29 junho, 2012

"O fim da inocência" - Francisco Salgueiro

Sabe realmente o que se passa com os seus filhos assim que fecham a porta de casa e chegam à rua?
Está atento ao que se passa?
Se não está, leia esta história chocante e polémica e mude os comportamentos.
Se está, divulgue a mensagem aos seus amigos, pais de adolescentes.
Este Diário secreto de uma adolescente portuguesa, é a história real de Inês, uma jovem de dezassete anos, que desde os doze vive uma espiral de muito álcool, drogas e sexo
A Sinopse prepara-nos para o tema explosivo:
Aos olhos do mundo Inês é a menina perfeita. Frequenta um dos melhores colégios nos arredores de Lisboa e relaciona-se com filhos de embaixadores e presidentes de grandes empresas. Por detrás das aparências, a realidade é outra, e bem distinta. Inês e os seus amigos são consumidos regulares de drogas, participam em arriscados jogos sexuais e utilizam desregradamente a internet, transformando as suas vidas numa espiral marcada pelo descontrolo físico e emocional.
Mas não nos prepara para o enorme murro no estômago que sentimos ao ler esta história chocante, contada na primeira pessoa e numa linguagem medonha, dura, arrepiante.
Perdi a virgindade aos catorze anos. Era velha quando isso aconteceu. Pelo menos, comparando com a maior parte das minhas amigas. Desde os doze que elas gozavam comigo por ainda não ter ido para a cama com um rapaz, tal como já haviam feito.
Aos catorze perdi a virgindade, e aí senti que fazia parte do clube, que naquela altura já nem era assim tão restrito.
Não é fácil ler este livro.
Por diversas vezes senti vontade de interromper a leitura e devolvê-lo a quem mo emprestou – a Matoia, uma mãe e avó, atenta e corajosa, e minha paciente professora de pintura.
O que lhe diria eu, uma mãe de dois adultos e avó de uma netinha de quinze meses?
Refeita, consegui resistir, num desconforto repulsivo, e cheguei ao fim do livro que mais me incomodou.
E é por ter chegado ao fim, que recomendo a sua leitura a jovens (para se precaveram contra  pressões dos amigos (?), e excessiva utilização da net) e a adultos (para dialogarem com os filhos e estarem mais atentos ao seu comportamento).
Porque vivem tão rapidamente os nossos jovens?
Há tanto para descobrir nos vinte, nos trinta, nos quarenta…
Quando lá chegarem - já nada terá graça.

O fim da inocência, de Francisco Salgueiro
Oficina do Livro, 2010
221 págs.

26 junho, 2012

Vale a pena partilhar... Desmond Tutu

P: Quem é, para si, Nelson Mandela?
R: Um ser fantástico.
Quando vai para a prisão, é uma pessoa zangada, revoltada. Acreditava na violência como meio de conquistar a liberdade. E quando sai, emerge como uma pessoa extraordinariamente magnânime. O sofrimento por que passou ajudou-o a suavizar a sua posição. O sofrimento nem sempre faz isso, pode tornar as pessoas muito amargas. Mas a ele, ensinou-o a querer compreender a posição do outro. Ele acreditava convictamente que se é líder pelas pessoas que são lideradas e não em benefício próprio. Fomos incrivelmente abençoados por termos Madiba (Mandela) aos comandos, num momento da história do nosso país. Obviamente que temos de prestar tributo ao senhor De Klerk por ter tido a coragem de começar este processo. Mas é difícil ver quem teria alcançado o que foi alcançado, se não fosse Mandela.

Excerto da entrevista de Ana Dias Cordeiro a Desmond Tutu (Arcebispo da Igreja Anglicana e Nobel da Paz em 1984), publicada no jornal Público, de 25 Junho 2012
Foto tirada da net.

22 junho, 2012

"Goodbye, Columbus" - Philip Roth

... e, finalmente, li o primeiro livro de Philip Roth, publicado em 1959. Com ele, aquele que é um dos meus autores preferidos, venceu o National Book Award for Fiction, em 1960.

Para quê sonhar com o Taiti, se não se tem dinheiro para a viagem?
Num só livro temos a magnífica novela “Goodbye, Columbus” e cinco excelentes pequenos contos: “A conversão dos judeus”, “O defensor da fé”, “Epstein”, “Não se conhece um homem pela canção que canta” e “Eli, o fanático”.
Goodbye, Columbus” é a história de Neil Klugman e de Brenda Patimkin, personagens de um tórrido romance de verão, com todos os “ingredientes” para falhar: diferentes classes sociais; pressão familiar; a loucura da paixão; a urgência da descoberta sexual.
Neil (o menino pobre), recém-licenciado, idealista, trabalha na biblioteca e vive com os tios no bairro pobre de Newark.
Brenda (a menina rica), estudante universitária, pragmática, vive com os pais e dois irmãos no chique bairro suburbano de Short Hills
São ambos filhos de judeus – judeus a sério!
A história é narrada por Neil e começa assim:
A primeira vez que vi a Brenda, pediu-me que lhe tomasse conta dos óculos. Deu uns passos até à extremidade da prancha de saltos e fitou a piscina com olhos enevoados; até podia estar vazia, que a Brenda, míope como era, não teria dado por nada.
… e logo nessa noite, ao telefone …
- Como te chamas? Perguntou.
- Neil Klugman. Tomei-te conta dos óculos na piscina, lembras-te?
Ela respondeu-me com uma pergunta que, tenho a certeza, é tão embaraçosa para quem é feio como para quem é bonito. - Como é a tua cara?
- Sou… moreno.
- És preto?
- Não – respondi.
- Mas como é que é a tua cara?
- Posso ir aí hoje à noite mostrar-ta?
- Boa ideia – disse ela a rir-se.
A partir daí vivem uma tórrida paixão, perdidos em demorados banhos na piscina, românticas conversas, passeios a pé, subidas às montanhas, refeições abundantes e férias em casa dos... Patimkin. E muito, muito sexo.
Mas o Outono frio chega a Nova Jersey e o amor termina.
Para Neil, o humilde bibliotecário, a ousada Brenda foi uma desilusão. Porquê?
Leia para saber, e espante-se com o leque de extraordinários personagens.
Eu, como sempre, adorei!

Dos pequenos (GRANDES) contos, gostei particularmente do ternurento / hilariante O defensor da fé (são sublimes os diálogos entre o veterano Sargento Nathan Marx e o recruta oportunista Sheldon Grossbarte, ambos judeus) e do risível Epstein”.
Na novela e  nos contos o tema é o mesmo: o drama dos judeus americanos de classe média.
Aliás, será este o tema que perpassará toda a obra de Philip Roth.

Sobre Philip Roth, disse o grande Saul Bellow:
"Ao contrário dos que vêm ao mundo a uivar, cegos e nus, o Sr. Roth aparece com unhas, cabelo, dentes e a falar de forma coerente. É talentoso, espirituoso, enérgico e toca como um virtuoso".

Goodbye, Columbus, de Philip Roth
D. Quixote, 2012
Tradução de Francisco Agarez
293 págs.

19 junho, 2012

"O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá: uma história de amor" - Jorge Amado

Eis uma pequena/ENORME e fascinante história de amor, escrita pelo grande Jorge Amado.
Descobri o livro na estante da minha filha e não resisti a lê-lo e a trazê-lo para o meu rol.
Era uma vez antigamente, mas muito antigamente, nas profundas do passado quando os bichos falavam, os cachorros eram amarrados com linguiça, alfaiates casavam com princesas e as crianças chegavam no bico das cegonhas. Hoje meninos e meninas já nascem sabendo tudo, aprendem no ventre materno, onde se fazem psicoanalisar para escolher cada qual o complexo preferido, a angústia, a solidão, a violência.
Aconteceu naquele então uma história de amor.
É linda, linda, esta história de amor do Gato Malhado e da Andorinha Sinhá, contada em 74 páginas repletas de belas palavras e coloridas ilustrações.
Jorge Amado escreveu-a para presente do primeiro aniversário do seu filho João Jorge, em 1948, em Paris, onde vivia.
Nunca aceitou publicá-la.
Nunca… até 1976, quando as aguarelas coloridas do mestre baiano Carybé impediram que continuasse a opor-se à sua publicação.
Ainda bem, dizemos nós.
Curto foi o tempo do verão para o Gato e a Andorinha. Encheram-no com passeios vagabundos, com longas conversas à sombra das árvores, com sorrisos, com palavras murmuradas, com olhares tímidos porém expressivos, com alguns arrufos também…
Será que esta história de amor tem um final feliz?
Para saber tem de ler.
Maravilhoso!

O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá: uma história de amor, de Jorge Amado
Publicações Europa-América, 1978
74 págs.

15 junho, 2012

"Alma rebelde" - Carla M. Soares

Quem é Carla M. Soares?
Para mim será sempre a Carlinha do blog Monster Blues, que em boa hora “virou” escritora de romances e nos brindou com esta óptima primeira obra.
Se gosta de romances de época não deixe de ler a história de amor de Joana e Santiago, passada no século XIX, em Portugal. Pelo meio ficará a conhecer a história de Ester, a prima infeliz de Joana, que vive com o marido velho, cruel e mesquinho, em Lisboa.
Joana tinha sido educada para saber comportar-se e conversar socialmente e dançar, mas acima de tudo para obedecer.
A escravatura tinha sido abolida há uma eternidade, mas as meninas como ela continuavam a ser propriedade de seus pais, moeda de troca para casamentos convenientes.
E foi isso que aconteceu com Joana – a família trocou-a por um título e ainda teve de pagar muito dinheiro à nobre mas arruinada família D’Oriaga, uma das mais importantes e influentes famílias do reino.
Joana, uma jovem burguesa de vinte anos, bela e inteligente, educada para agradar e obedecer, foi “vendida” para casar com Santiago, amigo próximo do rei D. Pedro. Nunca viu o noivo e nada sabe sobre ele, para além do nome. Esperou-o para a cerimónia de noivado em casa dos seus pais, mas só apareceu o futuro sogro, o senhor D. Miguel D’Oriaga, um homem autoritário e frio, que se limitou a “fechar o contrato” e a partir de imediato.
Dias depois Joana deixa a família em Roussada (pág. 34) e parte para uma longa e penosa viagem até casa dos D’Oriaga. Acompanha-a Rosário, a sua ama e confidente.
Chega a Pero da Moça (pág. 52) com o medo nos olhos. Espera-a D. Ana, a sogra, uma mulher pequena e grisalha, afável, solitária e triste, de quem se tornará próxima, e Brites, a criada velha e gorda, que considera Santiago um “bom menino”. Ambas irão conquistar um lugar no seu coração.
Mais ninguém a espera.
Joana conhece o noivo dias depois (pág. 85). Santiago, um jovem bonito e elegante, todo coração e pele e energia, vai desarmá-la com promessas de igualdade, respeito e amor. Prepara-se o casamento. Os noivos aproveitam os dias para se conhecerem. Santiago deseja-a: Meu pai pode ter feito o seu trato, mas bem sabes que o nosso casamento não é nenhum negócio para mim. É a nossa vida. Joana, a jovem rebelde (?), não sabe se poderá confiar nele e continua a duvidar de si própria: Que tenho eu para oferecer a quem conhece o mundo e é amigo do Rei? Não sou ninguém. Não sou nada.
E chega o dia da boda (pág. 231).
O que se segue? Leia para saber.

E digo eu:
. Achei as primeiras páginas do romance um pouco maçadoras, com descrições exaustivas (a viagem de Joana) e pormenores desinteressantes e repetitivos (o convívio de Joana com D. Ana e o noivado de Joana e Santiago). Na pág. 85 deu-se o “clique” e só parei no fim.
. Até à página 231 a acção rola demasiado lenta, a partir daí tudo se precipita em estranhos saltos temporais.
. Gostei da maneira inteligente como estão contadas as duas histórias (Joana e Santiago – Ester e o marido velho), seja através do narrador, seja através das cartas trocadas entre as primas, seja, ainda, através dos desabafos escritos por Joana.
. Gostei da integração no texto de referências, mesmo que ligeiras, a factos históricos.
. Gostei do rigoroso retrato da época e do enredo inteligente.
. Gostei da escrita simples e fluente.
. Não gostei do uso excessivo de reticências. Veja-se o exemplo:
- Vou ter sempre, Santiago. Por favor… Esta não é a minha casa, não é a minha família. Tenho medo, sim, de D. Miguel, de ti, da nossa vida. Tinha… tenho medo de ter esperança e depois… depois do casamento, tu… - engoliu as palavras e os soluços. Não ia chorar.
Que tenha outras mulheres, como a Alice?
Joana abanou a cabeça em negação.
- Não. Sei que devo esperá-lo… é… todos os homens…
Toda a satisfação desapareceu do rosto de Santiago.
Nada que não se corrija.
Carlinha, espero pelo próximo!

Alma rebelde, de Carla M. Soares
Porto Editora, 2012-06-14
280 págs.

12 junho, 2012

Vale a pena ler... Nuno Pacheco

Lisboa está mais pobre.
Chegou agora a vez d’A Livraria Petrony, fundada em 1955, encerrar portas.
Que tristeza!

Livrarias a desaparecerem não é, infelizmente, novidade. A Livraria Portugal já foi submersa por tapumes, ferramentas e poeira e dela nascerá não se sabe o quê. Mas o mais estranho é assistir, em silêncio, ao desaparecimento físico de uma livraria. Foi o que sucedeu, um dia destes, em Lisboa, com a Livraria Petrony…
… da Petrony desapareceu tudo: a porta de ferro, as esguias montras, a tabuleta. Não sobrou sequer o número da porta, o 90. Foi uma morte física apenas, porque a livraria subsiste na Internet. Tem endereço e caixa postal, só para manter qualquer coisa visível. Mas um apartado como morada de uma loja de livros é o mesmo que, para os vivos, uma pequena gaveta num cemitério.

Excerto da crónica publicada na Revista 2 do jornal Público, de 10 Junho 2012
Vale a pena ler na íntegra.

09 junho, 2012

Politiquices...

Parcerias público-privadas (PPP) - as parcerias da conspurcação...
“Não foi só agora que ficámos a saber…
... que o partido que em cada momento controla o Estado encomenda a empresas amigas obras vistosas e inúteis que não pode pagar para conseguir simultaneamente a) mostrar obra de pedra e cal aos papalvos que votam neles, b) meter uns dinheiros no bolso das empresas amigas, tudo bons rapazes, c) garantir o financiamento do partido, porque uma mão lava a outra, e d) assegurar os futuros empregos dos dirigentes partidários, porque as duas mãos lavam a cara.
… que os governos têm como preocupação central ser reeleitos e não hesitam em hipotecar o nosso futuro, desperdiçando recursos escassos, comprando caro e mal…
… que, nas negociações e renegociações das PPP, as empresas e os bancos privados sempre conseguiram fazer vingar as suas posições e interesses e do lado do Estado sempre houve dificuldade em fazer vingar argumentos que defendessem a coisa pública…”.

Excerto da crónica "As PPP ou o reino da desvergonha" de José Vitor Malheiros, publicada no jornal Público de 5 de Junho2012.

08 junho, 2012

"Siddhartha" - Hermann Hesse

- O que sabes fazer?
- Sei pensar. Sei esperar. Sei jejuar.
- Nada mais?
- Nada. Não, também sei fazer poemas.
Já eu, que não sei fazer poemas, vou guardar segredo sobre o que senti e o que aprendi com este sublime poema indiano.
Digo, apenas, que foi uma experiência enriquecedora “encontrar-me” com Siddhartha, numa viagem existencial de 155 páginas de palavras mágicas, puras como o mel das abelhas.
Mas quem é Siddhartha?
Siddhartha nasce na Índia, no século VI a.C. É filho de um brâmane erudito e gosta de conversar com os sábios, treinar a retórica com o amigo Govinda, praticar a arte da contemplação e da meditação e pronunciar, silenciosamente, o Om, a palavra das palavras.
Depois de uma infância e juventude feliz, rodeado de muita beleza, alegria, proteção, sabedoria e contemplação, e longe das misérias do mundo, começa a sentir que ali já nada o sacia e faz feliz e parte em busca do milagre do pensamento puro.
Govinda, o amigo, acompanha-o.
Pelo caminho Siddhartha despe o trajo de brâmane e veste a tanga e a capa simples cor de terra dos samanas. Com eles vai praticar a anulação de si mesmo e percorrer o caminho da autonegação através da meditação, esvaziando o espírito de todas as ideias.
Três anos depois, abandona os samanas e parte em busca de luz e paz na doutrina de Gotama, o sublime, o Buda iluminado que tinha vencido em si a mágoa do mundo.
Siddhartha venera o Buda iluminado e aprende com a sua doutrina mas, uma vez mais, decide partir em busca do seu verdadeiro Eu.
Na floresta deixa a sua vida passada e Govinda, o amigo.
É bom termos a experiência de tudo o que queremos saber.
Na sua longa viagem existencial, Siddhartha chega à cidade, onde experimenta a arte do amor com a bela Kamala, aprende a fazer negócios e torna-se rico, exerce o poder sobre as pessoas, perde-se no desprezível caminho do jogo, torna-se indolente, avarento e ambicioso. Mas também deixa de sorrir, envelhece e adoece.
Lentamente, a doença de alma dos ricos dominava-o.
Então, um dia, deixa a cidade em busca de paz e não volta mais.
Com ele leva o conhecimento de três artes nobres e inultrapassáveis: jejuar – esperar – pensar. São a sua riqueza, o seu poder e a sua força, o seu bordão seguro…
Siddhartha volta ao caminho da paz e chega às margens do rio que atravessou no início da sua longa viagem. Reconhece Vasudeva, o barqueiro que o transportou no seu barco. Com ele vai tornar-se barqueiro. Com ele vai aprender a escutar o rio, a escutar a voz da vida.
… aquela água corria continuamente, corria sempre mas estava sempre ali, para todo o sempre a mesma e, no entanto, a cada momento nova! Ah, quem isto compreendesse!
Maravilha!
Aconselho, vivamente, a leitura deste livro a quem anda perdido na busca do seu próprio caminho.
Eu não esquecerei Siddhartha - senti-me ao seu lado ao longo de toda a caminhada.

Siddhartha (1922), de Hermann Hesse
Casa das Letras, 1998
Tradução de Pedro Miguel Dias
155 págs.

05 junho, 2012

Desafio nº 7: Um observou e discursou... outro publicou. De que livro se trata?

Suponhamos, com efeito, que um Branco tem vontade de fazer qualquer coisa e que o seu coração arde de desejo por isso: que por exemplo, lhe apetece ir deitar-se ao sol, ou andar de canoa no rio, ou ir ver a sua bem-amada. Que faz ele então? Na maior parte das vezes estraga o prazer com esta ideia fixa: «não tenho tempo de ser feliz». Mesmo dispondo de todo o tempo que queira, nem com a melhor boa vontade o reconhece. Acusa mil e uma coisas de lhe tomarem o tempo e, de mau grado e resmungando, debruça-se sobre o trabalho que não tem vontade nenhuma de fazer, que não lhe dá qualquer prazer e que ninguém, a não ser ele próprio, o obriga a fazer.
Nunca fui capaz de entender isto, julgo que se trata de uma doença grave. «O tempo escapa-se-me por entre os dedos!», «O tempo corre mais veloz do que um cavalo!», «Dá-me um pouco mais de tempo!» - tais são os queixumes do homem branco.

Ajuda se eu disser que o livro, publicado pela primeira vez em 1920, fez um sucesso estrondoso por todo o mundo?
Ajuda se eu disser que em Portugal foi publicado pela editora Antígona, em 1989?

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Resposta do Desafio nº 6:
Ora bem, claro que é “Cem anos de solidão”, do GRANDE Gabriel García Márquez, vencedor do Nobel da Literatura 1982.
Disse ele: Propus-me escrever Cem anos de solidão para dar uma saída literária, integral, a todas as experiências que de uma maneira ou de outra me marcaram na infância. Eu não faço sair os meus livros do nada mas da realidade da América Latina.
Ainda bem, digo eu.
Parabéns para quem acertou.

01 junho, 2012

"O amor nos tempos da cólera" - Gabriel García Márquez

Só Deus sabe quanto te amei.
Estas foram as últimas palavras do doutor Juvenal Urbino para Fermina Daza, a mulher com quem viveu um casamento de cinquenta anos.
Mas podiam ser as primeiras palavras de Florentino Ariza para Fermina Daza, agora viúva, no primeiro encontro a sós, depois de cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias de amor eterno.
E é essa longa história de amor que Gabriel García Márquez conta neste extraordinário romance. E conta-a de forma mágica, sem pressa, como só ele sabe.
Mas vamos à história em que os sintomas do amor são idênticos aos da cólera.
Local: uma pequena cidade do Caribe. Tempo: final do séc. XIX, princípio do séc. XX.
No dia do funeral do doutor Juvenal Urbino, Florentino Ariza vai apresentar condolências a Fermina Daza e repete-lhe o juramento da fidelidade eterna e do seu amor para sempre.
O amor torna-se maior e mais nobre na adversidade.
Tinham passado cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias sobre o momento em que Fermina, então com dezoito anos, o repudiara e apagara da sua vida, depois de um longo namoro de cartas diárias, serenatas pungentes, poemas suplicantes e flores perfumadas.
Já Florentino, que na altura do rompimento tinha vinte e dois anos, pensara nela todos os dias, mantendo a paixão viva à custa de memórias, numa solidão sem revolta, atenuada esporadicamente em relações ocasionais.
As memórias de um e outro são o corpo principal deste romance, um verdadeiro hino ao amor, à velhice, à morte.
…a memória do coração elimina as más recordações e exalta as boas e, graças a esse artifício, conseguimos suportar o passado.
Tudo começa com a casual troca de olhares de Florentino (funcionário dos Correios) e Fermina (estudante e filha de um comerciante de mulas); segue-se um atribulado e secreto namoro de três anos de correspondência apaixonada; continua com a partida dela para a viagem do esquecimento (por imposição do pai); o regresso ano e meio depois; a carta dela que o deixa à beira da loucura: Hoje, quando o vi apercebi-me que o que se passou connosco não foi mais do que uma ilusão; a desilusão dele; o casamento dela com um médico e a entrada na sociedade; a decisão dele de ganhar nome e fortuna para a recuperar; o afastamento silencioso de ambos até à primeira noite de viuvez de Fermina.
Florentino Ariza sabia que estava predestinado a fazer feliz uma viúva, e que ela o faria feliz, e isso não o preocupava. Pelo contrário: estava preparado.
Assim aconteceu, num dos mais belos finais que já li.
Foi um prazer voltar a este romance fabuloso!
Como diz João de Melo (na Introdução): É um livro para viver.

O amor nos tempos da cólera, de Gabriel García Márquez
Círculo de Leitores, 1987
Tradução de Margarida Santiago
365 págs.