30 outubro, 2020

O que ando a ler devagar? Um livro provocador...


… sobre «mulheres que ficaram conhecidas como sendo «de língua afiada». Críticas, mordazes, atentas, aguerridas – e que transformaram a vida e a cultura do século XX. 
«O mundo não teria sido o mesmo sem as cáusticas reflexões de Dorothy Parker acerca das circunstâncias absurdas da sua vida; sem o talento de Rebecca West, que, num simples relato na primeira pessoa, conseguiu a proeza de incluir metade da história do mundo; sem as ideias de Hannah Arendt sobre o totalitarismo; sem a ficção de Maru McCarthy, cuja temática central se baseou na estranha consciência de uma espécie de pérola obrigada a viver entre porcos; sem as ideias de Susan Sontag acerca da interpretação; sem os acérrimos ataques desferidos por Pauline Kael contra determinados cineastas; sem a desconfiança cética de Nora Ephron em relação ao movimentos feminista; sem o levantamento feito por Renata Adler das debilidades dos que se sentam na cadeira do poder; sem as reflexões de Janet Malcolm acerca dos perigos e recompensas da psicanálise e do jornalismo.»
"... o que têm estas mulheres em comum? O talento, a argúcia, a precisão do pensamento, o brilhantismo e o arrojo das opiniões que defenderam desassombradamente. São os nomes de mulheres que (cada uma à sua maneira) correram riscos, defrontaram preconceitos, desafiaram o poder masculino na imprensa e na cultura dominante – e moldaram a história cultural e intelectual do século XX –, pelo que escreveram, pelo que viveram e pelo extraordinário legado que vemos partilhar."
A autora, Michelle Dean - jornalista e guionista nascida no Canadá e a viver nos EUA - justifica o livro por estar convencida «de que, mesmo depois do feminismo, continuam a ser necessárias mulheres deste calibre».
HANNA ARENDT TINHA JÁ mais de quarenta anos quando adquiriu o estatuto de figura pública (...) e descrevia-se a si própria como «dominada pela angústia da realidade, uma angústia vazia, sem sentido e sem objeto, cujo olhar cego tudo converte em nada, uma angústia que não significa senão loucura, falta de alegria, sofrimento e aniquilação».

Eu, que ainda não passei do 1º capítulo dedicado A Dorothy Parker - poeta falhada e escritora de «humor ácido» que nunca tinha tido muito interesse pela moda e se tornou a imagem de marca da Vanity Fair - e apenas espreitei outros, nomeadamente o 4º e o 8º dedicados a Hannah Arendt e a Susan Sontag, posso afirmar já que é um livro divertido, provocador, com muita coscuvilhice sobre a vida e obra de 14 mulheres dotadas de perspicácia e inteligência excepcional. Mulheres sem papas na língua!
Leia devagar ou depressa, leia!

27 outubro, 2020

E se pudéssemos escolher a nossa família?


"A família são altas matemáticas... demasiados parênteses e demasiadas elevações ao quadrado e toda essa complicação..."
DAVID GROSSMAN, in "Até ao fim da terra"

E se pudéssemos escolher a nossa família? 
Sem qualquer hipótese de escolha nascemos no seio de uma família já constituída pelos nossos pais, tios, primos, avós e bisavós. 
Os nossos pais têm geralmente expectativas «inconfessáveis» quanto à pessoa que gostariam que fossemos, ainda antes de nós nascermos. Por vezes, tantas expectativas geram desilusões. 
Tudo começa com o nascimento do primeiro filho, quando nasce uma menina e eles preferiam um menino. Ou vice-versa.  
(Uma amiga, há muitos, muitos anos, na minha outra terra - Moçambique, convenceu-se de tal maneira de que iria dar à luz uma menina que quando nasceu um menino e o médico lhe deu a boa nova, gritou: Que desgosto! Resposta pronta do médico: Não quer deite no lixo. E fez-se silêncio na sala de partos. Aprendeu a lição e rapidamente se tornou uma mãe exemplar. E foi sem quaisquer problemas, que compartilhou com amigas/futuras mães, esta lição. E eu, que cheguei a ver o menino, Marco de seu nome, vestido de cor-de-rosa, tapadinho com mantinhas cor-de-rosa, num berço igualmente cor-de-rosa, atesto que ele cresceu lindo, saudável e muito amado. Logo, logo, o enxoval cor-de-rosa deixou de lhe servir e a partir daí vestiu de azulinho. Para sempre? Maldade! Mas não sei não, pois a minha amizade com a mãe caiu ao mar que atravessei ao voltar à terra onde nasci. Caiu esta e muitas outras e eu, confesso, nunca recuperei de tamanha tristeza.) Adiante!
E continua quando optamos por estudar direito e eles preferiam que estudássemos medicina.
E continua quando escolhemos para casar fulano e eles preferiam sicrano. 
E continua quando lhes dizemos que vamos viver para outro continente e eles forçam para que não saiamos debaixo da asa protectora.
E continua, e continua...
Hoje sou mãe e avó e sem quaisquer dúvidas afirmo que nasci e morrerei na família certa. E mesmo que pudesse não escolheria outra.
Talvez o meu pai, futebolista amador, preferisse que eu tivesse nascido rapaz, hum, nem pensar (arrepiei-me só de imaginar...) ele amava-me com os meus vestidinhos de folhos e lacinhos no cabelo.
Já a minha mãe... bem, a minha mãe queria que eu casasse com um Carlos (tinha uns olhos verdes lindos de morrer e fomos amigos até ao fim da vida... dele, claro!) filho de uma grande amiga, e eu casei com um Vitor de olhos castanhos e doces. Doze anos mais tarde fiz-lhe a vontade, «descasei» do Vitor e casei com um Carlos... outro! Pensava eu que ela iria gostar mas qual quê, irritou-se como nunca eu tinha visto antes. E demorou a aceitar ver-me casada com um Carlos e a criar filhos de um Vitor. «Que confusão, que vergonha.», dizia ela. Eu sorria e ela virava-me as costas. Para sorrir escondida? Hum, penso que ela não sorria não! Estávamos os anos 80 do século passado, tá?!

Há certamente muitos pais desiludidos com os filhos, mas não haverá também filhos desiludidos com os pais? E com os irmãos, e com os tios, e com os primos, e com os avós? 
Há sim acreditem, mas isso são outras histórias.
(Teresa Dias)


(foto da net)

23 outubro, 2020

"O gesto que fazemos para proteger a cabeça" - Ana Margarida de Carvalho

Quantas dores pequeninas bastam para anular a grande, 
É a lei da compensação, marcha, homem rasteiro que evitas a planície, faz-te ao caminho, se eu  pudesse não andava nisto, bem sabemos, pára de o repetir, não queiras ser a tua própria semeadura, anda, puxa, anda, anda, 
desanda daí,
A trama do terceiro romance de Ana Margarida de Carvalho desenrola-se toda no espaço de um dia “entre dois entardeceres”, no Alentejo rural fronteiriço do final da década de trinta do século passado.
Numa paisagem agreste, sob uma atmosfera de miséria e abandono “Dois homens caminham. Um chega à terra para matar saudades do mar; outro supera um carreiro íngreme com uma carga de azeitonas. O primeiro vem vergado ao peso da vingança. O segundo ao da sobrevivência. Cruzam-se numa estrada, perdida, no Alentejo, junto à fronteira. De Espanha chegam os ecos dos fuzilamentos e os foragidos da Guerra Civil. Transaccionam-se mercadorias, homens, mulheres e até bebés.(…) 
Duas comunidades antagónicas, que se hostilizam, guerreiam e dependem uma da outra: uma à míngua, entre vendavais e pó; outra prospera, em traficâncias várias, cercada por pântanos, protegida por um tirano local e pela polícia política, abriga todos os rejeitados pela sociedade, malteses, republicanos espanhóis, fugitivos, cuspidores de fogo, ciganos, artistas de circo, evadidos de conventos, bêbados e arruaceiros. As velhas acusações transformam-se, a guerra tem renovados motivos, a raiva escolhe outros métodos. O grito do corpo continua o mesmo, tal como o gesto que fazemos para proteger a cabeça.” 
a sobrevivência tem muita teimosia 
Na aldeia atormentada Nadepiori «raio de nome, calha bem a lugarejo mal atamancado, que lugar feio de se viver, porque havia sempre algo que o vento rompia, arrancava e desancava», lugar onde «nunca ninguém fica muito tempo doente», porque «ninguém chega a velho», onde não há música «o vento rouba-nos as melodias no seu uivo furioso, mal abrimos a boca» terra de encruzilhada, de vendavais e pó, e verões escaldantes, homens e mulheres rudes, cruéis, vagueiam vulneráveis, enrodilhados em segredos e verdades amargas: Simão, Maria Angelina (um falcão), Maria Adelaide, Maria Armanda, Domingas, Maria Alzira, Maria Albinha, Maria Albertina, Constantino, Camilo, e muitos mais, são todos personagens de histórias de sofrimento, resiliência, sobrevivência, neste romance magistralmente construído.
procurando bem sempre se acaba encontrando, é nestas paragens que vagueia a alma 
No início assusta o intenso e estonteante ritmo da narrativa, as frases curtas e duras, a pontuação bizarra dos seis longos parágrafos (tantos quantos os capítulos do livro), mas logo, logo, a altíssima qualidade da escrita da autora nos arrebata. 

Repito-me: A imaginação de Ana Margarida de Carvalho não tem limites e a forma como combina as palavras não tem igual. Se a história não o agarrar nas primeiras páginas, não desista. 
Eu considero obrigatório ler Ana Margarida de Carvalho. Ler porque contar é impossível.
E mais não digo.
 
(“O Gesto Que Fazemos Para Proteger a Cabeça”, verso de um poema da poetisa polaca Wislawa Szymborska) 

O Gesto Que Fazemos Para Proteger a Cabeça, de Ana Margarida de Carvalho 
Relógio D’Água Editores, 2019 
255 págs.
(foto net)

20 outubro, 2020

Versos (soltos) do poeta açoriano Antero de Quental




A tristeza do tempo... a dor dos séculos, 
Que vão, como gemidos, 
Caindo e arrastando homens e coisas... 
Não se sabe a que abismo!

O vós! - se ides em busca da Verdade! 
Olhai bem..., que essa mão, que assim vos leva, 
Bem pode ser que seja toda treva, 
Quando se aclama toda claridade!

Suspende a minha vida dos teus olhos,
Senão deixo-a cair!

Eu quero imenso horizonte
Para poder delirar!

Aquelas nuvens que vemos,
Esses poemas aéreos,
São sonhos que nós temos,
Nossos íntimos mistérios!
São espelhos flutuantes
Das nossas dores constantes
Aquelas nuvens que vemos...

O amor! Que imenso mar!


Antero de Quental, de seu nome completo Antero Tarquínio de Quental, nasceu em Ponta Delgada, na Ilha de São Miguel - Açores, em Abril de 1842. 
Foi poeta, filósofo, político e dedicou-se à reflexão dos grandes problemas filosóficos e sociais do seu tempo. Líder intelectual do Realismo em Portugal, contribuiu para a implantação das ideias renovadoras da Geração de 70, um movimento académico de Coimbra que revolucionou várias dimensões da cultura portuguesa, da política à literatura. 
Suicidou-se com dois tiros em Setembro de 1891, num banco junto ao Convento de Nossa Senhora da Esperança, na cidade onde nasceu.
Mais sobre a vida e obra, aqui.


Versos retirados dos livros: "Primaveras Românticas" e "Odes Modernas".)
Viagem aos Açores (São Miguel, Terceira, Pico, Faial), em Setembro 2019.

16 outubro, 2020

"Essa gente" - Chico Buarque


20 de fevereiro de 2019
…existe a categoria dos sonhos lúcidos, quando você sabe que o sonho é sonho, mas não consegue ver a saída. Ou vê, mas não quer sair, ou sai e já volta porque aqui fora é o absurdo… 
Essa gente”, sexto romance do escritor e músico Chico Buarque (Prémio Camões 2019tem por protagonista narrador Manuel Duarte, escritor que enfrenta uma crise criativa (desespera por terminar um livro que devia ter entregue três anos antes), sentimental (dividido entre duas ex-mulheres, a tradutora Maria Clara  Duarte  e  a  arquitecta e designer Rosane Duarte) e financeira ("espartilhado" por pesadas dívidas).
Autor de vários livros, entre eles “O Eunuco do Paço Real”, romance histórico que fez furor nos anos 1990, Manuel Duarte, o escritor, que depende do seu trabalho para sobreviver, narra com fina ironia a história da sua vida. Vida que se esvai no deambular sem rumo nas ruas do Leblon, na tentativa  de aproximação ao filho fruto do primeiro casamento, na leitura e releitura dos seus livros em busca de inspiração, no implorar ao editor adiantamento de royalties de um livro condenado a nunca ser escrito. 
Ao escritor desinspirado, solitário e desalentado com «o que estão fazendo» com o seu país, juntam-se outras personagens, outra «gente» cujas vidas são desvendadas em cartas, bilhetes, conversas telefónicas, notificações, comunicações, notícias de jornais, pensamentos, alinhadas/desalinhadas como se de entradas de um diário se tratasse, numa narrativa engenhosa, tragicómica, que ora avança, ora recua, e por vez nos confunde. 
A acção decorre entre 30 de Novembro de 2018 (dias depois da eleição de Jair Bolsonaro) e 29 de Setembro de 2019, com alguns recuos a 2016, num Rio de Janeiro que sangra e estrebucha sob o flagelo de feridas sociais a cada dia mais ostensivas.

«30 de novembro de 2018 
Meu caro, Não pense que me esqueci das minhas obrigações, muito me aflige estar em dívida com você. (…) passei ultimamente por diversas atribulações: separação, mudança, seguro-fiança para o novo apartamento, despesas com advogados, prostatite aguda, o diabo. Não bastassem os perrengues pessoais, ficou difícil me dedicar a devaneios literários sem ser afetado pelos acontecimentos recentes do nosso país. (...)»

«25 de Janeiro de 2019
Apartamento de alto luxo na quadra de praia do Leblon, amplo, salão em 3 ambientes e sol matinal, sala de jantar, lavabo, 4 suites sendo uma master, sala íntima, copa-cozinha-gourmet, área de serviço com 2 dependências de empregada, 8 vagas de garagem, R$ 16700000,00.
Visto aqui do alto, o Bairro não difere muito de uma favela. A barafunda de edifícios sem telhas lembra um amontoado de caixas de sapato destampadas, numa sapataria em dia de liquidação. (...)»

«20 de fevereiro de 2019 
Há manhãs em que desço as persianas para não ver a cidade, tal como outrora recusava encarar minha mãe doente. (...) Não preciso ver para saber que pessoas se jogam de viadutos, que urubus estão à espreita, que no morro a polícia atira para matar. (…)»

«15 de abril de 2019
- Transmissão de pensamento!
Ao abrir a porta, a Maria Clara diz que me me ia convocar para vê-la hoje mesmo (...) está a par  do ultimato que recebi da companhia de seguros e não vai deixar o pai do seu filho na rua da amargura. (...) Sem alternativa, aceitarei resignado a hospitalidade de Maria Clara, ciente de que entrar livremente em sua casa será como ter a chave de uma porta que não abre por dentro. A partir de amanhã vou trazer pouco a pouco a minha tralha, mas para esta noite comprei um garrafão de vinho gaúcho que estava em promoção. (...)»

«(20 de junho de 2019
(...) Em noites de abandono vou às putas, que pago em dobro para transar sem camisinha, quando não pago o triplo para não transar e fazê-las ouvir literatura. (...)»

15 de janeiro de 2019
(...) a partir de hoje, por decreto presidencial, posso ter quatro armas de fogo em casa.
 
Como termina esta narrativa engenhosa e magnificamente bem escrita?
Eu sei, mas não digo!
Recomendadíssimo!

Essa gente, de Chico Buarque 
Companhia das Letras, 2019 
194 págs.
(foto net)

13 outubro, 2020

Gosto de rostos sulcados de rugas...


"uma cara sem rugas é uma terra sem caminhos"
Ana Margarida de Carvalho, in "O Gesto que Fazemos para Proteger a Cabeça"


Gosto de rostos sulcados de rugas.
Cada sulco revela um tesouro de experiências, lembranças, alegrias, tristezas. Mas também muita solidão, preocupação e dor. Muita dor!
Qual tela dum pintor, a alma e o coração de um velho estão retratados no seu rosto.
A riqueza incomensurável das suas memórias deveria ser valorizada e transmitida de forma digna aos jovens. Jovens que são os futuros velhos.
Infelizmente, nesta sociedade consumista e apressada, os valores da família são facilmente descurados e os velhos abandonados em casa, em hospitais, em lares localizados tão longe da vista quanto longe estão do coração. São carga que é necessário despachar.
Depois de levados para um lar, pago com a pensão de velhice do próprio velho, chegam a dar moradas e telefones falsos para ninguém incomodar.  E logo esquecem quem lhes deu a vida, quem os acarinhou em criança, quem os apoiou na adolescência, quem os aconselhou na idade adulta. 
Como irão esses adultos, homens e mulheres, ser tratados na velhice pelos seus filhos? Com respeito? Com carinho?
Convençam-se, como eles virem tratar os avós, assim tratarão os pais.
(Teresa Dias)

(foto da net)

09 outubro, 2020

"A história de uma serva" - Margaret Atwood


... aquilo que nos dizem está imbuído das trevas da matriz de onde vêm; e, por mais que tentemos, nem sempre conseguimos decifrá-las com exatidão à luz mais clara dos nossos dias.
Sinopse: "Uma visão marcante da nossa sociedade radicalmente transformada por uma revolução teocrática. A História de Uma Serva tornou-se um dos livros mais influentes e mais lidos do nosso tempo.
Extremistas cristãos de direito derrubaram o governo norte-americano e queimaram a Constituição. A América é agora Gileade, um estado policial fundamentalista onde as mulheres férteis, conhecidas como Servas, são obrigadas a conceber filhos para a elite estéril. 
Defred é uma Serva na República de Gileade e acaba transferida para casa do enigmático Comandante e da sua ciumenta mulher. Pode ir uma vez por dia aos mercados, cujas tabuletas agora são imagens, porque as mulheres estão proibidas de ler. Tem de rezar para que o Comandante a engravide, já que, numa época de grande decréscimo do número de nascimentos, o valor de Defred reside na sua fertilidade e o fracasso significa o exílio nas Colónias, perigosamente poluídas. Defred lembra-se de um tempo, antes de perder tudo, incluindo o nome, em que vivia com o marido e a filha e tinha um emprego. ” 
Tudo, à exceção das abas que me ladeiam o rosto, é vermelho: da cor do sangue, que nos define.

Confesso, não me entusiasmou este premiado e elogiado romance de Margaret Atwood, originalmente publicado em 1985. Mas li as 348 páginas.
A história de Defred, narrada pela própria, pareceu-me algo impensável de acontecer: mulheres subjugadas pelo terror ao poder de homens numa sociedade «bizantina ao extremo», divididas numa estranha hierarquia - as Esposas,  mulheres estéreis, casadas com os Comandantes; as Tias, mulheres mais velhas, responsáveis pela  «domesticação» das Servas;  as Servas, jovens impedidas de ler e escrever, comprovadamente férteis, repetidamente violadas pelos Comandantes em cerimónias sórdidas, (descritas ao pormenor); as Martas, criadas das Esposas, limpam e cozinham, proibidas de sair e conviver com as jovens Servas. Em Gileade, onde tudo se passa, há GuardiõesOlhos que tudo veem. Há rebeldes que são enforcados em praça pública. Há insubmissos que são desterrados para trabalhar/morrer longe, nas Colónias. Há... há... há...
A dada altura diz Defred: «Oxalá esta história fosse diferente. Oxalá fosse mais civilizada. (...) Oxalá tivesse mais forma. Oxalá fosse uma história de amor, ou de entendimentos súbitos e importantes para a vida, ou até de pores do sol, pássaros, tempestades ou neve.»
Digo eu: Oxalá!

Enfim, li sem pingo de entusiasmo um livro diferente do que costumo ler, um romance distópico.
Talvez por falta de capacidade para imaginar o mundo tão perverso, o que li pareceu-me de todo improvável.
A série, baseada no livro eu não vi, nem verei.

(Nota: Li "1984" (a distopia do indivíduo sob controle), de George Orwell e tudo me pareceu assustador mas verosímil. Vou tentar ler mais literatura distópica.)

A história de uma serva, de Margaret Atwood
Tradução de Rosa Amorim
Bertrand Editora, 2018
348 págs.

06 outubro, 2020

Rol de gostos e manias minhas...


Em Março 2012 respondi a dois questionários TAG, aqui no Rol.
Foram estas as minhas respostas. Como responderia hoje?

Perguntas da Landa (blog: horizonte dos livros
1. Quais são os teus hobbies preferidos para além da leitura? 
Cinema, música, fotografia, cozinhar, pintar e… conversar (muito). 
2. Qual é a tua personagem literária preferida? 
Se tenho de escolher apenas uma decido-me pela Blimunda, de Saramago. 
3. Se escrevesses um livro que género escolherias? 
Um poderoso romance histórico. 
4. Se fosses agora a uma livraria, que livro da tua wishlist comprarias? 
O segundo volume de Guerra e Paz, de Tolstoi. 
5. Qual é a tua comida favorita? 
Babo-me por um bom arroz de pato (carne), por um dourado bacalhau com broa (peixe) e por um arroz doce cremoso (sobremesa). Fiquei com forme! 
6. Quais são os locais onde gostas mais de ler? 
Sempre, sempre sentada/deitada no meu sofá. Na cama nunca (adormeço de imediato) e em esplanadas também não (distraio-me com tudo e mais alguma coisa). 
7. Quais são as tuas principais manias como leitor? 
São várias: não leio sem um lápis na mão; não leio livros emprestados (por não os poder sublinhar); se gosto de um autor devoro toda a sua obra (em maratonas alucinantes). 
8. Se te oferecessem uma viagem para conhecer um local de um livro que tivesses lido qual escolherias? 
Voltaria ao país do tango – Argentina. 
9. Gostas de ver filmes baseados em livros que já leste? 
Não, não gosto porque o produto final é normalmente mau. 
10. Gostas de reler os livros? 
Gosto, claro. Não tenho feito outra coisa desde que iniciei, há um ano, o rol de leituras. É que eu já leio há muitos, muitos anos… 
11. Os teus gostos literários alteraram com a criação do teu blog? 
Nem pensar nisso, nunca deixaria que um blog alterasse os meus gostos literários. Já aconteceu foi comprar um livro em função do que li sobre ele em outro blog.

Perguntas da  Mlle (blog: romancenalma
1. Qual foi o livro mais divertido que leste? 
Foram vários por isso destaco não um mas três: “O Complexo de Portnoy”, de Philip Roth; “Solar”, de Ian McEwan; “A Questão Finkler”, de Howard Jacobson. 
2. Se pudesses encarnar uma personagem literária, qual seria? 
A menina má de Mario Vargas Llosa, por pura provocação. 
3. Que livro tens à espera para ler a seguir? 
“Tudo o que eu tenho trago comigo”, de Herta Müller. 
4. Em que local estás a responder a este questionário? 
Numa salinha onde vejo televisão, leio, converso e escrevo num computador. 
5. Que livro não conseguiste acabar? 
Por norma acabo todos os livros. Claro que com alguns demoro um pouco mais… 
6. Qual é a tua cor preferida? 
Azul – a cor do mar, que é a minha perdição. 
7. Doces ou salgado? 
Ambos, q.b. 
8. Escritor português preferido? 
Três: Eça de Queirós, Fernando Pessoa e Saramago. 
9. Próximo livro a comprar? 
O primeiro de João Ricardo Pedro, Prémio Leya 2011, nas bancas a partir de 31 de Março 2012. Estou curiosíssima! 
10. Lês com óculo ou sem óculos? 
Sempre com óculos. A idade já fez estragos… 
11. Cor do verniz que usas neste momento? 
Esta semana optei pelo rosa bem clarinho nas mãos e vermelhão nos pés (já apetece usar sandálias…). 


Desapontados?
Provavelmente aguardavam por gostos invulgares e manias estrambólicas.
Não tenho!
Sou de gostos simples e quanto a manias... tenho poucas e convencionais.
Gosto da minha família, dos meus amigos, de livros, de cinema, do mar, de chapéus de chuva, de luvas e chapéus (no inverno), de viajar, de cozinhar, de flores, de dançar solta, etc..
Gosto de sapatos, de botas e, ultimamente, de ténis, gosto de lenços e cachecóis, de óculos de sol, de carteiras, de chocolate, de requeijão com compota de abóbora, de compota de marmelo, de pão com banana e leite condensado, de pão com um MARS esborrachado, etc., etc..
Gosto de gostar, gosto que gostem de mim, gosto (muito) de mimo, de  beijos e abraços. Amo abraços!!!
Sou gente boa, calma, verdadeira, virgem (de signo) e... brincalhona.
Aviso: Não me façam perguntas, porque podem não gostar das respostas. É que às vezes passo-me «dos carretos». Não acreditam? Experimentem perguntar!

02 outubro, 2020

"O terrorista elegante" - Mia Couto e José Eduardo Agualusa

Três novelas curtas, cheias de humor e suspense - que começaram por ser peças de teatro - compõem este livro, resultado da fusão das vozes narrativas de dois autores reconhecidos da literatura de língua portuguesa: Mia Couto e José Eduardo Agualusa.
São elas:
-  “O terrorista elegante”
Charles Poitier Bentinho «poeta romântico», e «mestre em espíritos, domador de demónios e dragões», angolano suspeito de terrorismo é preso no aeroporto de Lisboa na posse de vários litros de vinagre. Na cela fala com um pássaro desenhado na parede, e revela ao irascível policial que o interroga que sabe voar e que o vinagre é o combustível que utiliza.
-  “Chovem amores na rua do matador”
Baltazar Fortuna, regressa a Xigovia, lugar «cheio de lembranças» decidido a libertar-se do peso do passado, e vingar-se das três mulheres que amou e que o enganaram «Venho cobrar umas contas, venho apagar uns amores que me pesam. Ou mais diretamente: venho matar, venho matar as mulheres que amei. Três mulheres. Três foi a conta que Deus fez. Pois é a conta que eu vou desfazer. »
-  “A caixa preta”
«NA SALA DE VISITAS, três máscaras africanas, presas a uma das paredes, olham para o futuro – mas não há nada para ver». Começa assim a história da Velha Luzinha, que na cozinha prepara uma sopa «como não sei fazer poesia, faço sopa», recorda o passado e espera pela neta, que teimosamente se demora na noite escura duma Luanda mergulhada no caos, tiros e sirenes.
De um livro de poesia abandonado sobre a bancada saem formigas «malditas, parece que estão a sair das palavras, parecem letrinhas a fugir das páginas (…) este país está tão mal que agora as formigas comem até livros (…) É porque têm palavras muitíssimo saborosas.»
E mais não digo… escrevo… desvendo…

Numa nota prévia, os autores explicam como foi o processo de escrita deste delicioso livrinho:
"(...) Escrevemos «Chovem amores na rua do matador» e «A caixa preta» trocando mensagens, a partir de cidades diferentes, um acrescentando o texto do outro. «O terrorista elegante» foi quase inteiramente escrito em Boane, Moçambique, num jardim imenso, à sombra de um alpendre de colmo. Ali passámos dias, sentados à mesma mesa, cada um diante de um computador, rindo, brincando e apostando na negação da ideia de que a criação literária é sempre um ato profundamente solitário.”

Encantador. Leia!
(Nota pessoal: Passei muitos domingos da minha infância e adolescência em Boane, Moçambique. A fazer o quê? Talvez um dia eu conte.)

O terrorista elegante e outras histórias, de Mia Couto e José Eduardo Agualusa
Ed. Quetzal, 2019
160 págs.
(foto net)