05 outubro, 2012

"A ilha de Sukkwan" - David Vann

Nessa noite o pai voltou a chorar.
Pela manhã, Roy lembrou-se do choro, e pareceu-lhe que isso era exactamente o que não devia fazer. Por uma espécie de acordo em que não fora tido nem achado, cabia-lhe escutar à noite e não só esquecer tudo durante o dia como, de certo modo, fazer de conta que nada tinha acontecido. Começou a recear as noites dos dois juntos…
Eis uma extraordinária e avassaladora história sobre a relação pai e filho, uma viagem repleta de suspense pelas profundezas da alma humana, uma escrita que lembra o melhor de Cormac McCarthy (o escritor preferido de David Vann), uma história para ler e pensar, com uma trama para manter em segredo.
Por isso, digo apenas que este romance surge vinte e três anos após o suicídio do pai do autor, um longo e desesperante período de tempo que necessitou para lidar com a tragédia, a vergonha daquela morte, se redimir da culpa, atenuar a raiva e perceber porque todo o seu amor não fora suficiente para o salvar.
David Vann disse NÃO quando o pai, depois da separação da mãe, lhe pediu para que fosse viver com ele um ano para o Alasca. David Vann, então com treze anos, recusou deixar a mãe, a irmã, os amigos e a escola. O pai, que vivia um período de profunda depressão, e talvez procurasse a cura no convívio com o filho, suicidou-se duas semanas depois.
E se tivesse dito sim?
É exactamente o que acontece neste romance, com Roy, também com treze anos, a dizer SIM ao pedido do pai, para passar com ele um ano em completo isolamento na paisagem idílica mas hostil do Alasca. Seria a viagem do reencontro de ambos, a viagem da salvação.
No início da viagem Roy sentia-se descontraído, feliz e seguro na companhia do pai. Mas, rapidamente tudo se complicou e o cenário idílico tornou-se agressivo, as condições de sobrevivência mínimas, a fragilidade psicológica do pai preocupante, o relacionamento entre os dois preso por um fio.
A meio do romance a situação torna-se incontrolável, o fio parte e o pesadelo acontece.
Não estavam habituados àquele lugar nem à maneira de ali viver nem um ao outro.
Que grande romance.
 
(Curiosidade:
Acendeu o lume no fogão, depois pôs o peixe numa frigideira com manteiga e pimenta e saiu para o alpendre sentindo-se como um pioneiro do Oeste, sentindo-se tão bem que foi até onde estava o pai e ficou a vê-lo trabalhar e a conversar até lhe parecer que o lume já estava quente e voltou para dentro e espalhou o carvão e fritou o peixe.
Qual é o escritor que também escreve assim, qual é?)
 
A ilha de Sukkwan, de David Vann
Edições Ahab, 2011
Tradução de José Lima
182 págs.

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