(Praça do Martim Moniz - Castelo de S. Jorge)
"Amo, pelas tardes demoradas de verão, o sossego da cidade baixa, e sobretudo aquele sossego que o contraste acentua na parte que o dia mergulha em bulício. A Rua do Arsenal, a Rua da Alfândega, o prolongamento das ruas tristes que se alastram para leste desde que a da Alfândega cessa, toda a linha morta e separada dos cais quedos - tudo isso me conforta de tristeza, se me insiro, por essas tardes, na solidão do seu conjunto.
(Rua do Arsenal)
(Rua da Alfândega)
Por ali arrasto, até haver noite, uma sensação de vida parecida com a dessas ruas. De dia elas são cheias de um bulício que não quer dizer nada; de noite são cheias de uma falta de bulício que não quer dizer nada. Eu de dia sou nulo, e de noite sou eu. Não há diferença entre mim e as ruas do lado da Alfândega, salvo elas serem ruas e eu ser alma, o que pode ser que nada valha ante o que é a essência das coisas. Há um destino igual, porque é abstrato, para os homens e para as coisas - uma designação igualmente indiferente na álgebra do mistério.
(Praça do Rossio)
Mas há mais alguma coisa... Nessas horas lentas e vazias, sobe-me da alma à mente uma tristeza de todo o ser, a amargura de tudo ser ao mesmo tempo uma sensação minha e uma coisa externa, que não está em meu poder alterar.
Ah, quantas vezes os meus próprios sonhos se me erguem em coisas, não para me substituírem a realidade, mas para se me confessarem seus pares em eu os não querer, em me surgirem de fora, como o eléctrico que dá a volta na curva extrema da rua, ou a voz do apregoador noturno, de não sei que coisa, que se destaca, toada árabe, como um repuxo súbito, da monotonia do entardecer!"
(Rua do Ouro)
Ah, quantas vezes os meus próprios sonhos se me erguem em coisas, não para me substituírem a realidade, mas para se me confessarem seus pares em eu os não querer, em me surgirem de fora, como o eléctrico que dá a volta na curva extrema da rua, ou a voz do apregoador noturno, de não sei que coisa, que se destaca, toada árabe, como um repuxo súbito, da monotonia do entardecer!"
Duas boas escolhas, a do autor e a dos trechos.
ResponderEliminarTeresa, um bom fim de semana.
Beijo.
Imagens muito bonitas e uma postagem completa.
ResponderEliminarÉ mesmo um desassossego ler este livro do Fernando Pessoa que era tudo o que quisesse ser, de noite ou de dia… Foi um gosto enorme ler o texto e ver as fotografias antigas das ruas por onde o Poeta passava "até haver noite, uma sensação de vida parecida com a dessas ruas". Um génio!!!
ResponderEliminarUma beijo, minha querida Amiga Teresa.
Teresa querida,
ResponderEliminarVi tua postagem na minha coluna e vim correndo ver do que se tratava... o grande Fernando Pessoa! Que belo e reflexivo texto. Também quando vejo fotos antigas, de ruas, praças e construções por onde andei, por onde cresci, nas praças por onde sentei, passar pelas casas em que morei... dá uma nostalgia!
A primeira foto é deslumbrante, aquele castelo rodeado por construções mais novas, fantástico.
Linda tua postagem, amiga! Gostei muito. Aplausos.
Beijinho, 'Alegria'.
Pessoa que é um com as ruas por onde passa e que sendo as mesmas são umas de noite e umas outras de dia.
ResponderEliminarE não somos todos um bocadinho assim, uns de noite e outros de dia? E não é em nós que mora a tristeza dessas ruas ermas e quedas pela noite? Não é nossa a tristeza delas e que por isso mesmo não se cala nem amordaçamos porque morando em nós nos não pertence.
Pessoa foi só mais agudo que qualquer outro homem. Por isso, o termo só é nele tanto e em nós tão pouco. E isso nos traz a normalidade e a ele o génio.
Um post espectacular.
ResponderEliminarAdorei as fotos antigas e as citações.
Bom fim de semana
Beijinhos
Maria
Teresa,
ResponderEliminarRealmente são maravilhosas imagens
e um publicação adorável.
Lembrou-me o centro do RJ,
antigamente.
Bjins
CatiahoAlc.
Uma excelente escolha para um post muito bom.
ResponderEliminarAbraço
As fotos são um must!
ResponderEliminarBjs, boa semana
Boa noite de paz, querida amiga Teresa!
ResponderEliminarAmei rever tudo em preto e branco...
O Castelo de São Jorge é lindo mesmo só em ruínas.
Adorei visitar. Foi um dia lindo por la.
Tenha dias abencoados!
Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem