O meu desejo era ser escritor. Mas, depois dos acontecimentos que vou narrar, estudei engenharia geológica e tornei-me empreiteiro da construção civil. Mesmo assim, o facto de eu estar a contar a história agora não deveria levar os leitores a pensar que ela acabou, que pus tudo para trás das costas. Quanto mais recordo, mais fundo caio dentro dela. Talvez vós me sigais também, atraídos pelo enigma de pais e filhos.
Com um primeiro parágrafo destes, não resisti a querer “ouvir” a envolvente história de amor e mistério de Cem, protagonista-narrador de “A mulher de cabelo ruivo”, décimo romance do escritor turco Orhan Pamuk, Nobel da Literatura em 2006.
A primeira parte da história tem lugar em 1984: o adolescente Cem, filho único de uma família da classe média, entra para a escola secundária; o pai, dono de uma pequena farmácia, é uma vez mais detido por actividades políticas subversivas e nunca mais volta a casa; dificuldades financeiras obrigam Cem a trabalhar para pagar os estudos, primeiro numa livraria (lê muito nesse verão de 1985) depois, como guarda do pomar de cerejeiras e pereiras de um tio, de onde espreita, curioso, um homem de meia-idade escavar um poço no jardim ao lado do pomar. Quando finalmente a água jorra do poço o mestre escavador convida-o para ir com ele escavar outro poço num terreno baldio perto de uma pequena cidade nos arredores de Istambul… e a vida do jovem Cem vai mudar para sempre.
«Não vais ser escavador de poços. Vais para a universidade», diz-lhe a mãe. «Se não me deixares ir, fujo». Não foi necessário, e no dia da partida com o mestre Mahmut, ele promete à mãe «Não te preocupes, não irei nunca descer ao poço». Vai descer, sim, descer e subir. Já o mestre, vai descer mas quanto a subir…
No terreno baldio o mestre escolhe o sítio onde lhe parece haver água e no dia seguinte começam ambos a escavar o poço, metro a metro, «debaixo de um Sol em chamas». Segundo o mestre Mahmut, quanto mais fundo cavássemos, mais perto chegaríamos da esfera de Deus e dos seus anjos.
À medida que escavam cresce uma forte ligação entre o mestre tagarela e o aprendiz que absorvia tudo o que ele dizia. Como se fossem pai e filho, respeitam-se, estimam-se «aquele poço era o nosso projecto comum». O mestre Mahmut... contava-me histórias e ensinava-me lições; nunca se esquecia de perguntar se eu estava bem, se tinha fome, se estava cansado.
Depois de cavarem o dia inteiro, gostavam de ir juntos à povoação mais próxima, a quinze minutos a pé do poço, comprar provisões e procurar diversão. Foi ali que os olhos de Cem se cruzaram com os de uma mulher alta, sedutora, de sorriso doce e cabelo ruivo, a estrela de uma companhia de teatro itinerante, a Mulher de Cabelo Ruivo. Fascinado, Cem procura todas as noites a atraente ruiva de trinta e três anos (soube depois), que nunca mais verá depois de uma noite de amor. A sua primeira noite de amor.
Desorientado pelo desaparecimento da amada, Cem baixa o mestre para dentro do poço e desastrado deixa cair sobre ele o balde que se solta do gancho. Ouve um gemido profundo de dor. Assustado, sem consciência do que fizera, foge do local, abandonando o mestre ferido a vinte e cinco metros de profundidade. Foge sem pedir auxílio, foge para junto da mãe, em Istambul. Mas seria possível fingir que nada acontecera?
Trinta anos depois, segunda parte da história, Cem é um homem feliz, casado, sem descendência, empreiteiro de sucesso. Volta a encontrar o pai e apenas nalgumas noites sonha com o mestre Mahmut. A vida corre-lhe bem, até ao exacto momento em que a sua riqueza atrai o passado e as consequências são dramáticas.
«O meu pai deixou-nos!»
«Então é porque não era um pai... arranja um novo pai. Todos temos muitos pais neste país. A Pátria, Alá, o exército, a máfia... Ninguém aqui alguma vez devia ser órfão de pai.»
E mais não desvendo para você ler e descobrir como foi o reencontro de Cem com a Mulher de Cabelo Ruivo e com… hum, não digo. Nem que me atirem para dentro de um poço, não digo!
Estranho, intrigante, irresistível.
Recomendo!
A mulher de cabelo ruivo, de Orham Pamuk
Tradução de António Sousa Ribeiro
Editorial Presença, 2018
246 págs.
Olá!
ResponderEliminarTenho muita curiosidade com este autor. Tenho dele "A Cidadela Branca" por ler. Tenho que pegar nele.
Boas leituras
Olá Isaura, bem-vinda ao meu Rol.
EliminarNão conheço "A Cidadela Branca". Pouco li de Orhan Pamuk, apesar de
gostar imenso da sua escrita. Apenas li (e postei) "Istambul" e "A Vida Nova". Recomendo ambos.
Beijo, bom fim-de-semana.
Fiquei com muita vontade de ler. Mas tenho ainda tantos livros em casa para ler e desde a primeira cirurgia leio tão pouco. E o pior é que não sei quando os meus olhos estarão aptos a ler tudo o que tenho para ler.
ResponderEliminarAbraço e bom fim de semana
É assim Elvira, também eu tenho muitos livros em casa para ler. Nem sempre tenho tempo e quanto tenho, surge do nada uma dose de preguiça que me faz fugir de qualquer livro.
EliminarO que vale é que são fases passageiras.
Cuide dos seus olhos. Não dá para ler agora, lerá mais tarde.
Beijo e bom fim-de-semana.
Só li um livro deste autor, mas gostei tanto. Chama-se Istambul. Também gostaria deste livro, sim.
ResponderEliminarOlá, Bea!
EliminarLi "Istambul" anos depois de ter visitado a cidade e a leitura teve um gostinho especial.
"A primeira coisa que aprendi na escola foi que alguns eram estúpidos; quanto à segunda coisa, foi que alguns eram ainda mais estúpidos."
Fabuloso!
Beijo, fica bem.
Anotado para lista de próximas leituras. Por enquanto, deste autor, só li "Uma estranheza em mim".
ResponderEliminarTambém não li muitos mais, Luisa. Apenas 3.
EliminarGosto do título "Uma estranheza em mim". Anotado!
Beijo, bom fim-de-semana.
Olá, Teresinha!
ResponderEliminarAinda não tinha visto a tua nova foto de perfil, mas devo dizer-te que tens umas feições bem escorreitas, lavadas e um cabelo, que não sendo ruivo, tem um ar bem bonito e saudável.
Mas que romance interessante! Ultimamente, tendo dito e sinto que não tenho paciência para ler romances, qdo, em tempos, devorei em dois dias "Os Maias".
Não gostei da ação, da atitude do aprendiz em relação ao mestre, "pobrezinho", que ficou a 25m de profundidade no poço, gemendo. Teria morrido lá? E tudo isto por não saber mais da amada. Ora, mulheres haveria de encontrar outras, mas...
Depois deste triste episódio, Cem foge e volta para casa da mãe e a vida continua. Casa-se, tem filhos e torna-se empreiteiro civil. Então, mas a ruiva volta a aparecer? Zás, vai ser infiel, não mouro, mas cometer infidelidade, mas como é muçulmano ficará com as duas mulheres (até podem casar com três, legalmente) ou ficará só com a antiga amada, k lhe proporcionou a primeira noite de amor? estou cheia de interrogações.
Nunca li nada deste escritor, embora conheça o seu nome, mas agora fiquei curiosa.
Beijos e bom week-end.
Querida Céu, fizeste-me rir a esta hora da noite e só por isso, agradeço.
EliminarQuanto às perguntas sobre o romance, poderia mas não devo responder. Compreendes, né?! Se ficaste curiosa lê, vais gostar.
Beijo carinhoso, bom fim-de-semana.
Boa noite, Teresa!
ResponderEliminarGostaria de, primeiro, agradecer sua visita e comentários elogiosos em meu blog, Letras Que Se Movem. Obrigada!
Quanto a postagem devo dizer que fiquei por demais curiosa e tentada a ler A mulher de cabelo ruivo..., será que o cavador de poços, o sr. Mahmut está vivo???
Eu li do mesmo autor o romance NEVE. Posso dizer que fiquei envolvida da primeira a última página, super válida a leitura.
Valeu a partilha.
Bjs!
Olá, Sandra!
EliminarNada tens a agradecer amiga, a tua escrita merece todos os elogios.
Quanto ao Mahmut... bem, quanto ao mestre Mahmut (que acreditava que cada estrela correspondia a uma vida)... nada digo!!! Mas aconselho que leias este cativante romance.
"Neve", nunca vi sequer nas livrarias. Vou procurar melhor.
Beijo, óptimo fim-de-semana.
Hummm! Então ele acreditava que cada estrela correspondia a uma vida..., interessante.
EliminarEstou convencida, vou ler!
O livro dele que citei, Neve, é antigo; 2002.
Abraços e uma ótima semana.
Bom dia, Teresa Dias, minha amiga.
ResponderEliminarEu li, mas não descobri quem seria
o mestre de Cem, senão Rostam. Tal-
vez não fosse ele, mas sim Édipo,
quem sabe.
Beijos saudosos e respeitosos.
silvioafonso
.
Tu sabes muito, meu amigo... mas eu nada acrescento ao que já disse.
EliminarBeijo.
Um autor que vou ler este ano, talvez comece com os jardins da memória já que o Istambul tanto vejo opiniões positivas como negativas. Este não conhecia mas também fiquei curiosa. Beijinhos
ResponderEliminarLanda, para primeira leitura de Pamuk eu não te indicaria "Jardins da Memória" (narrativa demasiado complexa), nem sequer "Istambul". Talvez "A vida nova" ou mesmo "A mulher de cabelo ruivo".
EliminarBeijo, bom fim-de-semana.
Obrigada pelas sugestões. Boas leituras
EliminarSim, a mulher de cabelos ruivos entendi..., mas o mestre lá do poço?? O que será que aconteceu com ele? Tá, já sei que não vais contar...rsss
ResponderEliminarDeve ser muito interessante, só esse fato mexeu com a nossa curiosidade.
Beijo, querida amiga!
Tais, pudesse eu e entregava-te já, em mão, "A mulher de cabelo ruivo". Mas não posso!
EliminarEntão, amiguinha, compra, lê e espanta-te!
Beijo, bom domingo.
Descreves os livros de uma maneira que ficamos com a curiosidade aguçada. Deve ser bem interessante este livro “A mulher de cabelo ruivo”. Obrigada pela dica, minha Amiga Teresa.
ResponderEliminarUm beijo.
Querida Graça, poeta vizinha minha, é só quereres e eu entrego em mão.
EliminarBeijo, domingo feliz.
Querida Teresa
ResponderEliminarApesar do título do livro ser "A Mulher de cabelo ruivo", neste momento o que atiçou mais a minha curiosidade é o destino do mestre daquele aprendiz ingrato ou inconsciente. Contudo, acredito que o envolvimento amoroso dos dois ainda vai dar pano para manga...
Obrigada, minha amiga. Trazes ao teu Rol de Leituras livros e autores interessantíssimos.
Beijinhos
Olinda
Querida Olinda, tenho a certeza que irás gostar deste romance. Lê!
EliminarBeijo, boa semana.
Tô aqui lendo os comentários e rindo, Teresa! Pelo que parece não sou só eu que estou curiosa sobre o destino do mestre.
ResponderEliminarDepois de ler o comentário do Silvioafonso, mais curiosa ainda fiquei não só por saber o destino do mestre, mas por saber quem é o mestre!
Beijos!
Amiga Sandra, este romance é "a tua cara". Estou certíssima!
EliminarO Silvio tentou, empurrou, mas eu não caí... no poço!
Beijo, excelente semana.
Registo a sugestão com agrado e curiosidade.
ResponderEliminarBeijo, boa semana
Curioso, Pedro?!
EliminarPois então lê, vais ficar amarrado à história do Cem da primeira à última página. São apenas 246, coisa pouca!
Beijo, boa semana.
Teresa,
ResponderEliminarAdorei a Capa e o Título.
Bjins
CatiahoAlc.
Olá Tereza Dias, que sensacional, li de um fôlego só e fiquei tocada do desejo de ler o autor, também fiquei encantada com seu talento, linda narrativa. Amei a capa, o título é atraente!
ResponderEliminarGostei imenso de conhecer seu blog lindo.
Votos d e´timo fom de semana e feriadão.
Abraço
Olá Diná!
EliminarSeja muito bem-vinda ao meu Rol de Leituras.
Se gostou de ler este romance encantador de Orhan Pamuk aconselho a leitura dos outros dois que estão aqui no Rol. "A vida nova" é um deslumbramento!
Tenho andado afastada de Pamuk. Agora você me fez desejar voltar a lê-lo. Obrigada!
Beijo, bom fim-de-semanão.