02 maio, 2015

"Vozes anoitecidas" - Mia Couto

Um homem chora? Sim, se lhe acordarem a criança que tem dentro.
Em 1987, Mia Couto, o biólogo, professor, jornalista e já então reconhecido poeta moçambicano, estreou-se na ficção com “Vozes anoitecidas”, uma compilação de doze histórias sobre a realidade moçambicana no período pós-guerra. Com ela recebeu o Grande Prémio da Narrativa (1990) e o reconhecimento mundial.
No Texto de Abertura Mia Couto avisa: O que me dói na miséria é a ignorância que ela tem de si mesma (...) Estas são histórias que desadormeceram em mim sempre a partir de qualquer coisa acontecida de verdade mas que me foi contada como se tivesse ocorrido na outra margem do mundo, depois, deslumbra com doze pequeninas histórias, magistralmente bem escritas, reais mesmo se inventadas, fascinantes mesmo se absurdas. Histórias trágicas, sofridas, tristes, iluminadas, contadas por homens e mulheres de “vozes anoitecidas”:
. A fogueira
A velha estava sentada na esteira, parada na espera do homem saído do mundo. As pernas sofriam o cansaço de duas vezes: dos caminhos idosos e dos tempos caminhados.
A fortuna dela estava espalhada pelo chão: tigelas, cestas, pilão. Em volta era o nada, mesmo o vento estava sozinho.
. O último aviso do corvo falador
… Dona Candida, mulata de volumosa bondade, mulher sem inimigo. Recém-viúva, já ex-viúva. Casou rápido segunda vez, desforrando os destemperos da ausência… Candida não podia guardar a vida dela. Seu corpo ainda estava para ser mexido, podia até ser mãe. Verdade é que, nesse intervalo, nunca foi muito viúva. Era uma solitária por acidente, não de crença. Nunca abrandou de ser mulher.
. O dia em que explodiu Mabata-bata
. Os pássaros de Deus
. De como se vazou a vida de Ascolino do Perpétuo Socorro
. Afinal, Carlota Gentina não chegou de voar?
. Saíde, o Lata de Água
Quando souberam que andava com ela, condenaram-no. Ela estava muito usada. Devia escolher uma intacta, para ser estreada com seu corpo. Ele não quis ouvir. Foi então que passaram a chamá-lo de Lata de Água. Em toda a parte, alcunha substituiu o nome. A água aceita a forma de qualquer coisa, não tem a própria personalidade.
. As baleias de Quissico
. De como o velho Jossias foi salvo das águas.
. A história dos aparecidos
É uma verdade: os mortos não devem aparecer, saltar a fronteira do mundo deles. Só vêm desorganizar a nossa tristeza.
. A menina do futuro torcido
. Patanhoca, o cobreiro apaixonado
O patanhoca foi ele que matou a china Mississe, dona da cantina da Muchatazina. Agora, a razão que lhe fez matar, não sei. Falam muita coisa, cada qual conforme. Perguntei, fui respondido. Vou contar a estória. Nem isso, pedaços de estória. Pedaços rasgados como as nossas vidas. Juntamos os bocados mas nunca completa.

São fascinantes estes contos de Mia Couto. Com o seu jeito próprio de brincar, iluminar e ritmar  as palavras, ele recupera memórias, dá voz a um povo sofrido e divulga a cultura moçambicana.
Leia-os e ficará como eu - maningue enfeitiçada.

Vozes anoitecidas, de Mia Couto
Ed. Caminho, 1987
151 págs.

3 comentários:

  1. Li pouca coisa do Mia Couto, mas gostei do que li.
    Amanhã vai estar aqui em Castelo Branco e espero ir ouvi-lo.

    Uma boa semana, Teresa e espero que tenha tido um dia feliz:)

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    1. Boa Isabel, eu nunca vi, nem ouvi, Mia Couto. Apenas li.
      O meu dia da mãe foi um nadinha triste, sem a mãe nem filhos junto de mim. É a vida!
      Boa semana também para si.
      Bjs.

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  2. Comecei a ler este este livro e ao fim do terceiro conto desisti: falava-se muito em morte e na época não estava com fibra para isso. De qualquer das formas, gosto mais da escrita de Mia do que propriamente dos seus enredos... :)

    Beijocas

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