Peguei no livro, procurei o índice, atentei nos títulos dos contos.
Depois, contei-os e o empolgamento foi imediato: tantos! Bom de mais!
Depois, contei-os e o empolgamento foi imediato: tantos! Bom de mais!
Então, iniciei a leitura do primeiro “O não desaparecimento de Maria Sombrinha”, e logo fiquei presa daquela prosa poética, das palavras inventadas, do realismo fantástico.
Já muita coisa foi vista neste mundo. Mas nunca se encontrou nada mais triste que caixão pequenino. (…) Deu-se o caso numa família pobre, tão pobre que nem tinha doenças. Dessas em que se morre mesmo saudável. (…) Em todo o mundo, os pobres têm essa estranha mania de morrerem muito. Um dos mistérios dos lares famintos é falecerem tantos parentes e a família aumentar cada vez mais.
Terminado o primeiro, avancei para o segundo, depois para o terceiro “A última chuva do prisioneiro”:
Antigamente, valia a pena ser preso. O cantinho da prisão nem era mau, comparado com o mundo que nos cabia, lá fora. Falo sério. Maioria do que aprendi foi na prisão. Ler, escrever, foi na prisão que me letrinhei. Minha vida era uma roda-ronda entre roubo e grades. Me prendiam: era um consolo cheio de sossego. Lá fora ficava o mundo, mais suas doenças, suas nauseabundâncias.
Agora o calabouço é um lugar definhado, de não valer a pena. Esse mundo torto já entrou na prisão. A cadeia se infernou, dá vontade só de escapar. Porque aqui dentro nos roubam mais que fora. Aqui somos roubados por polícia, roubados por ladrões. Já nem podemos estar livres na cadeira. Neste lugar nem os mortos estão seguros. Já perdi a escolha, doutor: a prisão me mata, a cidade não me deixa viver. A feitura deste mundo já não tem dentro nem fora.
e não mais parei de ler estes contos/retratos do povo simples moçambicano, da sua identidade cultural, da sua forte ligação à terra.
“Velho com jardim nas traseiras do tempo”:
No Jardim Dona Berta há um banco. O único que resta. Os outros foram arrancados, vertidos em tábua avulsa para finalidades de lenha. Nesse restante banco mora um velho. Cada noite, os dois se encostam mutuamente, assento e homem, madeira e carne. Dizem que o velho já tem a pele às listas, formatadas no molde das tábuas, seu externo esqueleto.
“Os negros olhos de Vivalma”:
Há mulheres que procuram um homem que lhes abra o mundo. Outras buscam um que as tire do mundo. A maior parte, porém, acaba se unindo a alguém que lhes tira o mundo.
Esse foi o destino de Vivalma, mulher entre as mulheres, cheia de desgraça, nem o Senhor punha oração nela.
São lindos os trinta e cinco contos deste livro. E ternurentos, como “A menina sem palavra”:
São lindos os trinta e cinco contos deste livro. E ternurentos, como “A menina sem palavra”:
Era uma vez uma menina que pediu ao pai que fosse apanhar a lua para ela. O pai meteu-se num barco e remou para longe. Quando chegou à dobra do horizonte pôs-se em bicos de sonhos para alcançar as alturas. Segurou o astro com as duas mãos…
Vá, leia pelo menos esta belíssima história. O fim é espantoso!
Depois... depois vai lê-las todas, seduzido pela escrita de Mia Couto. Ela tem… XICUEMBO!
Vá, leia pelo menos esta belíssima história. O fim é espantoso!
Depois... depois vai lê-las todas, seduzido pela escrita de Mia Couto. Ela tem… XICUEMBO!
Contos do nascer da terra, de Mia Couto
Ed. Caminho, 1997
245 págs.
Este livro de contos de Mia Couto é mesmo uma delícia. Há livros que podem ser lidos e relidos vezes sem conta que nunca perdem a sua essência. Este é um deles. Cada estória (re)lida vai ter sempre algo de novo, já para não falar das suas palavras poéticas, que por vezes nem sabemos o que querem dizer exatamente, mas que nos soam sempre bem ao ouvido.
ResponderEliminarOlá!
EliminarConcordo.
Estas histórias são ternurentas e viciantes.
Bjs.