26 fevereiro, 2016

"Quando tudo se desmorona" - Chinua Achebe

Os homens aprenderam a disparar sem falhar e eu aprendi a voar sem me empoleirar em nenhum galho.
Publicado em 1958, este brilhante romance do nigeriano Chinua Achebe (1930-2013) - o escritor sobre quem Nelson Mandela disse «na sua companhia os muros da prisão caíam» - narra a vida de Okonkwo, guerreiro valente e estimado nas nove aldeias do Ibo, Nigéria, entre o final do século XIX e o início do século XX.
Mais, retrata o quotidiano mágico de Umuofia - aldeia onde ele vive com as suas três mulheres e os seus filhos – antes e depois do homem branco chegar, "para pacificar" a região.
Mais ainda, descreve os efeitos nefastos na sociedade africana tradicional, da cultura europeia imposta à força pelos primeiros missionários britânicos.
Mas voltemos a Okonkwo, o jovem que não herdou um celeiro, porque não havia celeiro para herdar; o jovem que tinha um medo que lhe tolhia a vida: poder vir a ser como o seu pai – um homem mandrião, fracassado, imprevidente, que morreu sem qualquer título e endividado; o jovem talhado para grandes coisas  que tinha uma ambição: ser um dos mais ilustres filhos de Umuofia.
Felizmente na aldeia de homens corajosos e bélicos, leais aos seus costumes, aos seus mitos, aos seus antepassados, às palavras sábias dos seus anciãos - um homem era julgado pelo seu valor e não de acordo com o mérito do seu pai; a idade era respeitada; a proeza era reverenciada - e Okonkwo, com muito trabalho e entusiasmo, tornou-se um guerreiro valente, um agricultor abastado, um bom chefe de família, um respeitado membro do clã.
Mas um dia...
... um dia comete um crime contra a deusa da Terra e é expulso do clã, com as suas três mulheres e os seus onze filhos, para cumprir sete anos de exílio na sua terra mátria. Era a justiça da deusa Terra.
Em Mbanta ele é bem recebido pelo povo e pelos parentes da sua mãe. Depois de escutarem a sua história, dão-lhe terreno para construir cabanas para a família e terra para cultivar inhame. Okonkwo tem de voltar a trabalhar arduamente, mas o trabalho já não tem para ele o prazer que costumava ter. Ele sabe que em sete anos, em Umuofia teria alcançado grandes coisas. Lamenta cada dia do seu exílio.
Entretanto, os missionários chegam à região - fomos enviados por este grande Deus para vos pedir que abandoneis os vossos costumes perversos e falsos deuses e vos volteis para Ele, para que possais ser salvos quando morrerdes - e tudo se complica nos vários clãs.
Passados os sete anos de exílio, Okonkwo regressa a Umuofia. Encontra o clã a desmoronar-se. O colonizador branco, ignorando os costumes locais, impusera ao seu povo uma religião, um governo e um tribunal. Umuofia parecia um animal assustado com as orelhas espetadas a farejar o ar silencioso e ameaçador sem saber para que lado fugir.
Okonkwo revolta-se e é preso, e o chicote do carcereiro deixa sulcos profundos nas suas costas. Ele, ainda um guerreiro valente, vinga-se e... tudo se desmorona.
O que aconteceu? Leia, para saber. 
Eu li e agora reli. Feitiço africano? 
Talvez!

Quando tudo se desmorona, de Chinua Achebe
Tradução de Eugénia Antunes e Paulo Rêgo
Ed. Mercado de Letras, 2007
179 págs.

23 fevereiro, 2016

Surripiei daqui... "Em teu ventre", de José Luís Peixoto


 

“Peço-te perdão, mãe, luz mais incandescente do que o sol.
Se fui indigno do que antecipaste para mim, se te faltei no que só eu podia permitir (…).”


“(Não precisas de pedir desculpa. Perdoei-te antes de a luz se separar das trevas, antes mesmo de as trevas cobrirem o abismo. Ainda não tinhas escrito uma única palavra e já eu te tinha perdoado. Perdoei-te antes do verbo.)”


Não foi por mal!

(Fotos da net)

21 fevereiro, 2016

Harper Lee (1926-2016)



"Lembra-te que é pecado matar uma cotovia. As cotovias não fazem nada a não ser cantar belas melodias para nós. Não estragam os jardins das pessoas, não fazem ninhos nos espigueiros, só sabem cantar com todo o sentimento para nós. É por isso que é pecado matar uma cotovia."
Em "Mataram a cotovia", ed. Preença, 2012.

"Cega, é isso mesmo. Nunca abri os olhos. Nunca me ocorreu olhar o coração das pessoas, vi-lhes apenas o rosto. Ceguinha de todo, pior que uma pedra... Preciso de uma sentinela para andar comigo e informar-me do que vê de hora a hora. Preciso de uma sentinela que me diga que isto é o que um homem diz mas não é o que ele pensa, que trace uma linha pelo meio e diga isto é um tipo de justiça e aquele é outro, e me faça compreender a diferença." 
Em "Vai e põe uma sentinela", ed. Presença, 2015

HARPER LEE  (28 de Abril, 1926 /19 de Fevereiro, 2016), escritora americana que publicou apenas dois romances:
- o magnífico e luminoso "Mataram a cotovia", um enorme  e imediato sucesso de vendas, logo após a sua publicação em 1960.
- o singelo e opaco "Vai e põe uma sentinela", cujo manuscrito ela escondeu em meados da década de 1950 e alguém descobriu e publicou em 2015.
Aconteceu, mas não devia.
Digo eu!

Umberto Eco (1932-2016)


«Um livro?». perguntei-lhe.
«Um livro. As memórias de um jornalista, o relato de um ano de trabalho para preparar um diário que nunca sairá. Por outro lado, o título do jornal deveria ser Amanhã, parece um lema para os nossos governos, falaremos disso amanhã. Portanto, o título do livro deverá ser Amanhã:Ontem. Bonito, não é?»
«E quer que seja eu a escrevê-lo? Porque não o escreve você? É jornalista, não é? Pelo menos, visto que está em vias de dirigir um jornal...»
«Ser director não quer dizer saber escrever. Ser ministro da Defesa não quer dizer saber atirar uma granada. Naturalmente que, durante todo o ano que vem, discutiremos o livro dia após dia - terá de lhe pôr o estilo, a pimenta, mas as grandes linhas controlo-as eu.»
Em "Número zero", ed. Gradiva, 2015 

UMBERTO ECO (5 de Janeiro, 1932 / 19 de Fevereiro, 2016), filósofo, medievalista e semiólogo italiano, estreou-se na narrativa com o "Nome da Rosa" em 1980, a que se seguiram "O Pêndulo de Foucault", "A Ilha do Dia Antes", "Baudolino", "A Misteriosa Chama da Rainha Loana", "O Cemitério de Praga" e "Número  Zero", em 2015.

Estou decidida a ler, ou reler, todos os romances (e os "Diários Mínimos") de Umberto Eco, até ao final de 2016.
Vou cumprir!

19 fevereiro, 2016

Mãe, há só uma!


O que devemos fazer quando vivemos longe da nossa mãe e ela adoece? 
Correr para junto dela, claro!
Foi o que eu fiz depois de alertada por um telefonema, precisamente no dia do seu 87º aniversário (30 de Janeiro).
Eu vivo na zona de Lisboa desde que regressei de Moçambique, em 1975. A minha mãe, depois de vários anos na capital voltou com o meu pai para a terra transmontana onde nasceu. Na altura reagi mal à separação, mas depois compreendi: era naquela terra pequenina perdida para lá dos montes que estavam as suas raízes: a sua casa, os seus irmãos e irmãs, as suas amigas da juventude.
Tudo correu bem, durante muitos anos. Eu ia lá. Eles vinham cá.
Depois... ela enviuvou e por lá quis continuar. Tudo bem. Eu ia lá em Agosto. Ela vinha cá em Dezembro.
Depois... ela envelheceu e tudo mudou. Eu ia lá às vezes na Páscoa e sempre em Agosto. Ela deixou de vir cá em Dezembro. 
Sair de lá? Nunca.
E os anos passaram, e chegou 2016, e tive de correr para junto dela.
E durante duas semanas acompanhei-a em casa e no hospital. E procurei, sem sucesso, um lar ou família de acolhimento onde a pudesse alojar, já que ela perdera toda a autonomia. Muitas alternativas. Nenhuma vaga.
Foram duas semanas de frio gélido, chuva e vento forte, nevoeiro envolvente e perigoso. Duas semanas de muita angústia. Duas semanas em que nada me confortou. Nada! Telefonemas e mensagens de familiares e amigos. Nada!
Nada, mesmo nada. Nada nos conforta quando assistimos, impotentes, ao sofrimento da nossa mãe. Nada!

Acontece que não sou filha única. Tenho uma irmã mais nova, que vive relativamente perto de mim.
A minha mãe tem duas filhas e cinco netos e seis bisnetos. Votos suficientes para se decidir trazê-la para baixo. Foi o que aconteceu no passado sábado, depois da disponibilidade da Corporação de Bombeiros da terra para o seu transporte de ambulância até casa de um neta, na Grande Lisboa.

Agora, com calma, vamos todos procurar um lar decente e acolhedor para a velhinha Maria.
Agora, sem calma, eu tento tratar uma gripe chata que me deixa prostrada, revoltada e sem vontade de folhear, sequer, um livro. Não a merecia. Agora, não!

(Desabafei. Pronto!)

16 fevereiro, 2016

Surripiei daqui... "Em teu ventre", de José Luís Peixoto


“(ENTENDER OS OUTROS não é uma tarefa que comece nos outros. O início somos sempre nós próprios, a pessoa em que acordámos nesse dia. Entender os outros é uma tarefa que nunca nos dispensa. Ser os outros é uma ilusão. Quando estamos lá, a ver aquilo que os outros veem, a sentir na pele a aragem que outros sentem, somos sempre nós próprios, são os nossos olhos, é a nossa pele. Não somos nós a sermos os outros, somos nós a sermos nós. Nós nunca somos os outros. Podemos entendê-los, que é o mesmo que dizer: podemos acreditar que os entendemos. Os outros até podem garantir que estamos a entendê-los. Mas essa será sempre uma fé. Aquilo que entendemos está fechado em nós. Aquilo que procuramos entender está fechado nos outros.)”


“(Não se pode imaginar onde chegariam as mães sem o melindre a que as sujeitam. Se um louco agredir o filho, a mãe fica logo à sua mercê. O mal que fizerem ao filho será como se fizessem dez vezes pior a ela. Depois, o tempo passa. Quando crescem, os filhos seguem as suas vidas e, contrariados, visitam as mães em dias santos e folgas. Já não lhes fazem falta.)”


“Ao filho autêntico, basta fechar os olhos para encontrar o rosto da mãe.”


Não foi por mal!

(Fotos da net)

09 fevereiro, 2016

Surripiei daqui... "Em teu ventre", de José Luís Peixoto


“(Não te peço os exageros de Deus a falar da sua mãe, mas seria tão bom se tivesses alguma coisa agradável para dizer sobre mim. Não seria preciso que mo dissesses cara a cara, bastava que escrevesses. Depois, quando lesse essas palavras, podia imaginá-las na tua voz.)”

“(Na hora em que nasceste, também eu nasci. O teu olhar trouxe-me oportunidade de abandonar o peso dos erros, memórias inúteis. Descobri tarde que, afinal, sem esses erros, eu era outra pessoa.)”

“(Os teus olhos apenas veem o que são capazes de ver. É sempre assim. É tua obrigação desconfiar do que vês, questioná-lo até ao último resto de sombra.)”

“(... quando não me achares na tua cabeça, será porque tu próprio não estás lá. Sou a tua mãe, sou o universo. Acredita: nunca me conseguirás manter entre parêntesis.)”


“Quando choras, mãe, o mundo inteiro chora contigo.”


Não foi por mal!

(Fotos da net)

02 fevereiro, 2016

12º - Excertos do "Livro do desassossego", de Fernando Pessoa

126-(1916?) Anteros – O Amante Visual
“Tenho do amor profundo e do uso proveitoso dele um conceito superficial e decorativo. Sou sujeito a paixões visuais. Guardo intacto o coração dado a mais irreais destinos.
Não me lembro de ter amado senão “o quadro” em alguém, o puro exterior – em que a alma não entra para mais que fazer esse exterior animado e vivo – e assim diferente dos quadros que os pintores fazem.
Amo assim: fixo, por bela, atraente, ou de outro qualquer modo, amável, uma figura, de mulher ou de homem – onde não há desejo não há preferência de sexo – e essa figura me obceca, me prende, se apodera de mim. Porém não quero mais que vê-la, nem olho nada com mais horror que a possibilidade de vir a conhecer e a falar à pessoa real que essa figura aparentemente manifesta.
Amo com o olhar, e nem com a fantasia. Porque nada fantasio dessa figura que me prende. Não me imagino ligado a ela de nenhuma maneira, porque o meu amor decorativo nada tem de mais psíquico. Não me interessa saber quem é, que faz, que pensa, a criatura que me dá para ver o seu aspeto exterior.”


Leia (tudo) e… deslumbre-se!