31 julho, 2014

12º - Você sabe em que livro se esconde este "primeiro parágrafo"?

“Depois das coisas acontecerem, é quase irresistível reflectir sobre o que teria sido a vida, se se tem feito diferente. Se soubesse o que o destino lhe reservava nos próximos tempos, talvez Luís Bernardo Valença nunca tivesse apanhado o comboio, naquela chuvosa manhã de Dezembro de 1905, na estação do Barreiro.

Resposta do 11º “Primeiro Parágrafo”:
Em “Rosa Brava”, de José Manuel Saraiva, ed. Oficina do Livro, 2005

25 julho, 2014

TOLSTOI em "O enredo conjugal" de Jeffrey Eugenides

"… Tolstoi contava uma fábula russa sobre um homem que, perseguido por um monstro, se lança para dentro de um poço. Todavia, quando vai a cair pelo poço abaixo, o homem vê que está um dragão no fundo, pronto para comê-lo. Nesse momento, o homem repara num galho que se destaca da parede, agarra-se a ele e fica pendurado. Assim evita cair nas mandíbulas do dragão, ou ser comido pelo monstro que o persegue, mas nessa altura surge um pequeno problema. Dois ratos, um preto e um branco, correm pelo galho, que vão roendo à volta. É apenas uma questão de tempo até roerem o galho todo e o homem cair. Enquanto pensa no seu destino irremediável, o homem repara noutra coisa: do extremo do galho a que está agarrado escorrem umas gotas de mel. O homem estende a língua para lamber o mel. 
É esta, dizTostoi, a sina do ser humano: somos o homem agarrado ao galho. A morte espera por nós. Não podemos fugir-lhe. E por isso distraímo-nos lambendo qualquer gota de mel que esteja ao nosso alcance."

21 julho, 2014

"O enredo conjugal" - Jeffrey Eugenides

O mal de amor é muito engraçado para toda a gente menos para quem dele sofre.
Estarão as grandes histórias de amor do século XIX mortas? Ou existirá uma história nova, escrita para os nossos dias e atenta às realidades do feminismo, da liberdade sexual, das convenções antenupciais e do divórcio?
Depois do empolgante e extraordinário “Middlesex” (2002), decepcionou-me este romance de Jeffrey Eugenides. Reconheço que ele continua a escrever muito bem, mas o enredo desta história de amor, que poderia ser simples e cativante, é massudo, intrincado e desinteressante. Do total das 500 páginas, cativaram-me as primeiras 166 e mais algumas lá para o fim. As restantes, bem, as restantes… enfastiaram-me por completo.
A história começa no dia da cerimónia de formatura dos jovens estudante da Universidade de Brown, em Providence, que concluíram os respectivos cursos. Está-se no início na década de 1980. O país está numa recessão profunda e a vida, depois da universidade, é mais dura do que nunca.
Logo nos primeiros parágrafos conhecemos Madeleine Hanna. Ela é filha de pais cultos e ricos. Uma aluna aplicada de Estudos Ingleses – a opção de quem não sabia que opção tomar - e uma romântica incurável. Está no quarto, deitada na cama, com uma almofada a tapar-lhe a cara. Tenta dormir, depois de uma noite de excessos. Os pais, Alton e Phyllida, tocam à campainha do apartamento que ela partilha com duas raparigas. Chegaram cedo de Nova Jérsey, para a verem receber o diploma. Querem comemorar não apenas o sucesso da filha mas também o seu próprio sucesso de pais.
O problema é que ela… tinha perdido a fé no significado do dia e naquilo que ele representava.
Madeleine adora ler. No quarto tem a obra completa de Henry James, todos os romances de Edith Wharton, muito Dickens, um cheirinho de Trollope, boas doses de Austen, George Elliot, Brönte, os romances de Colette. Leu-os a todos. Alguns várias vezes. Também lá está a primeira edição de Casais Trocados, pertença da mãe, que Madeleine usa como apoio textual na sua tese de bacharelato sobre o enredo conjugal na literatura inglesa.
Em assuntos do coração Madeleine era contra a ideia do sexo sem compromisso mas extremamente gratificante e seguia algumas regras: não andava com rapazes que não gostassem dos pais… não gostava de rapazes nervosos... não namorava rapazes que iam a psiquiatras.
Teve alguns “casos” com colegas até se apaixonar por dois rapazes que “furam” todas as regras: Mitchell Grammaticus e Leonard Bankhead.
Mitchell é um rapaz inteligente, com fraca auto-estima. Apaixonado por  Madeleine só pensa: “Vou-me casar com esta rapariga.”
No final do curso de estudos religiosos, depois de um verão de tédio, sem o amor de Madeleine e alguns empregos de último recurso, viaja durante quatro meses por nove países diferentes. Numa espécie de peregrinação, ele tenciona encontrar o significado das várias religiões e respostas sobre o sentido da vida.
Começa por Paris, segue-se Atenas, depois… muitas peripécias depois (contadas em muitas, muitas páginas) Calcutá, a cidade mais pobre do mundo, onde faz voluntariado.
Quatro meses depois regressa e encontra o país ainda em recessão e Madeleine casada com o rival Leonard.
Leonard, é filho de pais alcoólicos, um aluno brilhante de ciências, introvertido, frenético, carismático. Quer seguir investigação. Aos dezoito anos, no primeiro ano de faculdade, foi-lhe diagnosticada uma doença que não tinha cura, uma doença que só se podia “gerir” - psicose maníaco-depressiva. Eu sou mercadoria estragada, dizia ele.
Quando Madeleine descobriu já estava apaixonadamente envolvida e nem a leitura diária das desconstruções do amor, de Barthes ajudavam a diminuir o seu amor por ele.
E mais não conto.
Como irá Madeleine resolver o seu próprio “enredo conjugal”?
Leia e saiba que as pessoas não salvam outras pessoas. Salvam-se a si próprias. 
Leia e encontre a padaria portuguesa e a peixaria portuguesa que vendia sardinhas e lulas.
A sério!

O enredo conjugal, de Jeffrey Eugenides
Ed. D. Quixote, 2014
500 págs.

11 julho, 2014

"Contos Municipais" - António Manuel Venda

Chegou às bancas mais um livro de António Manuel Venda.
É um livro pequenino, com dez contos que retratam situações vividas num pequeno município do interior do país.
São histórias bem imaginadas, bem escritas, cheias de humor, ironia e personagens surpreendentes: um presidente, alguns vereadores, os inevitáveis técnicos, uma empregada de limpeza, uns tipos da inspecção (da capital), um ouriço-cacheiro com um cargo que não é nada de deitar fora, uma bruxa, o diabo, secretárias, amantes, uma toupeira de risca azul, um ladrão, uma “préfeita” e outros mais.
Gostei de todas, mas destaco três. São perfeitas, bizarras, risíveis. 
As grandes opções do plano” - O caso começou quando uma empregada de limpeza, mulher já de uma certa idade, deu com um vereador e a assessora mais próxima, os dois em cima da mesa de uma das salas de reuniões, muito concentrados a tratar das grandes opções do plano…a empregada, ao acordar depois de recolhidas pelos bombeiros após um desmaio em cujo tombo abriu a cabeça, só falava das grandes opções do plano e de que o vereador e a assessora estavam em cima da mesa. Não conseguia dizer mais nada, apenas isto:
- Estavam os dois em cima da mesa a tratar das grandes opções do plano!
Duas nuvens furiosas em pleno verão” - Num belo dia de verão, a meio da semana, duas pequenas nuvens muito escuras aproximaram-se da sede do concelho… começou a juntar-se gente, tentando perceber aquele fenómeno… noutro belo dia desse mesmo Verão, ainda com mais calor, as duas nuvens voltaram a aparecer… notaram que havia qualquer coisa que começava a desprender-se das nuvens. Era granizo…. O ataque seguinte foi completamente inesperado… foi uma chuva de diospiros, todos muito maduros, mesmo não sendo a época deles.
“Ligação umbilical”Muitas pessoas na câmara já tinham ouvido falar no município brasileiro de Turibim de Parapapá, mas poucas sabiam dizer bem o nome. Ou nenhuma, tirando um dos vereadores, que era quem tratava do caso. E o caso tinha a ver com um processo de ligação umbilical… Claro que o município de Tupiribim de Parapapá não existia, mas nunca ninguém se tinha preocupado em ir comprovar… A verdade é que o vereador tinha uma conhecida no Brasil, uma rapariga ainda nova, que às vezes aparecia no concelho em visita oficial como perfeita de Tupiribim Parapapá, a tratar de assuntos da ligação umbilical… a ligação à rapariga era forte. Umbilical.
Mas que histórias bem “esgalhadas”!
A brincar, a brincar, dizem-se coisas sérias .
Há "fartura" de municípios, portanto, venham mais contos.
Gostei!

Contos municipais, de António Manuel Venda
Ed. Just Media, 2014
87 págs.

04 julho, 2014

"A mulher certa" - Sándor Márai

A vida magoa-nos de tantas maneiras.
Se gosta de boas histórias de amor, este romance foi escrito para si. Se gosta delas com laivos de paixão, desejo, ciúme, ilusão, riqueza, pobreza, mentira, crueldade, solidão e morte, continuo a dizer que este romance foi escrito para si. Se gosta de enredos realistas e inteligentes, de apuro na descrição dos ambientes, de rigorosa caracterização das personagens, repito, este romance foi escrito para si.
Acredite em mim, esta é uma poderosa, surpreendente e inesquecível história de amor, narrada por três vozes e sensibilidades diferentes.
Confuso?
Eu explico: este romance - do mestre das paixões e dos triângulos amorosos, onde se encontram as páginas mais íntimas e arrojadas, as mais sábias, de Sándor Márai - demorou quarenta anos a ser concluído.
Em 1940, foi publicado Az Igazi (A mulher certa), um romance composto por dois monólogos.
Em 1949, o autor adicionou-lhe um terceiro monólogo, escrito durante o seu exílio em Itália.
Em 1980, reescreveu a terceira parte e juntou-lhe um epílogo.
O primeiro monólogo é de Marika. Ela está com uma amiga numa elegante cafetaria de Budapeste, e vê entrar o ex-marido. Relata, então, à amiga, como descobriu que o marido estava entregue de corpo e alma a uma paixão secreta que o consumia e como tentara, em vão, reconquistá-lo.
Tu, olha, aquele homem. Espera, não olhes agora, vira-te para mim, conversemos. Eu não gostaria que reparasse em mim, me visse, nem gostaria que me cumprimentasse… Aquele alto, pálido, de gabardina preta, que fala com a empregada loira e magra. Acabou de embrulhar casca de laranja cristalizada. Interessante, a mim nunca me comprou casca de laranja cristalizada… Já se foi? Diz-me, quando se for…. Se posso dizer-te quem era? Claro que posso, minha querida, não é segredo. Esse homem foi meu marido… há três anos que não falo com ele… Sabes quem era o meu marido? O fenómeno mais raro deste mundo. Era um homem… Sofri muito a seu lado. Mas sei que gostava dele… Talvez algumas paixões sejam mais fortes do que a vida, do que a razão, do que o tempo. Queimam e deixam tudo em cinzas? É possível… E aqui estou sentada contigo, enquanto o meu marido manda embrulhar laranja cristalizada para outra… Para quem? Ora, para outra mulher. Não me agrada pronunciar o seu nome. Com quem casou, a seguir. Não sabias que voltou a casar?
O segundo monólogo é de Péter. Na mesma cidade, uma noite, num bar, ele confessa a um amigo como deixou Marika para se casar com Judit, a mulher que desejava há anos, e como depois a perdeu.
Tu, olha aquela mulher... A loira de chapéu redondo? Não, a alta, num casaco de pele de marta – sim, a morena, a mulher alta, que não traz chapéu. Ajuda-as um homem atarracado, certo?... Aquele é o homem com quem tive esse doloroso e estúpido duelo. Por causa da mulher?... Pois claro, por causa da mulher… Se posso dizer quem é a mulher?... Posso, meu velho. Essa mulher foi minha mulher. Divorciámo-nos há três anos. Logo a seguir ao duelo… Áldozó Judit era o seu nome. Era uma camponesa. Veio com dezasseis anos para servir em casa dos meus pais… A primeira era perfeita. Não posso negar que a amei. Só tinha um pequeno defeito… era burguesa, uma mulher burguesa. Não entendas mal, eu também sou burguês. Vens tu agora dizer-me que sou um homem ressentido. Que alguém me magoou. Talvez aquela mulher, a minha segunda mulher. Ou a primeira. Algo falhou… Estou cheio de cólera. Não confio nas mulheres, no amor, na humanidade… 
O terceiro monólogo é de Judit. De madrugada, numa pequena pensão romana, ela conta ao seu amante como o seu casamento com um homem rico sucumbiu ao ressentimento e à vingança.
O que estás a ver, meu amor? Fotografias?... Sabes que te adoro. Porque és belo. Porque és um artista. Porque és único… Não quero que rias… só porque estou apaixonada por ti… É a velhice… essa ladra e assassina… tenho ainda o direito a amar-te e, como vês, não me faço rogada, devoro a felicidade que me dás… Virá o dia em que não terei direito de te amar, porque serei velha…O ventre flácido, os seios caídos… Não me consoles. Eu sei bem a lição… Verás que é assim… Aprendi que nos devemos ir embora no tempo certo… Queres saber quem me ensinou? Sim, aprendi com esse homem cuja fotografia tens na mão… O que queres saber? Se foi meu marido? Não, tesouro, não foi o meu marido. Meu marido foi o outro, aí, no canto do álbum, com casaco de pele… Os ricos são muito estranhos, meu anjo. Olha, também eu vivi uns tempos nessa espécie de riqueza… Não me envergonhava nada no meio deles, acredita. Nunca me mostrei tímida, nem púdica, e enchi bem a bolsa… Já te disse que não o amava. Houve um tempo em que o amei… em que estava apaixonada, porque não vivia com ele. As duas coisas não se dão juntas, sabias?
Segue-se o epílogo, para mim, desnecessário.
(Seleccionei frases de cada um dos monólogos e juntei-as com reticências.)

Sándor Márai nasceu em 1900, numa pequena cidade húngara, que hoje pertence à Eslováquia. Passou por um período de exílio voluntário na Alemanha e na França durante o regime de Horthy, nos anos 20, até que abandonou definitivamente o seu país em 1948, com a chegada do regime comunista, tendo emigrado para os Estados Unidos. A subsequente proibição da sua obra na Hungria fez cair no esquecimento quem nesse momento era considerado um dos escritores mais importantes da literatura centro-europeia. Foi preciso esperar várias décadas, até à queda do regime comunista, para que o escritor fosse redescoberto no seu país e no mundo inteiro. Sándor Márai suicidou-se em 1989, na Califórnia, poucos meses antes da queda do muro de Berlim.

Bem, está decidido, vou continuar a procurar o deslumbramento nos romances de Sándor Márai. O próximo será "A Irmã".
Você, leia "A mulher certa" munido de um lápis afiado. Vai precisar dele para sublinhar as palavras certas, colocadas nas frases certas. E são muitas.
Nunca se é bastante sábio para dizer por que motivo se juntam um homem e uma mulher, e porque, depois, se separam.
...porque é que na escola não se ensina nada sobre as relações entre homens e mulheres?
Não sei!

A mulher certa, de Sándor Márai
Tradução de Ernesto Rodrigues
Ed. Dom Quixote, 2007
418 págs.

02 julho, 2014

11º - Você sabe em que livro se esconde este "primeiro parágrafo"?





“No mesmo dia em que Briolanja Mendes foi a sepultar, na campa rasa de um montesinho situado a pouco menos de uma légua das terras pertencentes à casa do conde de Barcelos, D. Leonor Teles de Menezes cumpriu uma jura antiga: abandonou o marido e o filho, virou costas a Pombeiro e partiu  para Lisboa.”

Resposta do 10º “Primeiro Parágrafo”:
Em “A louca da casa”, de Rosa Montero, ed. ASA, 2004

01 julho, 2014

Primeiro de Julho



"Primeiro de Julho. O dia que divide o ano como uma risca ao meio divide o cabelo."



Em  “O inverno do nosso descontentamento”, de John Steinbeck, Ed. Circulo de Leitores, 1993
(Foto tirada da net)