“Em Viagem pela Europa de Leste“ é a crónica testemunhal da viagem que Gabriel García Márquez realizou pelos países do enclave comunista, nos anos 50, acompanhado da francesa Jacqueline, paginadora numa revista de Paris, e do italiano Franco, correspondente ocasional de revistas milanesas.
Frankfurt, 18 de Junho, dez da manhã - Franco tinha comprado para o verão um automóvel francês e não sabia o que fazer com ele, de maneira que nos propôs «ir ver o que há atrás da “cortina de ferro”». Ao entardecer do mesmo dia, um garboso militar alemão examina os três passaportes e de imediato autoriza que atravessem a zona de ninguém, os 800 metros em branco que separam os dois mundos. Já na fronteira as coisas complicam-se. Um jovem soldado russo, armado de pistola-metralhadora, enfiado num uniforme pobre e sujo e grande demais, faz-lhes sinal para pararem antes da barreira e esperarem pelo pessoal da alfandega, que jantava. Era noite escura quando a barreira foi levantada, eles passaram, mas logo voltaram a ser parados. Só depois da uma da manhã recebem autorização de entrada na Alemanha Oriental. Estavam exasperados, esfomeados e no limite da fadiga.
Primeiro mito a cair: a «Cortina de Ferro» não é uma cortina nem é de ferro. É uma barreira de pau pintada de vermelho e branco…
Primeiro contacto com o proletariado do mundo oriental: às oito da manhã, no restaurante de uma bomba de gasolina à beira da autoestrada, uma centena de homens e mulheres de rostos atormentados, maltrapilhos, a comer em abundância batatas e carne e ovos estrelados no meio de um surdo rumor humano e num salão cheio de fumo; era gente estragada, amargurada.
A viagem prossegue pela Checoslováquia "o único país socialista onde as pessoas não parecem sofrer de tensão nervosa e onde não se tem a impressão – falsa ou verdadeira – de se ser controlado pela polícia secreta"; pela Polónia "os polacos tentam continuar vivos com uma certa nobreza. Andam remendados, mas não rotos (…) conservam uma dignidade que infunde respeito. Varsóvia está cheia de livros (…) os polacos enchem com a leitura todos os vazios da vida); pela Hungria (esta gente está morta" e pela União Soviética, "os soviéticos são um pouco histéricos quando expressam os seus sentimentos. Alegram-se com saltos de cossacos, despem a camisa para a oferecerem e lavam-se em lágrimas para se despedirem de um amigo. Em contrapartida, porém, são extraordinariamente cautelosos e discretos quando falam de política. Nesse terreno é inútil conversar com eles para encontrar algo de novo: as respostas estão publicadas. Não fazem outra coisa senão repetir os argumentos do Pravda".
Consegue Gabriel García Márquez "desvendar a verdadeira face do comunismo idealizado por Lenine: um regime kafkiano que quase não é questionado por um povo assustado que parece resignar-se ao seu destino"?
A resposta a esta pergunta e a muitas outras, encontram-se nas páginas desta crónica, que à época foi publicada em fascículos. Uma rigorosa análise de acontecimentos políticos e sociais irrepetíveis, aclarada pelo olhar desassombrado do escritor/jornalista perante a pobreza extrema, a resignação, a desmotivação, a tristeza, a simplicidade, a bondade, a franqueza das pessoas que andavam pela rua de sapatos rotos…
Leia!
(Em 1990 visitei Praga e Budapeste. Eram cidades tranquilas, ricas em beleza natural e arquitectónica, mas esvaziadas de luz e impreparadas para receber turistas. A pobreza era visível e chocante principalmente na população triste, amargurada e silenciosa que ignorava/desprezava os estrangeiros. Eram poucos os carros que circulavam nas largas avenidas. Eram menos as pessoas que calcorreavam as ruas. As lojas estavam abertas, mas vazias de artigos. Os turistas eram instalados em enormes hotéis de 5 estrelas, de visual antiquado. Como estarão agora estas cidades encantadoras? Gostava de lá voltar!
(Em 1990 visitei Praga e Budapeste. Eram cidades tranquilas, ricas em beleza natural e arquitectónica, mas esvaziadas de luz e impreparadas para receber turistas. A pobreza era visível e chocante principalmente na população triste, amargurada e silenciosa que ignorava/desprezava os estrangeiros. Eram poucos os carros que circulavam nas largas avenidas. Eram menos as pessoas que calcorreavam as ruas. As lojas estavam abertas, mas vazias de artigos. Os turistas eram instalados em enormes hotéis de 5 estrelas, de visual antiquado. Como estarão agora estas cidades encantadoras? Gostava de lá voltar!
Em Agosto de 2017 visitei a Alemanha. Que país fascinante! Em breve postarei fotos no meu blogue "fugas reveladas".)
Em viagem pela Europa de Leste, de Gabriel García Márquez
Tradução de J. Teixeira de Aguilar
Ed. D. Quixote, 2017
190 págs.
Vou gostar de ler!bj
ResponderEliminarUm verdadeiro documento histórico, Teresa.
ResponderEliminarAinda bem que García Marques o escreveu,
com as suas impressões e visão lúcida.
Virei ver as suas fotos da Alemanha. Eu
gosto muito de apreciar essas impressões de
viagem, embora eu não tenha muito jeito
para isso, isto é, para o fazer. Deixo passar
muito tempo...
Bj
Olinda