ZUCKERMAN FICARA SEM TEMA. Sem saúde, sem cabelo e sem tema. O que não tinha importância, porque também não conseguia ter posição para escrever.
Foi este o romance (e autor) que escolhi para última leitura de 2015.
Nele voltei a encontrar Nathan Zuckerman, o escritor judeu protagonista de outras histórias divertidas imaginadas por Philip Roth.
Agora, com quarenta anos, três casamentos fracassados, Zuckerman vive atormentado por uma dor intensa que começa no pescoço e se propaga para os ombros, os braços e… o espírito. Uma dor que o incomoda quando caminha, está sentado, ou muito tempo de pé. Uma dor que o impede de escrever uma única página, seja na nova IBM que comprou para substituiu a velha máquina manual e portátil onde “martelava” há vinte anos (segundo um ortopedista podia ser a causa da estranha dor), seja à mão. Se bem que escrever à mão era aquilo para que tinha menos jeito. Dançava melhor a rumba do que escrevia à mão.
Mas dor não é o único problema de saúde de Zuckerman, ele tem a caixa torácica torcida. A clavícula torta. Levanta a parte inferior da omoplata esquerda como se fosse uma galinha. Até o úmero forçava a cápsula e encravava na articulação. Embora aos olhos de um leigo pudesse parecer mais ou menos simétrico e razoavelmente proporcionado, por dentro era tão deformado como Ricardo III, e ... está a perder cabelo.
Zuckerman sente-se com cem anos e com sorte por ainda ter dentes.
Na esperança de descobrir um tratamento, droga ou cura, consulta vários médicos - um psicanalista, três ortopedistas, dois neurologistas, um fisioterapeuta, um reumatologista, um radiologista, um osteopata, um médico de vitaminas, um analista, um especialista em couro cabeludo, um praticante de ioga – experimenta um colar ortopédico, pachos quentes, ultrassons, massagens, infiltrações, injeções, mas nada, nem ninguém, atenua ou sequer diagnostica a causa da misteriosa dor.
Ele era um homem saudável que sofria de dor.
Sofria mesmo?
A resposta começa a ser dada nas primeiras linhas desta história “dorida”, hilariante e muito, muito depravada.
Quando está doente, todo o homem quer a mãe; se ela não está por perto, outras mulheres têm de a substituir. No caso de Zuckerman eram quatro outras mulheres. Nunca tivera tantas mulheres ao mesmo tempo, nem tantos médicos, nem bebera tanta vodca, nem trabalhara tão pouco, nem conhecera o desespero em tão violentas proporções.
Se não bastar, continue a ler até descobrir o que faz ele de barriga para o ar, com a cabeça apoiada no dicionário de sinónimos, no tapete vermelho estendido no chão do escritório, depois de ditar ficção a uma jovem secretária de vinte anos. Melhor ainda, o que faz ele deitado no mesmo tapete, com as quatro mulheres do seu harém. Uma de cada vez, claro! Nem sequer imagina...
TUDO PERDIDO. Mãe, pai, irmão, terra natal, assunto, saúde, cabelo – na opinião do crítico Milton Appel, até o talento.
Desenganem-se. Nathan Zuckerman, o escritor falhado vai, aos quarenta anos, estudar medicina - quero ser obstetra, diz aos amigos incrédulos.
Já eu... nada mais digo sobre este desconcertante, hilariante e erótico romance.
Perdoo tudo ao meu escritor preferido.
Tudo!
A lição de anatomia (The Anatomy Lesson, 1983), de Philip Roth
Tradução de Francisco Agarez
Ed. D. Quixote, 2015
261 págs.
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