24 março, 2012

"Middlesex" - Jeffrey Eugenides

Começarei por dizer que nasci duas vezes: primeiro, como menina bebé, num dia invulgarmente limpo na cidade de Detroit, em Janeiro de 1960. Depois, outra vez, como rapaz adolescente, numa sala de urgências perto de Petoskey, Michigan, em Agosto de 1974.
Com um primeiro parágrafo destes, alguém resiste a seguir a fantástica história de um gene que atravessa três gerações de uma família de gregos americanos, até florescer no quinto cromossoma de um hermafrodita, uma menina que ao crescer se revela no seu contrário?
Não!
Então preparem-se para a viagem longa, atribulada, apaixonante, alucinante, divertida e repleta de segredos, dum gene raro que, escondido durante duzentos e cinquenta anos na linha de sangue da família Stephanides, floresce no corpo da jovem Calliope (era assim que estava registada na certidão de nascimento) e desencadeia a série de acontecimentos que levaram Cal (é este o nome assinalado na carta de condução do diplomata, em Berlim) a escrever, aos 41 anos, a sua história.
E que história…
Como Tirésias, fui primeiro uma coisa e depois outra. Fui ridicularizado por colegas, usado como cobaia por médicos, apalpado por especialistas e investigado. Fui conduzida para uma batalha urbana por um tanque do exército; tornei-me um mito numa piscina; deixei o meu corpo a fim de ocupar outros – e, tudo isto, antes de fazer 16 anos.
Promete, não?!
O interessante neste livro é a forma intimista como Cal nos conta a sua própria história, falando das mutações do seu corpo, das peripécias na infância, da adolescência conturbada, dos amores ingénuos e dos amores adultos que teimavam em acabar antes de começar, tudo isto encadeado de forma magistral nas oito décadas de vida da sua família e nos factos políticos, sociais e culturais que mudaram países e mentalidades: o desmoronamento do Império Otomano (provoca a fuga dos avós da Grécia para a América, em 1922), os gloriosos tempos de Detroit industrial nos anos vinte, a Depressão de 1929, a Segunda Guerra Mundial, os motins raciais de 1967, etc.
São muitos os cenários da acção desta saga familiar: Grécia; Detroit e Middlesex, na América; Berlim, na Alemanha – esta cidade, outrora dividida faz-me lembrar a minha própria pessoa.
São muitos e inconfessados os segredos desta família: Sourmelina não era apenas minha prima germana em segundo grau, era igualmente minha avó. O meu pai era sobrinho da sua própria mãe (e pai). Para além de já serem meus avós, Lefty e Desdemona eram meus tio e tia-avós, respectivamente. Os meus pais seriam meus primos segundos de primeiro grau e o Capítulo Onze seria meu primo em terceiro grau, bem como meu irmão.
Confuso?
Li pela primeira vez este livro em 2004. Agora, as tristes notícias na imprensa sobre o declínio da cidade de Detroit impuseram que voltasse a ele. A leitura ou releitura de grandes livros é sempre agradável – não me arrependi.
As coisas mais importantes nunca dependem de nós. O nascimento, a morte. E o amor, diz Cal.
Infelizmente, digo eu.

Middlesex, de Jeffrey Eugenides
Dom Quixote, 2002
Tradução de Pedro Serras Pereira
521 págs.

 

3 comentários:

  1. O título deste livro é muito conhecido no entanto eu não vazia ideia do que se tratava. Esta opinião chamou-me a atenção até porque ultimamente ando inclinada para livros polémicos.

    Boas Leituras!

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  2. Olá Teresa, tenho um desafio para ti no eu blogue
    http://romancenalma.blogspot.pt/2012/03/tag-11-perguntas.html
    :)

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  3. Olá Mlle,
    Bem-vinda e obrigada. Vou responder.
    Bjs.

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