Um dia destes, ao mexer numa caixa de memórias que guardo na arrecadação, encontrei dois livros de autógrafos dos meus 11, 12 e 13 anos. (Sim, eu sou do tempo em que os(as) adolescentes coleccionavam autógrafos de colegas, de professores, de familiares, de amigos e de ídolos.)
Fiquei contentíssima!
Desfolhei folha por folha, com todo o cuidado.
Li e reli, todas as frases e versos.
Mirei e admirei os desenhos, alguns simples e outros muito rebuscados.
Tentei associar os nomes a rostos, mas não consegui.
Voltei a invejar (inveja boa) a letra linda da Anabela, a chefe da minha turma no 1º ano do Ciclo Preparatória da Escola Técnica Elementar Governador Joaquim de Araújo, em Lourenço Marques (actual Maputo).
Descobri alguns conselhos de professores e professoras. Segui-os? Hum, nem todos.
E a dada altura... descobri um autógrafo do rei Eusébio?
Do Eusébio? Eu, que mal nasci ouvi o meu pai dizer que eu teria de ser sportinguista como ele... e sou!
Sempre que equipas de futebol portuguesas (da Metrópole) iam jogar a Lourenço Marques, rapazes e raparigas esperavam os craques à porta do hotel onde estavam alojados para conseguir um simplesinho autógrafo. E eu, por estranho que agora me pareça, também para lá ia...
No dia em que entrei em casa eufórica com o livro aberto no autógrafo do rei, o meu pai quase teve uma síncope. Não gostou da brincadeira e ficou "verde de raiva". Verde da cor da camisola do Sporting, e só acalmou quando o convenci que eu continuava a preferir o verde ao vermelho, o leão à águia.
(A ida de um equipa de futebol da Metrópole a Lourenço Marques provocada uma onda de loucura total na cidade.)
(A ida de um equipa de futebol da Metrópole a Lourenço Marques provocada uma onda de loucura total na cidade.)
Mais adiante descobri um autógrafo dos elementos do Conjunto Académico João Paulo, cujas baladas românticas me despedaçavam o coração. Assisti a um concerto deles no Teatro Gil Vicente e cantei e dancei e chorei de encantamento. Garotinha!!!!
A minha canção preferida era "Eu tão só". Porquê não sei, pois na altura namoriscava com o baterista de um conjunto local e não faltava a um espectáculo nem tarde dançante onde actuasse. Não dançava, limitava-me a olhar embevecida para os gestos tresloucados dele a martelar nos pratos, bombos, ferrinhos e pandeiros.
Os meus pais (uma ida ao baile sem os pais era impossível naquela idade) estranhavam o meu comportamento sem suspeitarem, grande sorte, que o meu coração dançava ao compasso daquela bateria.
Foram muitas as horas da minha adolescência gastas a olhar para o baterista. Muitas horas mesmo porque ele vivia no prédio à frente do meu e de varanda para varanda também nos olhávamos à exaustão.
Um dia fartei-me de tanto barulho da bateria e de tanto olhar para a mesma varanda e terminei o namorico. Melhor, mandei-lhe um recado por uma amiga comum: acabou! Eu, novinha, imberbe, não consegui fazê-lo. Envergonhada, fugi da varanda e deixei de ir a tardes dançantes onde ele actuasse. Nunca me perdoei e através de amigos soube que também ele nunca me perdoou. Já em Portugal, mais madura, procurei-o para lhe olhar nos olhos e pedir desculpa. Nunca o encontrei!
Aos quinze anos conheci aquele que viria a ser o pai dos meus filhos e com ele casei aos dezanove. Tinha mais seis anos do que eu, não tocava qualquer instrumento, nem gostava de dançar, mas lia, lia muito. Depois do barulho o silêncio, tanto melhor!
Kanimambo Moçambique, por tantas boas memórias da minha infância e adolescência.
Voltarei à minha caixa de memórias... e saudades!
Voltarei à minha caixa de memórias... e saudades!