Os judeus contavam-se já às centenas e ocupavam a praça inteira. A toda a volta, estava o resto da cidade, os gentios que se apertavam para não deixar escapar ninguém. Na primeira fila, os cristãos mais valentes, homens e rapazes munidos com bastões; logo atrás, em maior número, os curiosos mais os gritos de incentivo...
É poderoso o segundo romance de João Pinto Coelho, justamente distinguido, em 2017, com o Prémio Leya - prémio atribuído a uma obra inédita escrita em língua portuguesa.
Poderoso pela forma diferente e inteligente como trata um assunto controverso: a perseguição e assassínio de judeus, na Polónia da Segunda Guerra Mundial.
O escritor parte de um caso real - o massacre de 600 a 1600 judeus fechados e queimados vivos por vizinhos cristãos, numa cidade de 2.500 habitantes (nunca identificada no romance) do nordeste da Polónia, em Julho de 1941 - e cria uma história extraordinária feita de pequenos/grandes apontamentos do quotidiano de cristãos e judeus de uma comunidade polaca. Um quotidiano pacífico apesar das desigualdades sociais e religiosas, que se torna violento depois da invasão de alemães e soviéticos. Do nada, um rasto de brutaliade varreu as ruas da cidade: os gentios acusavam os judeus, os judeus culpavam os cristãos, e as denúncias arremessadas de um lado ao outro da cidade apanhavam sempre alguém, enchendo com mais inocentes as salas do manicómio e meia dúzia de caves escolhidas pelos russos para lhes soltar a língua.
Tudo o que ali se passou antes, durante e depois da guerra, é desvendado por dois amigos de infância, Yankel, judeu e Eryk, católico, que próximo do fim da vida, depois de muitos anos sem se verem, se encontram em Paris para mergulhar no passado, recuperar memórias e escrever um livro sobre o que realmente se passou na cidade de cristãos e judeus, de sãos e de loucos, onde não ardeu um celeiro, mas ardeu um manicómio.
Em Paris, a cidade onde Yankel, só mais um judeu a escapar das cinzas, o livreiro cego, que pedia às amantes que lhe lessem na cama, gostava de morrer, resumia todos os dias a sua vida mas nela não incluía os anos de juventude nem a tragédia que o fizera fugir.
Esta história é assombrosa, bem engendrada, extremamente bem escrita (é espantoso o conhecimento que o escritor tem da língua portuguesa), e com um leque de personagens credíveis e inesquecíveis, mas…
… lê-la não é tarefa fácil, dada a seriedade do tema, a densidade da trama e os constantes saltos narrativos por lugares e tempos diferentes : Paris (2001 e 2002) e Nordeste da Polónia (1934 a 1941).
Como não é uma história para ser contada mas sim lida, fico por aqui.
Se recomendo? Claro, vivamente!
… a Rua Mazur era acanhada, todos se conheciam...
(A minha amiga F. tem na mesa de cabeceira um dicionário da língua inglesa, pois eu, depois de ler este livro, envergonhada, vou colocar na minha um dicionário da Língua Portuguesa.)
Os Loucos da Rua Mazur, de João Pinto Coelho
Ed. Leya, 2017
311 págs.
É poderoso o segundo romance de João Pinto Coelho, justamente distinguido, em 2017, com o Prémio Leya - prémio atribuído a uma obra inédita escrita em língua portuguesa.
Poderoso pela forma diferente e inteligente como trata um assunto controverso: a perseguição e assassínio de judeus, na Polónia da Segunda Guerra Mundial.
O escritor parte de um caso real - o massacre de 600 a 1600 judeus fechados e queimados vivos por vizinhos cristãos, numa cidade de 2.500 habitantes (nunca identificada no romance) do nordeste da Polónia, em Julho de 1941 - e cria uma história extraordinária feita de pequenos/grandes apontamentos do quotidiano de cristãos e judeus de uma comunidade polaca. Um quotidiano pacífico apesar das desigualdades sociais e religiosas, que se torna violento depois da invasão de alemães e soviéticos. Do nada, um rasto de brutaliade varreu as ruas da cidade: os gentios acusavam os judeus, os judeus culpavam os cristãos, e as denúncias arremessadas de um lado ao outro da cidade apanhavam sempre alguém, enchendo com mais inocentes as salas do manicómio e meia dúzia de caves escolhidas pelos russos para lhes soltar a língua.
Tudo o que ali se passou antes, durante e depois da guerra, é desvendado por dois amigos de infância, Yankel, judeu e Eryk, católico, que próximo do fim da vida, depois de muitos anos sem se verem, se encontram em Paris para mergulhar no passado, recuperar memórias e escrever um livro sobre o que realmente se passou na cidade de cristãos e judeus, de sãos e de loucos, onde não ardeu um celeiro, mas ardeu um manicómio.
Em Paris, a cidade onde Yankel, só mais um judeu a escapar das cinzas, o livreiro cego, que pedia às amantes que lhe lessem na cama, gostava de morrer, resumia todos os dias a sua vida mas nela não incluía os anos de juventude nem a tragédia que o fizera fugir.
Esta história é assombrosa, bem engendrada, extremamente bem escrita (é espantoso o conhecimento que o escritor tem da língua portuguesa), e com um leque de personagens credíveis e inesquecíveis, mas…
… lê-la não é tarefa fácil, dada a seriedade do tema, a densidade da trama e os constantes saltos narrativos por lugares e tempos diferentes : Paris (2001 e 2002) e Nordeste da Polónia (1934 a 1941).
Como não é uma história para ser contada mas sim lida, fico por aqui.
Se recomendo? Claro, vivamente!
… a Rua Mazur era acanhada, todos se conheciam...
(A minha amiga F. tem na mesa de cabeceira um dicionário da língua inglesa, pois eu, depois de ler este livro, envergonhada, vou colocar na minha um dicionário da Língua Portuguesa.)
Os Loucos da Rua Mazur, de João Pinto Coelho
Ed. Leya, 2017
311 págs.
Olá, querida amiga!
ResponderEliminarMto obrigada pela tua visita e comentário.
Nunca li nada deste escritor, mas estou sempre a tempo de o fazer. Não gosto de romances, em geral, nem de narrativas extremamente longas e "chatas", mas gosto de "histórias" bem contadas, onde o escritor põe o leitor lendo, incessantemente, num "desvario" para encontrar mais um desenlace. Lembro-me sempre dos "Mais", qdo falo em romances, que não cansam e que valem a pena.
Este, Historicamente, é de um interesse colossal, e se a trama estiver bem urdida, como dizes, não há paragens, nem apeadeiros -rs.
Beijinhos e bom domingo. Que treta de tempo!
Olá, Teresa, o livro de João Pinto Coelho, deve ser um livro extraordinário, segundo a tua ótima resenha. O tema, a Segunda Guerra Mundial e os Judeus é para mim um tema de grande importância. Quase tudo o que encontrei até hoje sobre a Segunda Guerra Mundial, sejam livros de História, sejam de prosa, tirei grande proveito para conhecer tudo o que envolveu esse conflito mundial, em especial a figura macabra de Hitler, bem como a perseguição odiosa feita aos judeus e outras minorias, nessa época. Parabéns pela postagem.
ResponderEliminarAbraço, uma boa semana!
Pedro
Li a recensão que saiu no Jornal de Letras e fiquei cheia de curiosidade, mas ainda não li. A minha curiosidade e interesse aumentaram ao lê-la aqui… Uma boa semana.
ResponderEliminarUm beijo.
Fique bem curiosa depois de ler sua resenha. Pelo jeito parece assombroso mesmo. Não conheço os escritos de João Pinto Coelho, mas fiquei interessada a pesquisa sobre ele, depois que li sua postagem.
ResponderEliminarBoa semana!
Um abraço!
Hoje é só para dizer que já estou de volta.
ResponderEliminarAmanhã já haverá comentários.