10 maio, 2019

"Televisão", conto de Rubem Fonseca

TELEVISÃO
“Eu gostava de desenhar. Estava sempre desenhando. Isso antigamente. Agora perdi a vontade de desenhar, ou melhor, não sei o que desenhar. Eu desenhava tudo, mulheres nuas, homem morto, flor - flor eu não gostava muito, só do cheiro -, desenhava ruas, letreiros luminosos, pessoas em volta de uma mesa jantando (ou almoçando), dois sujeitos jogando sinuca, aleijadinho - aleijadinho eu gostava de desenhar, vários tipos de aleijadinho, sem perna, em cadeira de rodas, sem braço, mas o que eu mais gostava mesmo era do aleijadinho com duas muletas e sem as pernas. Eu desenhava a cara desse aleijadinho como a de um homem feliz, feliz porque podia passear pelas ruas, ainda que fosse de muletas.
Havia uma coisa que eu detestava: desenho abstrato. «Abstracção: uma coisa de difícil compreensão, obscura», diz o dicionário. Novamente o dicionário: «Abstrato: que não é claro para o espírito, que é difícil de compreender, de explicar.»
Você desenha uma porcaria que não quer dizer nada e diz «é uma abstracção», e os bestalhões dizem «muito interessante». Será que essa gente não sabe que arte tem que ter significado? Tem que exprimir algo?
Voltando ao meu problema. Eu sento à mesa, o papel e os crayons na frente, e não consigo desenhar. Na verdade nem sento mais à mesa. Vou direto pra televisão ver uma das porcarias que exibem.
Falta inspiração? Isso parece coisa religiosa e eu sou ateu. Falta motivação? O artista precisa estar motivado? Isso me parece pueril, uma tolice.
Eu sento à mesa, com o material para desenhar, espero um minuto. Desenhar o quê? Vou para a poltrona e ligo a televisão. Vejo televisão todos os dias. Isso é coisa de débil mental. Mas vejo televisão, e vejo novamente, e novamente, e novamente. Ver televisão deixa o sujeito maluco.
Compro um revólver, vou dar um tiro na cabeça.
Mas em vez de dar um tiro na cabeça atiro na televisão. Vários tiros, destruo aquele monstro.
Não demorou muitos dias para que eu voltasse a desenhar.
Televisão? Nunca mais. Sem televisão eu fico bom, deixei de ser um neurótico, ou coisa parecida.
Mas quando passo na vitrine de uma loja e vejo um aparelho de televisão confesso que o meu coração bate apressado e minha boca se enche de saliva.”
Confesso que sou apaixonada por contos, narrativas curtas com começo, meio e fim.
Há dias alguém me disse que podem ser escritos em verso. Vou pesquisar e depois partilharei o que encontrar.
De Rubem Fonseca há mais contos no Rol.
Desligue a televisão,  leia e divirta-se!

(Fotos da net.)

19 comentários:


  1. Adorei ler Rubem Fonseca!
    A lição que eu tiro deste delicioso conto... é que (e como em tudo na vida) tudo o que for feito com conta, peso e medida não nos prejudica.
    Eu vejo muito pouco do que passa nas Televisões... mas isso porque o tempo de lazer mudou-se de um ecrã para outro, o do computador.
    Aqui tenho mais vantagens... porque posso trocar a posição passiva de um espectador de televisão para uma posição activa e participante, nunca deixando de ler, de escrever... e até ter a inspiração ou motivação certa para criar coisas novas.

    Mas não convém também esquecer a tal máxima... «tudo com conta, peso e medida!»

    Bom fim de semana minha Querida
    (^^)

    ResponderEliminar
  2. Vale desligar a TV e ler...Esse conto ´é maravilhoso! beijos, lindo dia! chica

    ResponderEliminar
  3. Um conto excelente de Rubem Fonseca. Os programas da televisão, com algumas excepções bloqueiam qualquer "criador"...
    Um grande beijo, minha Amiga Teresa.

    ResponderEliminar
  4. Boa ideia. Quase não vejo televisão. Não sei as novelas, os concursos, as maluquices que por lá passam. Mas gosto de alguns programas e, sobretudo, de filmes. No verão, vejo filmes na TV

    ResponderEliminar
  5. Que bela partilha Teresa!
    Minas tem o privilegio de ter dois o Rubem Alves e o Fonseca.
    Muito bom esta texto desta menina que vira as cabeças das pessoas pelas salas e quartos da casas. É preciso mesmo muita arte para não ser dominado por esta senhora cada vez maior nos lares.
    Amei ler.
    Um bom lindo fim de semana com paz e alegrias e menos televisão e mais poesia.
    Beijo amiga.

    ResponderEliminar
  6. rsrsrsrsrsrss, amiga, que bom ter lido esse conto agora, eu estava bem tristinha, escutando a música de minha mãe, e antes de fechar o pc resolvi ver se você postou algo! E comecei a rir do começo ao fim! Adoro Rubem Fonseca, diz tudo assim, na lata. Na verdade eu estou meio parecida com ele, ando enlouquecida com televisão, cada porcaria... Os abstratos que ele não tolera, olha... tem coisa boa! rsss, mas gosto do seu jeito, não importa. Valeu muito esse conto, e que eu desconhecia.Valeu, vou dormir bem.
    Beijo grande, querida, bom fim de semana.

    ResponderEliminar
  7. A minha televisão só está ligada quando o marido está em casa. De resto é coisa a que não ligo em absoluto, exceto se joga a nossa seleção ou se está a decorrer o campeonato de snooker. Adoro snooker.
    Abraço e bom fim-de-semana

    ResponderEliminar
  8. Eu não vejo muita televisão.

    Isabel Sá
    Brilhos da Moda

    ResponderEliminar
  9. Bom dia, a televisão quando independente e informa com rigor, é boa, se não andarmos informados estamos a leste do que se passa, quando a mesma é tendenciosa e faz o jogo politico ou está ao serviço de certos políticos, é má, essa não vejo, RTP é a minha preferência.
    A abstrato tem a virtude de nos dar liberdade para imaginar o vemos, o conto de Rubem Fonseca é perfeito.
    AG

    ResponderEliminar
  10. A televisão, em excesso, pode mesmo deixar as pessoas meio estúpidas...
    Excelente conto, obrigado pela partilha.
    Querida amiga Teresa, um bom fim de semana.
    Beijo.

    ResponderEliminar
  11. Querida Teresa, um texto muito bom que não conhecia, mas que fala grandes verdades sobre o efeito da televisão na nossa vida, Penso que agora ela foi um pouco substituida pelas novas tecnologias, mas, tanto num caso, como no outro, as pessoas deixaram de dialogar; há casos até em que a tv está ligada, mas cada um tem à sua frente o tablet ou smartfone , dando-lhe pouca atenção, mas, a mania já é tão grande que o aparelho tem que ser ligado logo que se entre em casa. Sabes, a minha está sempre desligada a não ser na hora das noticias e para certos programas que faço questão de ver , o joker, a circulatura do quadrado, os sessenta minutos, eixo do mal e governo sombra. Exceptuando o joker, todos os outros dão muito tarde e é pena, pois gosto de os ver e deito- me muito tarde. Costumo dizer que os programas mais interessantes passam a horas que poucas pessoas podem assistir e nos horários normais, na minha opinião nada tem interesse. E agora, amiga, há um programa que assisto e que me tem agradado muito, sabes qual é? O panda! A Beatriz adora e de tarde lá ficamos nós assistindo o nosso amiguinho panda; ela fica encantada com as músicas e é um gosto vê-la rir quando ele aparece.Mesmo assim, nem sempre ligamos a tv, pois gostamos que ela fique sentadinha a brincar com os brinquedinhos dela e na hora da sopinha a televisão não se liga; queremos que ela coma em sossego,, " conversando" e rindo connosco; ela ri muito. Não há interesse nenhum em que ela se acostume em demasia à televisão. Adorei, querida Teresa! Fica um abraço, bem, bem apertadinho e de amizade carregadinho.
    Emilia

    ResponderEliminar
  12. Olá, Teresa!

    O conto é ótimo, boa indicação pra gente refletir. Creio que atualmente a televisão já não nos escraviza tanto, mas as redes sociais estão substituindo o aparelho que já reuniu famílias ao seu redor...
    Na minha casa não tem televisão, dessa eu tô liberta rsrs!
    Um bj e ótimo fim de semana.

    ResponderEliminar
  13. Tudo é veneno ou não, depende da dose!!!

    NUNCA tinha lido nada do Rubem Fonseca. Gostei. Como também gosto de mini-contos com começo, meio e fim.

    Vou continuar a ler o Rubem Fonseca, sem prescindir da TV e do meu filme policial, hoje à noite:-*

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Bem-vinda ao Rol, Teresa!
      É um gosto vê-la aqui.
      Beijo, bom domingo, muitos e bons policiais. (Amo séries policiais...)

      Eliminar
    2. Visito o Rol de Leituras há muitíssimo tempo. A galeria dos escritores fascinou-me imediatamente. Penso mesmo, que comentei nessa altura. AQUI, encontro o mundo literário, o meu mundo:-*

      Eliminar
  14. Boa tarde, Teresa!
    Mesmo que eu estivesse de má vontade (não estou, pelo contrário) não poderia falar mal deste conto de tua postagem. Afinal eu sou leitor de Rubem Fonseca há muito tempo. Não preciso te dizer, querida amiga Teresa, que estamos falando de um escritor de primeira linha. Tanto tu sabes disso que publicou, desse ótimo romancista, contista e cronista, o conto "Televisão". Foi mais uma de tuas boas escolhas para postagem. Parabéns!
    Meus votos de um excelente domingo, Teresa.
    Um beijo.
    Pedro

    ResponderEliminar
  15. Bom domingo, querida amiga Teresa!
    Minha querida, a tele só em ultimo caso, num canal especial com assunto relevante pois tem programas que nos regride, de fato.
    Muito mais vale ler e escrever, sem sombra de dúvidas.
    Muito bom seu alerta contra a imbencilidade coletiva!
    Tenha um excelente Domingo!
    Bjm carinhoso e fraterno

    ResponderEliminar
  16. Vim agradecer as palavras carinhosas e a lembrança... hoje aqui no Brasil é dia das mães. Está um lindo dia de outono, Tereza. Um dia pra ser feliz!
    Tenha uma ótima semana, minha querida.
    Abraço afetuoso.

    ResponderEliminar
  17. Também sou fã incondicional.
    Beijo

    ResponderEliminar