29 novembro, 2015

8º - Excertos do "Livro do desassossego", de Fernando Pessoa

54-(1914?)
“Amar é maçador, mas é talvez preferível a não amar. O sonho, porém, substitui tudo. Nele pode haver toda a noção do esforço sem o esforço real. Dentro do sonho posso entrar em batalhas sem risco de ter medo ou de ser ferido. Posso raciocinar, sem que tenha em vista chegar a uma verdade, a que me doa que nunca chego; sem querer resolver um problema que veja que nunca resolvo. Posso amar sem que me recusem ou me traiam, ou me aborreçam. Posso mudar de amada e ela será sempre a mesma. (...) 
Em sonho posso viver as maiores angústias, as maiores torturas, as maiores vitórias. Posso viver tudo isso tal como se fora da vida; depende apenas do meu poder em tornar o sonho vivido, nítido, real. Isso exige estudo e paciência interior.
Há várias maneiras de sonhar. Uma é abandonar-se aos sonhos, sem procurar torná-los nítidos, deixar-se ir no vago e no crepúsculo das sensações. É inferior e cansa, porque esse modo de sonhar é monótono, sempre o mesmo. Há o sonho nítido e dirigido, mas aí o esforço em dirigir o sonho trai o artifício demasiadamente. O artista supremo, o sonhador como eu o sou, tem só o esforço de querer que o sonho seja tal, que tome tais caprichos... e ele desenrola-se diante dele assim como ele o desejaria, mas não poderia conceber, se fatigaria de fazê-lo. Quero sonhar-me rei... Num ato brusco, quero-o. E eis-me súbito rei dum país qualquer. Qual, de que espécie, o sonho mo dirá... Porque eu cheguei a esta vitória sobre o que sonho – que os meus sonhos trazem-me sempre inesperadamente o que eu quero.”

Leia (tudo) e… deslumbre-se!



1 comentário:

  1. Dirigir o sonho...Sonhar o que se quer.
    Bem bom! Este Bernardo Soares
    sabe bem o que quer...às vezes.
    Obrigada por estes excertos. Uma
    leitura dirigida que muito apraz.
    Bj
    Olinda

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