Eu não tomo café, faz-me mal, e só em ocasiões raras aceito algum licor, por isso, após almoços e jantares, para ajudar a digerir, converso abundantemente. (O peso do tecto)
Começo por dizer que nunca li um livro como este. Nunca!
É um livro feito de abraços ternurentos, que nos enleiam da primeira à última página.
Lançado em 2011, “Abraço” reúne cento e sessenta e duas crónicas intimistas - José Luís Peixoto escreve sobre si com invulgar desassombro - publicadas ao longo de uma década (2001-2011) em revistas e jornais.
“Precisava de organizar tudo o que tinha. Não no sentido de organizar os papéis que tinha lá em casa, mas organizar a minha cabeça e para poder ter novas ideias. É muito importante tirarmos do nosso sistema o que temos para termos novas ideias.”, disse ele ao “Correio da Manhã", em Dezembro de 2011.
Se te quiserem convencer de que é impossível, diz-lhes que impossível é ficares calado, impossível é não teres voz. (Impossível é não viver)
As crónicas discorrem sobre temas variados, uns mais complexos, outros mais ligeiros e estão agrupadas em três idades do autor: seis anos; catorze anos; trinta e seis anos. São todas interessantes e cativantes. E desvendam tanta coisa…
. a infância e a adolescência no Alentejo - Vale a pena nascer, crescer, vale a pena a adolescência inteira, todos os sacrifícios, vale a pena a responsabilidade, vale a pena sair pelo desconhecido e ter de estar preparado para o impossível. (Miau)
. os pais, as irmãs, a avó - A minha avó era uma mulher do campo. Passou a mocidade e a vida adulta a trabalhar no campo, na terra. Chamava-se Joaquina Pulguinhas. A minha avó escrevia cartas muito devagarinho. Com letra tremida, escrevia o nome dos netos nos embrulhos dos presentes. Em casa, viúva, reforma de trinta contos, sozinha, começou a ler livros. Não sei quanto tempo demorava a lê-los, mas sei que os lia com o esforço da atenção, palavra a palavra. (Alma)
. os filhos - Assistirmos ao sofrimentos do nosso filho é estarmos em carne viva por dentro, é não termos pele, é um incêndio a arder no mundo inteiro, mesmo no mundo inteiro.(Acompanhante: pai)
. bibliotecas, livrarias, livros, escritores (Sophia e Saramago estão entre os muitos escritores aludidos.)
. a escrita - Quando acabei de escrever o meu primeiro romance, fechei-me em casa durante duas semanas. Nesse tempo fechado do mundo vivi cada olhar de cada personagem, cada esperança, cada angústia. Na altura era muito novo. Creio que se o tivesse feito hoje me teria suicidado no último dia dessas duas semanas, como desfecho lógico. (O cadáver de James Joyce)
. cidades, aeroportos e viagens - As primeiras viagens que fiz não se destinavam a chegar a algum lado, mas sim a fugir de qualquer coisa. Por sorte, quando se foge de qualquer coisa, chega-se sempre a algum lado. (Literatura de viagens)
. música e cinema
. tatuagens
. amor, muito amor
. vida - Uma única vida é pouco. Para se fazer aquilo que se sabe, se pode, se quer e se deve fazer é preciso deixar muitas outras coisas para trás. (Desistir)
. etc., etc., etc.
Leia, por favor.
Não “salte” nenhuma das crónicas. Leia-as todas. A última, (Manifesto branco), é um deslumbramento.
Pureza, repito a palavra apenas pelo prazer de articulá-la. Experimenta. Se te sentires ridículo ao fazê-lo, sabe que essa é uma armadilha que deixaste que te colocassem. Ignora-a. Diz: Pu-re-za. (…)
Pureza, repito agora para que se instale e se respire. Retira a maldade até das coisas más. Se te sentires ingénuo ao fazê-lo, sabe que, uma vez mais, essa é uma armadilha que deixaste que te colocassem. Se não conseguires evitá-la, ignorá-la, aceita a ingenuidade. A ingenuidade faz o sangue circular com mais fluidez do que o cinismo. A ingenuidade desconhece o colesterol. O cinismo é hipertenso. (…)
Pureza, repete. Tu tens direito à felicidade.
Agora vai. Tens a vida à espera de abraçar-te.
Abrace você, quem tão bem escreve na nossa língua. Abrace a vida.
Ponto final.
Abraço, de José Luís Peixoto
Ed. Quetzal, 2014
655 págs.
Obrigado pela review. Certamente que irei ler.
ResponderEliminarForça João, vai gostar.
EliminarAinda não li este "Abraço". Ando a deixar os livros do autor um pouco para trás, mas não está esquecido.
ResponderEliminarJá deves ter notado que só este ano descobri a escrita de José Luís Peixoto. É fabulosa! Eu estou a "amar".
EliminarEste livro de crónica é para ler devagar, devagarinho... uma por dia... para saborear.
Abraço.
Bjs.
Ainda estou dividido, é que gostei de "LIVRO" mas "Dentro do Segredo" - Uma viagem na Coreia do Norte - é uma pastilha e um livro de que não gostei mesmo nada; fiquei com a impressão de alguém que recebeu uns tostões para escrever sobre o tema e despachou...
ResponderEliminarAgradou-me tudo o que li de José Luís Peixoto. "Dentro do Segredo" ainda não comprei. Obrigada pela opinião.
EliminarESTOU EMPOLGADA COM A ESCRITA DO ZÉ LUIS.
ResponderEliminarFOI MAIS QUE MRECIDO O PRÉMIO DE JOSÉ SARAMAGO!