07 novembro, 2015

"Galveias" - José Luís Peixoto


ENTRE TODOS OS LUGARES POSSÍVEIS, foi naquele ponto certo.
Durante um minuto inteiro, Galveias foi atravessada por uma sucessão de explosões contínuas, sem um intervalo pequeno, sem uma folga. (...)
Quando o barulho terminou, ficou o silêncio insistente, um guincho nos ouvidos. Então, podiam ter gritado, mas aquele já não era tempo de gritos, era hora de respirar. Por isso, todos foram para a rua, velhos crianças, mulheres, homens com a barba por fazer.
O ar estava coberto por um sólido cheiro a enxofre.
Galveias” é um magnífico romance (ou livro de memórias?), uma homenagem comovente prestada pelo autor aos seus conterrâneos galveenses.
Galveenses que numa noite escura e fria de Janeiro de 1984 ouvem um estrondo estranho, como se a terra estivesse a partir-se ao meio, e na manhã seguinte descobrem na herdade do Cortiço, uma coisa sem nome, caída numa cratera redonda e inédita, que só conseguem esquecer após sete dias de chuva ininterrupta.
“Galveias” é um bem construído retrato psicológico rural, que nos prende da primeira à última página. 
Depois do estranho início o romance prossegue com um rendilhado de histórias misteriosas, risíveis, sofredoras e enternecedoras, contadas a partir de um núcleo alargado de personagens, que convivem num tempo e num lugar: o velho Justino (quando decidiu matar o irmão que não via há mais de cinquenta anos, fizeram as pazes); Chico Francisco; João Paulo (doido por motas); Sem Medo; Funesto; doutor Matta Figueira; Acúrcio; Joaquim Janeiro (tem em casa uma caixa fechada onde guarda a Guiné); ti Adelina Tamanco; Joaquim Janeiro, Rosa Cabeça e Joana Barreta (uma história hilariante, um amor proibido); Bartolomeu; ti Silvina; menina Aida; Miau; Isabella (brasileira, prostituta e padeira); Cebolo; ti Manuel Camilo; Maria Teresa (a professora nortenha de língua afiada); Isaura; o padre Daniel; Maria Assunta; etc., etc., etc..
Todos temos um lugar onde a vida se acerta.
Sem acusar cansaço, e sempre sentindo no ar o cheiro do enxofre, calcorreamos as ruas geladas e escuras da vila; penetramos na intimidade de gente humilde e trabalhadora; espreitamos namoros, casamentos e funerais; sabemos de segredos; escutamos choros e lamentos; vimos passar a motorizada enlouquecida do Catarino; admiramos passos de dança; sentimos o cheiro de pão fresco; ouvimos ladrar cães de vários tamanhos; viajamos com o carteiro até à Guiné; fugimos de chuva gelada; lemos panfletos que anunciam aulas de alfabetização para adultos; revoltamo-nos com a tareia  dada ao ti Manuel Camilo; conhecemos o padre Daniel; vimos nascer uma menina, que tinha o cheiro normal das crianças acabadas ade nascer. Não cheirava a enxofre.

Galveias é uma pequena vila do distrito de Portalegre, terra natal de José Luís Peixoto.
Galveias não pode morrer.
Genial!

Galveias, de José Luís Peixoto
Ed. Quetzal, 2014
278 págs.

2 comentários:

  1. Também gostei muito... :)

    Beijinhos

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    1. Olá Teté,
      Da obra em prosa de JLP falta-me ler: "Antídoto", "Cal", "Dentro do Segredo" e o que acabou de chegar às livrarias.
      Aconselhas algum?
      Bjs.

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