06 julho, 2018

"O sono que desce sobre mim" - Fernando Pessoa


O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desde individualmente sobre mim –
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.

Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
É o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.

O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos,
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.

Há um som de abrir um a janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olhos pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém,
De quem?,
Pergunta a minha indiferença,
E tudo isso é sono.

Meu Deus, tanto sono!...

Poema de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)

Sabia que (3):
1899 - Em Abril (Fernando Pessoa) ingressa na Durban High School onde permanecerá durante três anos, revelando-se um dos melhores alunos do curso. (...)
Cria o heterónimo Alexander Search.
1901 - Em Junho é aprovado com distinção no seu primeiro exame o «Cape School Higher Certificate Examination».(…)
Primeiras poesias em inglês.
Em Agosto parte com a família para Portugal em viagem de férias.
1902 - Em Maio visita com a mãe, o padrasto e os irmãos, a Ilha Terceira, nos Açores, onde vive a família materna. Escreve a poesia Quando ela passa.
Em Junho regressam a Durban a mãe, o padrasto e os irmãos (…)
Em Setembro Fernando Pessoa volta sozinho para a África do Sul no vapor alemão Herzog.
Matricula-se na Commercial School. Tenta escrever romances em inglês.”
("Fernando Pessoa, uma fotobiografia", de Maria José de Lancastre).

Não sabia? Eu também não!
O que importa é que agora sabemos.
Prometo partilhar mais informações sobre a vida do poeta do desassossego.

(Foto de Pierre Verger, fotógrafo franco-brasileiro (1902-1996)

6 comentários:

  1. Bom dia, o poema do sono que desce de Fernando Pessoa, é incrível, é belo,cuidado não façam barulho para não acordar o homem, gostei da imagem.
    Feliz fim de semana,
    AG

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  2. Bom dia Teresa


    Adorei o poema...
    Esse sono de cansaço mental é muito ruim, já senti isso em uma época da minha vida... Hoje não mais...


    Beijos
    Ani

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  3. Ainda não tinha lido e gosto!
    Hoje ... não sei se é do TEMPO ou de MIM ... mas também me sinto com SONO!
    BJ

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  4. olá, querida Teresa!

    Mto grata pelas tuas palavras no meu blogue.

    estou um pouco melhor das mãos, mas nada que se veja, infelizmente. Enfim, vamos fazendo conforme podemos.

    Já conhecia o poema, mas não sabia das andanças de Pessoa, destas excelentes "andanças", diga-se.

    Pois é, o sono interior é um pesadelo, por vezes. Fica-se parado no tempo e lugar e tanto que se perde, mas enfim, pensemos que iremos recuperar depois.

    Beijos e bfds.

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  5. Grande Fernando Pessoa!
    Sono? Aqui, essa vontade de dormir para não querer sentir sensações tão tristes, tem outro nome: Depressão! É aquela necessidade de dormir para não sentir mais nada; falta de estímulo para ficarmos acordados; ausência de vontade de lutar, de querer dar a volta por cima. Já presenciei muito isso, e só desaparece com a química.
    Esse poeta é o top! Já repeti tanto isso...
    Beijo, amiga!

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  6. Não me canso de ler Fernando Pessoa. E encontro sempre qualquer coisa que não tinha reparado… Foi bom encontra-lo aqui.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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