29 março, 2019

"As bolas de sabão..." - Fernando Pessoa



As bolas de sabão que esta criança
Se entretém a largar de uma palhinha
São translucidamente uma filosofia toda.
Claras, inúteis e passageiras como a Natureza,
Amigas dos olhos como as coisas,
São aquilo que são
Com uma precisão redondinha e aérea,
E ninguém, nem mesmo a criança que as deixa,
Pretende que elas são mais do que parecem ser.
Algumas mal se veem no ar lúcido.
São como a brisa que passa e mal toca nas flores
E que só sabemos que passa
Porque qualquer coisa se aligeira em nós
E aceita tudo mais nitidamente.
Versos de Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa (1883-1935)

Sabia que (9):
1924 – Sai em Outubro o primeiro número da revista mensal «Athena», que Pessoa dirige com o pintor Ruy Vaz.
1925 – No dia 17 de Março falece em Lisboa a mãe do Poeta.
1926 – Sai em Janeiro o primeiro número da «Revista de Comércio e Contabilidade» que Pessoa dirige com seu cunhado (… ) e onde publica o artigo A Essência do Comércio.
A 28 de Maio verifica-se o golpe militar que põe fim à Primeira República e instaura a ditadura. Por coincidência neste mesmo fia o «Jornal do Comércio e das Colónias» publica uma resposta de Pessoa a um inquérito de natureza política.
Publica em «O sol», nº 1, Narração exacta e comovida do que é o Conto do Vigário, e em «Contemporânea» (nº 1, 3ª série) o poema O Menino de sua Mãe.
1927 – Em Junho inicia a sua colaboração em «presença» com o poema Marinha.
1928 – António de Oliveira Salazar é nomeado Ministro das Finanças.
Pessoa publica o panfleto O Interregno. Defesa e Justificação da Ditadura Militar em Portugal e o artigo O Provincianismo Português («Notícias Ilustrado» de 12 de Agosto).
1929 – Organiza com António Botto uma Antologia de Poetas Portugueses Modernos. 
Entretanto um motivo aparentemente fútil (…) reacende a amizade sentimental com Ophélia.
Sai o primeiro estudo crítico sobre a poesia de Pessoa, da autoria de João Gaspar Simões."
("Fernando Pessoa, uma fotobiografia", de Maria José de Lancastre).

Não sabia? Eu também não!
O que importa é que agora sabemos.
Prometo partilhar mais informações sobre a vida do poeta do desassossego.
(Foto da net)

26 março, 2019

À terça: imagens e palavras: "anedota"


"Aguentas uma anedota que não é lisonjeira 
para as mulheres?"


Philip Roth, escritor norte-americano (1933-2018), in "Teatro de Sabath", Ed. Dom Quixote, 2000.


responda se quiser
(Fotos da net.)

22 março, 2019

"A mulher de cabelo ruivo" - Orhan Pamuk

O meu desejo era ser escritor. Mas, depois dos acontecimentos que vou narrar, estudei engenharia geológica e tornei-me empreiteiro da construção civil. Mesmo assim, o facto de eu estar a contar a história agora não deveria levar os leitores a pensar que ela acabou, que pus tudo para trás das costas. Quanto mais recordo, mais fundo caio dentro dela. Talvez vós me sigais também, atraídos pelo enigma de pais e filhos.
Com um primeiro parágrafo destes, não resisti a querer “ouvir” a envolvente história de amor e mistério de Cem, protagonista-narrador de “A mulher de cabelo ruivo”, décimo romance do escritor turco Orhan Pamuk, Nobel da Literatura em 2006.
A primeira parte da história tem lugar em 1984: o adolescente Cem, filho único de uma família da classe média, entra para a escola secundária; o pai, dono de uma pequena farmácia, é uma vez mais detido por actividades políticas subversivas e nunca mais volta a casa; dificuldades financeiras obrigam Cem a trabalhar para pagar os estudos, primeiro numa livraria (lê muito nesse verão de 1985) depois, como guarda do pomar de cerejeiras e pereiras de um tio, de onde espreita, curioso, um homem de meia-idade escavar um poço no jardim ao lado do pomar. Quando finalmente a água jorra do poço o mestre escavador convida-o para ir com ele escavar outro poço num terreno baldio perto de uma pequena cidade nos arredores de Istambul… e a vida do jovem Cem vai mudar para sempre.
«Não vais ser escavador de poços. Vais para a universidade», diz-lhe a mãe. «Se não me deixares ir, fujo». Não foi necessário, e no dia da partida com o mestre Mahmut, ele promete à mãe «Não te preocupes, não irei nunca descer ao poço». Vai descer, sim, descer e subir. Já o mestre, vai descer  mas quanto a subir…
No terreno baldio o mestre escolhe o sítio onde lhe parece haver água e no dia seguinte começam ambos a escavar o poço, metro a metro, «debaixo de um Sol em chamas». Segundo o mestre Mahmut, quanto mais fundo cavássemos, mais perto chegaríamos da esfera de Deus e dos seus anjos.
À medida que escavam cresce uma forte ligação entre o mestre tagarela e o aprendiz que absorvia tudo o que ele dizia. Como se fossem pai e filho, respeitam-se, estimam-se «aquele poço era o nosso projecto comum». O mestre Mahmut... contava-me histórias e ensinava-me lições; nunca se esquecia de perguntar se eu estava bem, se tinha fome, se estava cansado.
Depois de cavarem o dia inteiro, gostavam de ir juntos à povoação mais próxima, a quinze minutos a pé do poço, comprar provisões e procurar diversão. Foi ali que os olhos de Cem se cruzaram com os de uma mulher alta, sedutora, de sorriso doce e cabelo ruivo, a estrela de uma companhia de teatro itinerante, a Mulher de Cabelo Ruivo. Fascinado, Cem procura todas as noites a atraente ruiva de trinta e três anos (soube depois), que nunca mais verá depois de uma noite de amor. A sua primeira noite de amor.
Desorientado pelo desaparecimento da amada, Cem baixa o mestre para dentro do poço e desastrado deixa cair sobre ele o balde que se solta do gancho. Ouve um gemido profundo de dor. Assustado, sem consciência do que fizera, foge do local, abandonando o mestre ferido a vinte e cinco metros de profundidade. Foge sem pedir auxílio, foge para junto da mãe, em Istambul. Mas seria possível fingir que nada acontecera?
Trinta anos depois, segunda parte da história, Cem é um homem feliz, casado, sem descendência, empreiteiro de sucesso. Volta a encontrar o pai e apenas nalgumas noites sonha com o mestre Mahmut. A vida corre-lhe bem, até ao exacto momento em que a sua riqueza atrai o passado e as consequências são dramáticas.
«O meu pai deixou-nos!»
«Então é porque não era um pai... arranja um novo pai. Todos temos muitos pais neste país. A Pátria, Alá, o exército, a máfia... Ninguém aqui alguma vez devia ser órfão de pai.»

E mais não desvendo para você ler e descobrir como foi o reencontro de Cem com a Mulher de Cabelo Ruivo e com… hum, não digo. Nem que me atirem para dentro de um poço, não digo!
Estranho, intrigante, irresistível.
Recomendo!

A mulher de cabelo ruivo, de Orham Pamuk
Tradução de António Sousa Ribeiro
Editorial Presença, 2018
246 págs.

21 março, 2019

Dia mundial da POESIA


"Não procures o poema, me disseste. 
Deixa que ele venha por sinuosos trilhos, 
ou pelo riso das crianças, ou pelo cantar dos pássaros, ou pelo nome rasurado dos mortos, 
ou pelo transparente caminho do coração."



Graça Pires, poeta portuguesa (1946-), in "Caderno de Significados", ed. Lua de Marfim, 2013
(A querida Graça do blogue "Ortografia do Olhar".)
Foto da net.

20 março, 2019

Dia internacional da FELICIDADE


“A partir de certa altura compreendemos que o mais importante é a simplicidade. O mesmo quanto à vida. Cortando tudo quanto é artifício ficamos mais livres e, talvez, mais próximos da felicidade."


José Eduardo Agualusa, escritor angolano (1960), in “O paraíso e outros infernos”, Ed. Quetzal, 2018


(Fotos da net.)

19 março, 2019

Dia do Pai


Na sina que me foi lida,
Este dia é sempre assim;
Sol na paisagem da vida,
E sombra dentro de mim.

Versos de Miguel Torga (1907-95), in "Poesia Completa", Dom Quixote, 2000



(Fotos da net.)

15 março, 2019

"Correio de Droga (The Mule)" - Filme

"Correio de Droga", título original «The Mule», (EUA, 2018, 116 min.), realizado por Clint Eastwood, com argumento de Nick Schenk, e protagonizado por Clint Eastwood, Bradley Cooper, Diane Wiest, marca o regresso do realizador/actor, de 88 anos, à representação, dez anos depois do aclamado “Gran Torino”.
Neste extraordinário filme dramático (com laivos de comédia), inspirado numa história real, é dele, e só podia ser dele, o papel principal: Earl Stone, veterano de guerra, frágil, envelhecido, cultivador de flores do Illinois, conservador radical, divorciado, uma filha e uma neta.
Na sequência da ruína do seu negócio, Earl vê-se de súbito sem casa e sem dinheiro. Então, mete na velha pick up os parcos haveres e ruma a casa da filha, onde decorre a festa de noivado da neta. É acolhido com sorrisos pela neta, ignorado pela ex-mulher e expulso pela filha, que o acusa de ter abandonado a família.
Quando se dirige para a pick up um convidado aborda-o e entrega-lhe um cartão que, diz, lhe proporcionará um trabalho fácil e bem remunerado, como condutor. Dias depois, Earl faz a primeira de várias travessias do Estado do Michigan, com um estranho saco na bagageira. À chegada ao local da entrega do saco as ordens são para estacionar,  afastar-se da viatura e aguardar uma hora. Quando regressa tem para si no porta-luvas um envelope com notas, muitas notas.
Duas, três viagens depois a curiosidade vence, Earl abre o saco e constata que anda a transportar droga de um cartel mexicano. Cartel que acha piada ao velho motorista, mesmo não seguindo ele as rotas predefinidas.
As viagens continuam sem sobressaltos, o velho  Earl, "correio de droga" competente, reconquista o seu estatuto social, volta a sorrir, a esbanjar dinheiro. Mas... tudo se complica quando passa a trabalhar para um traficante controlador e extremamente violento, numa das viagens é abordado por um elemento da DEA, a agência norte-americana antinarcóticos, o FBI investiga e começa a vigiar as suas longas e solitárias viagens.
Earl apercebe-se de que o fim está próximo e prepara a sua última fuga. Como e para onde? Não digo!
Vá lá, digo que  no fim Earl  recupera as suas  duas paixões: família e flores. Como o consegue? Não digo!
Destaco as grandiosas interpretações de Clint Eastwood (Earl) e Diane Wiest (ex-mulher de Earl).
E dou nota 5, claro!
Cinco magníficos filmes realizados e interpretados por Clint Eastwood, que merecem igualmente a minha nota 5:
Gran Torino, 2008
Million Dollar Baby, 2004
The Bridges pf Madison County, 1995
-  A Perfect World, 1993
Unforgiven, 1992

Veja!


12 março, 2019

À terça - imagens e palavras: "fracos"


“Não temos o direito de ser fracos
A vida esmaga-nos num segundo e ninguém ouvirá os nossos gritos.”



Owen Matthews, escritor inglês (1971-), in “Filhos de Estaline”, Ed. Dom Quixote, 2008
(Foto da net.)

08 março, 2019

"21 Lições para o Século XXI" - Yuval Noah Harari

Quem sou eu? Que devo fazer com a minha vida? Qual o sentido da existência? Desde tempos imemoráveis que os seres humanos fazem estas perguntas… Perante tudo o que sabemos e não sabemos sobre a ciência, sobre Deus, sobre a política e sobre religião, qual a melhor resposta que podemos dar hoje?

Depois de examinar o passado da espécie humana em “Sapiens” e explorado o futuro em “Homo Deus” (ainda não li), no seu novo livro Yuval Noah Harari centra-se no presente e no futuro imediato das sociedades humanas: O que está a acontecer neste preciso momento? Quais os maiores desafios e as maiores escolhas da atualidade? A que devemos prestar atenção? O que devemos ensinar aos nossos filhos?
O livro está dividido em cinco grandes partes: O Desafio Tecnológico; O Desafio Político; Desespero e Esperança; Verdade; Resiliência; subdivididas em vinte e um capítulos/"lições", cujo intuito é estimular a reflexão e ajudar os leitores a participarem nos grandes diálogos do nosso tempo.
As perguntas são numerosas, as respostas nem sempre simples:
"O que significa a ascenção de Donald Trump? O que podemos fazer quanto à epidemia das fake news?Porque está a democracia liberal em crise? Caminhamos para uma nova guerra mundial? Que civilização domina o mundo – a ocidental, a chinesa, o Islão? Deve a Europa manter as portas abertas aos imigrantes? Conseguirá o nacionalismo resolver o problema da desigualdade e das alterações climatéricas? Que devemos fazer quanto ao terrorismo?"
Nas próximas décadas, o mundo irá tornar-se ainda mais complexo do que é hoje. Os seres humanos individuais – sejam peões ou reis – saberão ainda menos sobre gadgets tecnológicos, as correntes económicas e as dinâmicas politicas que moldam o mundo. Como Sócrates observou há mais de dois mil anos, o melhor que podemos fazer nessa situação é reconhecer a nossa própria ignorância individual.
“Os seres humanos têm dois tipos de capacidades – físicas e cognitivas. No passado, as máquinas competiam com as pessoas sobretudo nas aptidões físicas simples, ao passo que os humanos mantinham uma enorme vantagem sobre as máquinas no respeitante à cognição. Quando os empregos manuais na agricultura e na indústria foram automatizados, surgiram novos empregos nos serviços que requeriam o tipo de capacidades cognitivas que só os seres humanos possuíam: aprendizagem, análise, comunicação e, acima de tudo, entendimento das emoções humanas. Contudo, a inteligência artificial começa agora, progressivamente, a ter um melhor desempenho do que os seres humanos no que respeita a esta aptidões, incluindo a compreensão das emoções humanas. Não se conhece uma terceira área de atividade – além das áreas física e cognitiva – em que os seres humanos mantenham para sempre uma vantagem firme.”
Num mundo pejado de informação irrelevante, a lucidez dá-nos poder.
“… os terroristas são como uma mosca que tenta destruir uma loja de peças de porcelana. A mosca é tão fraca que não consegue, sequer, deslocar uma chávena de chá. Então, como é que a mosca destrói a loja inteira?Encontra um touro, entra-lhe no ouvido e começa a zumbir. O touro fica louco de medo e raiva, destruindo a loja por completo. Foi isto que aconteceu depois do 11 de Setembro, quando os fundamentalistas islâmicos incitaram o touro americano a destruir a loja de peças de porcelana do Médio Oriente. Agora, eles medram nos destroços. E não faltam touros temperamentais no mundo.”
Seremos nós ainda capazes de compreender o mundo que criámos?

Este livro é para ler devagar. Eu optei por ler uma lição, reler os sublinhados e só depois, com calma, avançar para a lição seguinte.
Os temas abordados são complexos mas o mérito do historiador para «descomplicar o complicado», aliado à sua prosa clara e acessível, torna a leitura interessante e cativante para todos os leitores.
Leia sem stress pois no final das  "21 Lições" não há prova de avaliação!
Mas... se ficou com a sensação incómoda de que isto é demais para si e não consegue assimilar tudo, tem toda a razão. Ninguém consegue.
Recomendo, claro!

21 Lições para o Século XXI, de Yuval Noah Harari
Tradução de Rita Canas Mendes
Ed. Elsinore, 2018
391 págs.

05 março, 2019

À terça - imagens e palavras: "sonhar"

“- Dói-te alguma coisa?
- Dói-me a vida, doutor (…)
- E o que fazes quando te assaltam essas dores?
- O que de melhor sei fazer, excelência.
- E o que é?
- É sonhar.”


Mia Couto, escritor moçambicano (1955-), in “O fio das missangas”, Ed. Caminho, 2004
Foto da net.

01 março, 2019

Uma, duas, três... 25 frases curtas de Fernando Pessoa

  1 - Que o nosso amor seja uma oração...
  2 - Absurdemos a vida, de leste a oeste.
  3 - Benditos os que não confiam a vida a ninguém.
 4 - Junta as mãos, põe-nas entre as minhas e escuta-me, ó meu amor.
  5 - Tão supérfluo tudo! nós e o mundo e o mistério de ambos.
   6 - Ébrio de erros, perco-me por momentos de sentir-me viver.
  7 - Busco-me e não me encontro.
  8 - Muda de alma. Como? Descobre-o tu.
  9 - Tudo é dos outros, salvo a mágoa de o não ter.
10 - Sofre ritmicamente.
 11 - O outro é sempre o obstáculo para quem procura.
12 - Só aos mortos sabemos ensinar as verdadeiras regras de viver.
13 - A fraternidade tem subtilezas.
14 - Pedi tão pouco à vida e esse mesmo pouco a vida me negou.
15 - Passo tempos, passo silêncios, mundos sem forma passam por mim.
16 - O mistério da vida dói-nos e apavora-nos de muitos modos.
17 - Sou do tamanho do que vejo.
18 - Não tenho esperanças nem saudades.
19 - Estou triste abaixo da consciência.
20 - Nunca desembarcamos de nós.
21 - Só o sonho vê com o olhar.
22 - Meu coração dói-me como um corpo estranho.
23 - Não choro por nada que a vida traga ou leve.
24 - Nunca se viveu tanto como quando se pensou muito.
25 - Com um charuto caro e os olhos fechados é ser rico.

"Dizer! Saber dizer!"
Encontrei estas frases espalhadas nas 558 páginas do "Livro do Desassossego".  Podiam ser outras de entre as muitas sublinhadas, podiam ser  30, 40, 50, ou mais ainda, mas foram estas as que eu escolhi para compartilhar. São curtas, perfeitas, inspiradoras, provocadoras, lindas!

Lindas são também as fotos cedidas por A. Gomes, do blogue "Existe Sempre um Lugar". Obrigada, amigo!

Bom fim-de-semana!