26 junho, 2016

Não sei o que se passa comigo...


Não sei o que se passa comigo.
Perdi a vontade de ler, de escrever, de falar, de sorrir. Apenas me apetece chorar.
Sinto-me totalmente desorientada, desmotivada, infeliz.
Leio as primeiras páginas de um livro, e logo o ponho de lado.
Inicio a escrita de um texto, e logo me enrolo num emaranhado de palavras sem nexo.
Abro o meu “rol de leituras”, e logo o fecho perdida em pensamentos derrotistas.

Eu sei o que se passa comigo.
Uma dor medonha, consome-me sempre que visito a minha mãe no lar aonde agora ela vive.
Cada dia mais velhinha, cada dia mais magra, cada dia mais silenciosa, cada dia mais parada, cada dia mais triste.
Eu, choro de culpa, de impotência, de saudade.
Não há livro, nem caneta, nem papel, nem teclado de computador que me ajude a saber o que fazer.
Vai passar? Não sei.

Mãe!

10 junho, 2016

"Istambul" - Orhan Pamuk

“Quem quer dar um sentido à sua existência interroga-se também, pelo menos uma vez na vida, sobre a situação e a época em que nasceu. O que significa nascer em certo lugar do mundo e em determinado momento da História? A família, o país, a cidade que nos são atribuídos como um bilhete de lotaria, que nos pedem que amemos e que acabamos por amar na maior parte das vezes, serão fruto de uma partilha equitativa? Por vezes, ao ver as reínas e as cinzas do Império Otomano, sinto que tive azar em nascer em Istambul, em nascer nesta cidade a envelhecer num ambiente de derrota, de miséria e de tristeza. (Porém, uma voz dentro de mim diz-me que não, que isso, na realidade, é uma sorte.) No que toca a riqueza, acontece-me pensar às vezes que tive sorte em nascer numa família abastada de Istambul (embora haja quem diga o contrário). A maior parte do tempo, contudo, penso que Istambul, o lugar onde nasci e onde passei toda a minha vida, faz parte do meu destino – tanto como o meu corpo (se ao menos pudesse ter os ossos um pouco mais largos e fosse um pouco mais bonito…) e o meu sexo (a minha sexualidade dar-me-ia menos problemas se eu fosse mulher?), coisas de que acabei por me convencer que não devia queixar-me – e que fazendo parte do meu destino, não pode ser posto em questão. Este livro é sobre esse destino...”
Nasci a 7 de Junho de 1952… em Istambul.

Istambul” cruza a história (da família Pamuk) com a História (da Turquia).
É o relato intimista, autobiográfico, sem filtros, da infância, adolescência e primeiros anos da idade adulta do autor, na cidade onde nasceu e sempre viveu.
É o relato do quotidiano no Edifício Pamuk (a minha mãe, o meu pai, o meu irmão mais velho, a minha avó paterna, as minhas tias, os meus tios e respectivas mulheres: vivíamos todos juntos, espalhados pelos cinco andares do prédio), onde não faltavam pianos, que ninguém tocava; dos passeios à beira do Bósforo, no Dodge modelo 1952, conduzido pelo pai; das estranhas ausências dos progenitores - Por vezes, o meu pai ia para longe… o meu irmão e eu sentíamos que não devíamos fazer perguntas… Na verdade, por vezes a minha mãe também desaparecia.
É o retrato de Istambul, cidade grande, bela, triste e derrotada, a ocidentalizar-se sobre as glórias imperiais mortas e enterradas. Um lugar familiar, com  a sua memória, a sua geografia e as suas mesquitas, e, ao mesmo tempo, é um mundo sem igual, único e por isso mesmo extraordinário.
A complementar a perfeita narrativa cronológica, mais de duzentas fotografias "mostram" a família Pamuk, a fascinante Istambul, o movimentado Bósforo. Sempre o Bósforo. Tudo a preto e branco. Tudo luminoso.
Istambul” é um enternecedor e inteligente livro de memórias, um documento histórico, que nos prende da primeira à última página.
Memórias escritas. Memórias mostradas.
Istambul” lê-se e vê-se. Não se conta.
Acredite!

Istambul, de Orhan Pamuk, Prémio Nobel da Literatura, 2006
Tradução de Filipe Guerra
Ed. Presença, 2008
365 págs.

Visitei a Turquia, em 2009.
No regresso, escrevi no meu blogue http://fugasreveladas.blogspot.pt/:
"Viagem de férias à Turquia com visita a Istambul, Ancara, Capadócia, Konya, Pamukkale, Éfeso, Izmir, Pergano, Tróia e Çanakkale.
País com um riquissimo património histórico, uma diversidade geográfica impressionante, um contraste entre o antigo e o moderno admirável, um povo simpático e hospitaleiro, foi um destino de férias espectacular.
Em Istambul destaco a visita ao Palácio Topkapi (antigo centro de poder do Império Otomano), a Mesquita Azul (lindíssima com os seus azulejos azuis de Iznik, os minaretes, as cúpulas, um dos edifícios religiosos mais famosos do mundo), a Igreja de Santa Sofia (magnífico monumento bizantino com mais de 1400 anos, foi no século XV convertido em mesquita), o Mercado das Especiarias, o Grande Bazar (um labirinto de ruas com mil e uma lojas repletas de produtos tentadores e lojistas alvoraçados onde apetece voltar sempre, sempre, e comprar tudo, tudo), o Circuito do Bósforo (uma vista deslumbrante de Istambul e dos velhos monumentos), o tráfego constante, o desfrute dos inúmeros espaços verdes, a cozinha apetitosa, etc., etc."
Visite também e deslumbre-se!

07 junho, 2016

16º - Excertos do "Livro do desassossego", de Fernando Pessoa

S2-29.3.1930
Sabemos bem que toda a obra tem que ser imperfeita, e que a menos segura das nossas contemplações estéticas será a daquilo que escrevemos. Mas imperfeito é tudo, nem há poente tão belo que o não pudesse ser mais, ou brisa leve que nos dê sono que não pudesse dar-nos um sono mais calmo ainda. E, assim, contempladores iguais das montanhas e das estátuas, gozando os dias como os livros, sonhando tudo, sobretudo, para o converter na nossa íntima substância, faremos também descrições e análises, que, uma vez feitas, passarão a ser coisas alheias, que podemos gozar como se viessem na tarde.”

170-(1929?)
“O cansaço de todas as ilusões e de tudo o que há nas ilusões – a parte delas, a inutilidade de as ter, o antecansaço de ter que as ter para perdê-las, a mágoa de as ter tido, a vergonha intelectual de as ter tido sabendo que haveriam de ter tal fim.
A consciência da inconsciência da vida é o maior martírio imposto à inteligência. Há inteligências inconscientes – brilhos do espírito, correntes do entendimento, mistérios e filosofias – que têm o mesmo automatismo que os reflexos corpóreos, que a gestão que o fígado e os rins fazem das suas secreções.”

Leia (tudo) e… deslumbre-se!