semeamos hoje, estamos colhendo por outro lado do que semearam antes de nós. É assim que o mundo caminha, é esta a corrente da vida.
- Isso já não me encanta, sei hoje do que é capaz esta corrente; os que semeiam e não colhem, colhem contudo do que não plantaram; deste legado, pai, não tive o meu bocado. Por que empurrar o mundo para a frente? Se já tenho as mãos atadas, não vou por minha iniciativa atar meus pés também; por isso, pouco me importa o rumo que os ventos tomem…
- É muito estranho o que estou ouvindo.
- Estranho é o mundo, pai, que só se une se desunindo;"
(pobre família nossa, prisioneira de fantasmas tão consistentes!)

É triste o fim desta assombrosa história. Mas sobre isso, nada desvendo.
Lavoura arcaica” - a parábola do filho pródigo, invertida - não é para ser contada, mas lida.
Se ainda não conhece, corra a uma livraria, procure, compre, leia.
Eu, li-o de uma assentada, cativa da inteligência e sensibilidade da linguagem do escritor. Nem os enormes parágrafos derramados em duas, três, quatro páginas seguidas me fizeram desistir desta fascinante e bem contada história.  Acreditem, penetrar na intimidade da família do André foi uma experiência inesquecível.

Lavoura arcaica, de Raduan Nassar
Companhia das Letras, 2016
175 págs.
Raduan Nassar, filho de emigrantes libaneses, nasceu em 1935 em Pindorama, no interior do estado de S. Paulo, Brasil.
Estudou  Direito e Filosofia.
Nos anos sessenta escreveu o seu primeiro conto "Menina a Caminho"; viajou pelo Canadá e Estados Unidos. Regressou ao Brasil em 1962 e terminou o curso de Filosofia. Dois anos depois viajou para a Alemanha, onde estudou alemão. Visitou a aldeia dos pais, no Líbano.
Nos anos setenta publicou três livros: o romance "Lavoura Arcaica" (1975), a novela “Um copo de cólera" (1978) e o livro de contos "Menina a caminho" (1997).
Visitou Portugal em 1974, pouco após a revolução de Abril.
Nos anos oitenta, já com algum sucesso editorial no Brasil e no estrangeiro, abandonou a literatura e retirou-se para a sua fazenda, para se dedicar à criação de galinhas e coelhos.
Em 2011 distribuiu as terras pelos seus funcionários, doou a fazenda à Universidade Federal de S. Carlos e foi morar para S. Paulo.
Em 2016, foi-lhe atribuído, por unanimidade, o Prémio Camões, o mais importante prémio literário destinado a autores de língua portuguesa.

09 maio, 2017

"Que é viajar, e para que serve viajar?" - Fernando Pessoa


Que é viajar, e para que serve viajar? Qualquer poente é o poente; não é mister ir vê-lo a Constantinopla. A sensação de libertação, que nasce das viagens? Posso tê-la saindo de Lisboa até Benfica, e tê-la mais intensamente do que quem vá de Lisboa à China, porque se a libertação não está em mim, não está, para mim, em parte alguma.

As verdadeiras paisagens são as que nós mesmos criamos, porque assim, sendo deuses delas, as vemos como elas verdadeiramente são, que é como foram criadas. Não é nenhuma das sete partidas do mundo aquela que me interessa e posso verdadeiramente ver; a oitava é a que percorro e é minha.

Quem cruzou todos os mares cruzou somente a monotonia de si mesmo.
Já cruzei mais mares do que todos. Já vi mais montanhas que as que há na terra. Passei já por cidades mais que as existentes, e os grandes rios de nenhuns mundos fluíram, absolutos, sob os meus olhos contemplativos. Se viajasse, encontraria a cópia débil do que já vira sem viajar. (…)

Transeuntes eternos por nós mesmos, não há paisagem senão o que somos. Nada possuímos, porque nem a nós possuímos. Nada temos porque nada somos. Que mãos estenderei para que universo? O universo não é meu: sou eu.”.

Fernando Pessoa, poeta português (1888-1935), in “Livro do desassossego”, Ed. Tinta da China, 2014
(foto da net)

07 maio, 2017

Canção para minha Mãe - Miguel Torga


Canção Para Minha Mãe

E sem um gesto, sem um não, partias!
Assim a luz eterna se extinguia!
Sem um adeus, sequer, te despedias,
Atraiçoando a fé que nos unia!

Terra lavrada e quente,
Regaço de um poeta criador,
Ias-te embora antes do sol poente,
Triste como semente em calor!

Ias, resignada, apodrecer
À sombra das roseiras outonais!
Cor da alegria, cântico a nascer,
Trocavas por ciprestes pinheirais.

Mas eu vim, deusa desenganada!
Vim com este condão que tu conheces,
E toquei essa carne macerada
Da vida palpitantes que mereces!

Porque tu és a Mãe!
Partiste um dia aos gritos e aos arrancos,
E partirás ainda pelo tempo além,
Mesmo sem madre e de cabelos brancos!

És e serás a faia que balança ao vento
E não quebra nem cede!
Se te pediu a paz do esquecimento,
Também a força de lutar te pede!

Respira pois, seiva da duração,
Nos meus pulmões até, se te cansaste;
Mas que eu sinta bater o coração
No peito onde em menino me embalaste.

Poema de Miguel Torga, Portugal (1907-95)
Pintura da romena Anca Bulgaru.

05 maio, 2017

Vale a pena ler... José Tolentino Mendonça


“Como chegamos a ser o que somos? Por um trabalho longo e paciente, que decorre entre muita incerteza. (...)

«Estás a ouvir? Perguntou o principezinho. – Acordámos o poço e ele pôs-se a cantar…». Não se espera que existam poços num deserto. O pequeno herói de Saint-Exupéry garante, porém, que «o que torna belo um deserto é que ele esconde um poço em algum lugar». Resmungamos com a vida. Falta-lhe alguma coisa, nunca nada é perfeito, nada está acabado ou resolvido. É como se estivéssemos a jogar um jogo insolúvel: se temos o poço, falta-nos a corda; se temos a corda, falta-nos o balde; se temos a corda, o balde e o poço, falta-nos a força de ir até ao fundo da nascente buscar a água que nos dessedente. «O Principezinho» declara que não nos falta nada. Cada um de nós tem tudo o que precisa para experimentar a alegria. Não é um problema de conhecimento, é uma questão de olhar. Olharmos para o que somos e para o que nos rodeia com o coração simples, capaz de perceber o dom que nos habita. Pois, se encostarmos o ouvido até mesmo junto das nossas maiores derrotas compreenderemos que a nossa vida canta!”

Excerto da crónica “Do bom uso do fracasso”, de José Tolentino Mendonça (presbítero e poeta português, n. 1965), publicada na “E”, revista do jornal Expresso de 29 Abril 2017
Vale a pena ler na íntegra.

(Pintura de Salvador Dali , pintor espanhol (1904-89)

02 maio, 2017

26º - Excertos do "Livro do desassossego", de Fernando Pessoa


269-(1930?)
“Este livro é a minha cobardia.
(...)
Porque escrevo se não escrevo melhor? Mas que seria de mim se não escrevesse o que consigo escrever, por inferior a mim mesmo que nisso seja? Sou um plebeu da aspiração, porque tento realizar: não ouso o silêncio como quem receia um quarto escuro. Sou como os que prezam a medalha mais que o esforço, e gozam a glória na peliça.
Para mim, escrever é desprezar-me: mas não posso deixar de escrever. Escrever é como a droga que me repugno e tomo, o vício que desprezo e em que vivo. Há venenos necessários e há-os subtilíssimos, compostos de ingredientes da alma, ervas colhidas nos recantos das ruínas dos sonhos, papoilas negras achadas ao pé das sepulturas dos propósitos, folhas longas de árvores obscenas que agitam os ramos nas margens ouvidas dos rios infernais da alma.
Escrever, sim, é perder-me, mas todos se perdem, porque tudo é perda. Porém eu perco-me sem alegria, não como o rio na foz para que nasceu incógnito, mas como o lago feito na praia pela maré alta, e cuja água sumida nunca mais regressa ao mar.”

Leia (tudo) e… deslumbre-se!