… o universo é um composto de maldades e invejas…
Comprei o meu primeiro livro de Machado de Assis numa banca no corredor de um pequeno Centro Comercial. Achei pouco e queria mais. Nada mais ali havia.
Por essa razão, comecei a ler o prestigiado escritor brasileiro pelo terceiro volume da colecção de seis volumes de contos, organizada por João Cezar de Castro Rocha, que revela um lado pouco explorado do génio de Machado de Assis e apresenta os contos agrupados cronológica e tematicamente:
Vol. 1 - Música e literatura
Vol. 2 - Adultério e crime
Vol. 3 - Filosofia
Vol. 4 - Dissimulação e vaidade
Vol. 5 - Política e escravidão
Vol. 6 - Desrazão
Machado de Assis e a filosofia
Na Introdução João Cezar de Castro Rocha esclarece que neste volume o leitor não encontrará alusões a hipotéticas filiações de Machado de Assis a este ou aquele filósofo (…) Machado de Assis não foi (e nunca almejou ser) filósofo (… ) põe em movimento uma forma especial de reflexão, um modo particular de compreender o mundo, irredutível a sistemas ou escolas.
Esclarecida, iniciei a leitura do primeiro conto “Uma excursão milagrosa” (publicado no Jornal das Famílias, em Abril e Maio de 1866), em cuja trama, Tito, vinte anos, poeta e infeliz, sem inspiração e sem dinheiro, conhece um sujeito rico, maníaco pela fama de poeta, que lhe faz uma proposta tentadora: compra-lhe por bom preço todos os versos, preferencialmente odes e poesias de sentimento, com a condição de ele os poder dar à estampa como obra sua. Tito pensou, pensou e um dia procurou-o disposto a aceitar o negócio. O sujeito, rindo-se com um riso diabólico, fez o primeiro adiantamento…
Gostei do primeiro conto, avancei para os restantes dezoito. Destaco alguns:
- “O Sainete” (publicado em A Época, 1875), neste, o Dr. Maciel, vinte e cinco anos, foi atingido mesmo no centro do coração por uma “seta do deus alado” - ama a viúva Eulália, mas ela ignora-o, com calculada crueldade; mas só até descobrir a paixão da amiga Fernanda pelo jovem médico. A viúva descobriu-lhe os méritos com os olhos de Fernanda; e bastou vê-lo preferido para que ela o preferisse. Se me miras, me miram…
- “A Igreja do Diabo” (publicado em Gazeta de Notícias, 1883) - Conta um velho manuscrito beneditino que o Diabo, em certo dia, teve a ideia de fundar uma igreja. Mais, decide comunicar a Deus a sua ideia.
Deus, adverte-o:
- Tu és vulgar, que é o pior que pode acontecer a um espírito da tua espécie, replicou-lhe o Senhor. Tudo o que dizes ou digas está dito e redito pelos moralistas do mundo. É assunto gasto; e se não tens força, nem originalidade para renovar um assunto gasto, melhor é que te cales e te retires.
Humilhado, o Diabo insiste:
- Sim, sou o Diabo (...) não o Diabo das noites sulfúreas, dos contos soníferos, terror das crianças, mas o Diabo verdadeiro e único, o próprio génio da natureza, a que se deu aquele nome para arredá-lo do coração dos homens. Vede-me gentil e airoso…
- “Evolução” (publicado em Gazeta de Notícias, 1884), tem este extraordinário início:
CHAMO-ME INÁCIO; ELE, BENEDITO. Não digo o resto dos nossos nomes por um sentimento de compostura, que toda a gente discreta apreciará. Inácio basta. Contentem-se com Benedito. Não é muito, mas é alguma coisa, e está com a filosofia de Julieta: “Que valem os nomes? Perguntava ela ao namorado. A rosa, como quer que se lhe chame, terá sempre o mesmo cheiro”. Vamos ao cheiro do Benedito...
"O Imortal" (publicado em A Estação, 1882) - Meu pai sabia uma infinidade de coisas: filosofia, jurisprudência, teologia, arqueologia, química, física, matemática, astronomia, botânica, sabia arquitectura, pintura, música. Sabia o diabo...
Gostei bastante destes "contos filosóficos”. Tanto que vou procurar os restantes volume da colecção. (Não fosse eu louquinha por contos...)
São histórias simples, lindas, comoventes, para ler e reflectir sobre a filosofia do tempo e o mistério da vida.
Recomendo!
Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) nasceu no Rio de Janeiro, em pleno Período Regencial.
Filho de um pintor de paredes e de uma lavadeira (ambos sabiam ler e escrever), Machado de Assis não frequentou a universidade mas sempre mostrou um profundo interesse pelas letras.
Ganhou a confiança do Padre Silveira Sarmento, que viria a ser seu amigo, mentor espiritual e professor de latim.
Machado de Assis fez parte do grupo fundador da Academia Brasileira de Letras, e foi seu primeiro presidente.
É um dos nomes maiores da literatura brasileira. Deixou uma extensa obra como romancista, cronista, poeta, dramaturgo, jornalista, critico literário, comentador e relator dos eventos político-sociais da sua época. Obra onde expôs a visão do mundo que o mantém lembrado e celebrizado.