Tenho uma relação intrigante e perturbadora com livros, revistas, jornais, lápis e tesouras: sublinho nos livros as frases de que mais gosto, recorto artigos de revistas e jornais, e guardo. Guardo tudo!
Ando há dias a (tentar) organizar caixas e gavetas apinhadas de papéis. Tiro de um lado, guardo em outro. Não passo disto. Deitar fora, que é o que devia fazer, não consigo. Gosto de tudo!
E não desisto de arrumar, desarrumando. E só sossego de tanta desatinação quando encontro o tesouro entre os tesouros. Desta vez achei várias crónicas incríveis de José Tolentino Mendonça, que logo reli e uma escolhi para partilhar no Rol. Espero que gostem tanto quanto eu gostei.
O VERBO SAUDARE não desisto de arrumar, desarrumando. E só sossego de tanta desatinação quando encontro o tesouro entre os tesouros. Desta vez achei várias crónicas incríveis de José Tolentino Mendonça, que logo reli e uma escolhi para partilhar no Rol. Espero que gostem tanto quanto eu gostei.
"A aldeia global tornou-nos apenas próximos: não nos apresentou aos outros. Passamos a partilhar uma quantidade colossal de informações, mas continuamos perfeitos estranhos. Quanto muito tem crescido o voyeurismo que sobrevoa a existência alheia e nos dispersa da nossa.
Às nossas sociedades hipertecnológicas faltam os protocolos de encontro, por exemplo, das sociedades primitivas.
Entre os povos do deserto, quando os desconhecidos eram aceites como hóspedes, seguia-se este ritual de aproximação: “Considera-te bem-vindo! Recebe as minhas saudações. Como prosseguem os teus dias? Como vão os filhos de Adão? E a tua família? E a tua tenda? E a tua gente? E a tua mãe? E tu, como corre a viagem que estás a realizar?"
Na Bíblia hebraica encontramos o “Quem és? De onde vens? Para onde vais?", trocado, com cordial curiosidade, entre viandantes.
Os gregos e romanos, por seu lado, vulgarizaram o aperto de mão, como se pode ver nos monumentos figurativos e sobretudo nas estelas funerárias.
As fórmulas de cumprimento tornaram-se tão sincopadas a Ocidente que perderam a sua força expressiva. A maior parte das vezes são hoje repetidas de maneira automática.
Por isso sabe bem recordar outras possibilidades: como entre os etíopes, onde se recorre a um termo que significa “Vejo-te”, ou ente os ameríndios, que usam uma expressão que diz qualquer coisa como “Recebo agora o teu cheiro”.
O protocolo de encontro tem ainda uma plasticidade visceral que demonstra a centralidade que ocupa nessas práticas sociais. Facto que soará estranhíssimo numa época como a nossa em que nos tornamos cosmopolitas, de uma hora para a outra, só porque esbarramos com mais estranhos na rua, sem aumentar o número de vezes que dizemos “bom-dia”.
Os gregos e romanos, por seu lado, vulgarizaram o aperto de mão, como se pode ver nos monumentos figurativos e sobretudo nas estelas funerárias.
As fórmulas de cumprimento tornaram-se tão sincopadas a Ocidente que perderam a sua força expressiva. A maior parte das vezes são hoje repetidas de maneira automática.
Por isso sabe bem recordar outras possibilidades: como entre os etíopes, onde se recorre a um termo que significa “Vejo-te”, ou ente os ameríndios, que usam uma expressão que diz qualquer coisa como “Recebo agora o teu cheiro”.
O protocolo de encontro tem ainda uma plasticidade visceral que demonstra a centralidade que ocupa nessas práticas sociais. Facto que soará estranhíssimo numa época como a nossa em que nos tornamos cosmopolitas, de uma hora para a outra, só porque esbarramos com mais estranhos na rua, sem aumentar o número de vezes que dizemos “bom-dia”.
As fórmulas mais belas de saudação que conheço são as trocadas entre os padres do deserto. Aqueles anacoretas, exploradores de silêncios abissais, tinham como ideal tornarem-se irreversivelmente estranhos ao modo comum de atravessar a terra, e viver exactamente “como um homem que não existe". Mas eles, que comunicavam por monossílabos e gestos para não ferir a ciência sagrada do silêncio, nas ocasiões em que se encontravam faziam-no com solenidade máxima: "Ave, guardião da manhã, montanha inacessível”; “Ave, coluna que sustentas com a tua solidão o inteiro universo”."
"Os Padres do Deserto ou Pais do Deserto foram eremitas, ascetas, monges e freiras que viviam majoritariamente no deserto da Nítria(Scetes), no Egito a partir do século III. O mais conhecido deles foi Santo Antão (ou Santo António, o Grande), que mudou-se para o deserto em 270-271 e se tornou conhecido tanto como o pai quanto o fundador do monasticismo no deserto. Quando Antão morreu em 356, milhares de monges e freiras tinham sido atraídos para a vida no deserto seguindo o exemplo do grande santo."
(Mais aqui.)
"Os Padres do Deserto ou Pais do Deserto foram eremitas, ascetas, monges e freiras que viviam majoritariamente no deserto da Nítria(Scetes), no Egito a partir do século III. O mais conhecido deles foi Santo Antão (ou Santo António, o Grande), que mudou-se para o deserto em 270-271 e se tornou conhecido tanto como o pai quanto o fundador do monasticismo no deserto. Quando Antão morreu em 356, milhares de monges e freiras tinham sido atraídos para a vida no deserto seguindo o exemplo do grande santo."
(Mais aqui.)
"A oração é fruto da alegria e do reconhecimento."
(Um dos muitos Ditos dos Padres do Deserto.)
Aprender, sempre!
Excertos da crónica "O Verbo Saudar", de José Tolentino Mendonça, publicada na "E", revista do Jornal Expresso de 19 Agosto 2017.
Fotos da net.
Fotos da net.
Que maravilhoso compartilhamento fizeste! Lindo texto e aprender sempre faz bem. Adorei ler sobre as diversas saudações... Tão importante são,sejam do modo que forem! beijos, chica
ResponderEliminarBom dia, alegria!
EliminarObrigada Chica, gosto que tenhas gostado.
Beijo e bom fim-de-semana.
Bom dia de paz alegre, querida amiga Teresa!
ResponderEliminarSinto o teu cheiro... lindo isso!
Santo Antão é meu patrono mor...
A oração me restituiu a alegria e tudo o mais...
Tenha um excelente fim de semana!
Bjm carinhoso e fraterno de paz e bem
😘🤩🙏
Bom dia, querida Roselia!
EliminarFique sabendo que as suas saudações também são afectuosas e encantadoras.
Beijo e um alegre domingo.
A evolução é inevitável e ainda bem que o é. O melhor e o pior do comportamento da humanidade estará sempre em evidência através dos tempos. Não há seres perfeitos. Há que aceitar a realidade. Poderemos, contudo, tentar melhorar o nosso comportamento.
ResponderEliminarQuanto a arrumações sigo o método de Marie Kondo. :))
Bom dia, Catarina!
EliminarO mundo é permanentemente criado e recriado e o homem é o resultado daquilo que acontece. A perfeição não existe, felizmente!
Li o livro de Marie Kondo, em 2015, e escrevi sobre ele aqui no Rol:
"Ufa! Ler este livro cansou-me mas aprendi muito. Particularmente, a deitar fora o que não me faz feliz. Não é fácil, mas é gratificante. A minha casa tem agora MENOS tralha acumulada, MAIS espaço, MAIS luz.
Por MAIS brilho na minha vida… aguardo pacientemente!
Para já, estou programada: deitar fora /arrumar; deitar fora /arrumar…"
Como se pode constatar, desprogramei e voltei ao ritual da acumulação.
Beijo e bom domingo.
Faço como tu, minha querida Amiga Teresa. Arrumo desarrumando. Quanto ao nosso padre/poeta conheço esta crónica e como todas ela me encanta. E só posso concordar: "Passamos a partilhar uma quantidade colossal de informações, mas continuamos perfeitos estranhos." E isso causa também estranheza…
ResponderEliminarUm beijo enorme.
Perfeitos estranhos neste estranho mundo... Valha-nos a poesia!
Eliminar"Não procures o poema, me disseste. Deixa que ele venha por sinuosos trilhos, ou pelo riso das crianças, ou pelo cantar dos pássaros, ou pelo nome rasurado dos mortos, ou pelo transparente caminho do coração." São palavras tuas, querida amiga, que eu não me canso de ler.
Mil beijos, querida poeta.
Querida Teresa, sou totamente o oposto; não guardo nada e as minhas gavetas, armários, de cozinha, sala e quartos têm que estar sempre com " lugares vagos"; tudo " apinhado, " atrapalha-me e " faz-me mal. Só fico satisfeita se houver uma prateleirinha vazia e as roupas estiverem bem espaçadas nos cabides. Se passo uma estação sem usar uma roupa, na próxima já lá não estará; será doada. Sou daquelas pessoas que só podem ter o qb e tudo o que tem é para usar. Isto não impede que receba, no Natal, a família do meu marido, mais ou menos 20 pessoas; não falta louça e nem toalhas, mas não sobra. Dizem que é bom ser-se assim, mas, bem ou mal, é assim que sou e não adianta; a minha filha é como eu e o meu filho como o pai, guardam tudo, mesmo aquilo que deveria ir para o lixo, Mas há uma coisa que eu guardo, Teresa, lembrancinhas dos meus filhoe e netos. Tenho pastas com desenhos dos filhos quando eram pequenos, recadinhos que deixavam na nossa cama, cartinhas escritas en dias especiais. Os meus netos, quando eram mais pequeninos escreviam, desenhavam e pediam " vö, guarda na pastinha " e cá estão, bem guardadas as pastinhas dos filhos e netos. Amiga, gosto muito de Tolentino de Mendonça e gostei de aprender todas estas formas de saudação. Acho muito importante termos o cuidado de dizer um " Olá " a quem por nós cruza e, confesso, aprendi a fazer isso há pouco tempo, pois não tinha aindo percebido a importância desse gesto. E, quando ele é acompanhado de um sorriso, ainda melhor, faz bem a quem o recebe e nós ficamos mais animados, não é verdade? A ti, não deixo um sorriso, mas deixo aquele abraço bem apertadino que leva saudade e uma grande vontade de conversar contigo. A cartinha não seguiu, porque aqueles" nadas " de que me falaste uma vez resolveram vir para aqui e, claro...sabes bem o resultado!!! Mas passa, amiga! Tudo passa. Boa noite e um fim de semana com muita alegria. Que ao te levantares, de manhã , digas" Bom dia alegria " e que o sol apareça para dar mais cor ao dia.
ResponderEliminarEmilia
Minha querida amiga Emília já disse mas repito, as tuas palavras sempre me emocionam e encantam. A estas responderei "por carta".
EliminarFica agora com um rol de abraços apertadinhos.
Feliz domingo.
Alôu, ALEGRIA!
ResponderEliminarPoxa, amiga, fizeste pra mim esta crônica! Guardo mil papeizinhos, aqueles infelizes bloquinhos descartáveis que vendem para tomarmos nota de tudo e deixar não sei onde! E revistas, e recortes e as coisas que chegam pelo correio que tenho pastas etc r tal? Sou muito a nossa Emília com lembranças dos filhos quando eram pequenos e adolescentes, nos aniversários nossos, espalhavam pela casa desenhos nossos, caricaturas pendurados nos lustres, espelho do banheiro, cozinha... Tenho tudo guardado. E isso é tesouro. Mas e o resto, amiga? Tu sabes, te conto tudo! Ando meio neurótica com essas organizações, faxinas, mas chego lá, juro! Minha mãe não guardava nada, minha vó guardava tudo! Todos os tamanhos de vidros que existiam! Isso é hereditário.
Quanto às saudações, gosto imensamente, saio na rua e é um 'Oiii' interminável, quando não paro para uma conversinha ou um abraço. O brasileiro é muito expansivo, mas certas pessoas falam tocando no braço ou no ombro do outro - o que acaba irritando um pouco. Sei que os norte-americanos não se tocam na rua, como os japoneses e outros. Culturas diferentes, amiga. Gostei muito dessa tua postagem, show!
Beijo grande, abraço, carinho...tudo! rssss
Bom dia, alegria!
EliminarA minha mãe guardava TUDO! TUDO que eu só vi quando ela partiu e eu mexi onde nunca havia mexido.
Herdei da mãe a acumulação (e melancolia) e do pai a organização (e alegria) e com este tesouro vou levando a vida.
Beijo, querida, querida amiga.
Estou pasmadinha, Teresa!!!! A nossa amiga Tais resolveu " fazer-me companhia ", deixando um comentário tipo " testamento " . Que bom! Assim não podem dizer que a Emilia Pinto escreve muito...já há mais uma pessoa a fazê-lo. Obrigada Taisinha!!!. Beijo
ResponderEliminarEmilia
rssss, minhas amadas amigas! Pois é, escrevi um testamento, estou seguindo a escola da Emília! rsss, mas eu adoro testamentos, quando me dão motivos!
Eliminarbeijos, queridas!
Teresa querida, guardo coisas por falta de tempo de ficar separando no dia a dia, mas uma vez por ano temos aqui em casa o desentulhar, que vai de roupas até papeis considerados já sem valor, mas como toda mãe guardo os desenhos de meus filhos, quando crianças, na mesma caixa com as fotografias. Eu gosto desta faxina, a casa fica mais prática e com ar leve, nestes dias de faxinão, aproveito e mudo móveis de lugar, quadros, renovo os enfeites, (aliás esta é minha mania),que meu filho detesta, pois o requisito para arrastar os moveis daqui pra lá...
ResponderEliminarNão sou muito sociável com vizinhos, mas com as amizades já formadas, sou muito. Quanto aos vizinhos os cumprimentos de bom dia, boa tarde ou boa noite, sempre existirão, se precisarem de ajuda e eu puder estarei presente, mas evito maior proximidade, e me sinto bem assim, pois odeio fofocas.
As pessoas são assim amiga, "cada um com seu cada qual" cada louco com sua mania. Amei esta conversa, bom dia com muita alegria é o que te desejo.
Beijinhos, Léah
.
Bom dia, querida Léah!
EliminarAcho que vou criar o meu dia do "desentulhar". É uma óptima ideia!
O meu azar é que talvez não tenha ajudas: o maridão odeia o meu acumular e não sei se o convencerei a desentulhar, muito menos a arrastar móveis; os filhos estão longe e quando nos juntamos é para festejar e usufruir das minhas netas.
De qualquer modo vou pensar a sério no dia do meu "desentulhar papelada", pois mudar enfeites, móveis e quadros eu faço uma vez por outra com ajuda, claro, da faxineira. É a papelada que quase me asfixia...
Sobre relações com vizinhança pensamos da mesma maneira: bom dia! boa tarde! olá! e basta... e cada um na sua casa. Conflito com vizinhos nunca tive e jamais terei. Não dou hipótese alguma!
"Coisitas" de filhos eu guardo/guardarei sempre com carinho: fotos, brinquedos, desenhos, primeiras roupinhas...
Querida amiga, também eu amei esta nossa conversa. Venham mais!
Beijo.