27 novembro, 2011

"A viagem do elefante" - José Saramago

… ó cornaca, que raios vais tu fazer com o elefante a Viena. Provavelmente o mesmo que em Lisboa, nada de importante, respondeu subhro, irão dar-lhe muitas palmas, irá sair muita gente à rua, e depois esquecem-se dele, assim é a lei da vida, triunfo e olvido.
Era uma vez um rei e uma rainha, que no aconchego dos aposentos reais matutavam sobre o que oferecer ao primo Maximiliano, arquiduque de Áustria, futuro imperador.
Depois de muito pensarem eis que a rainha encontra a solução: ofereceremos o Salomão, que há mais de dois anos veio da Índia e, “desde então não tem feito outra coisa que não seja comer e dormir, a dorna da água sempre cheia, forragens aos montões, é como se estivéssemos a sustentar uma besta à argola, e sem esperança de pago”.
Corria o ano de 1551, dão-se as cisões religiosas e o Concílio de Trento, e o rei católico D. João III pensou e decidiu: “Então que vá para Viena”.
É este singelo mas determinante facto histórico, que está na base da narrativa da longa mas extraordinária viagem do paquiderme e do seu tratador, o cornaca Subhro.
Obtida a confirmação de que o arquiduque aceitaria a oferta do rei português, começaram os preparativos para a viagem e...
a partir daí, a poderosa lucidez e imaginação de um Saramago debilitado pela doença, não tem limites.
A odisseia de Salomão tem início dez dias depois. Por caminhos inóspitos, montanhas agrestes e os Alpes frios, “move pesadamente as suas quatro toneladas de carne e osso e os seus três metros de altura”. E pensa.
Creio que na cabeça de salomão o não querer e o não saber se confundem numa grande interrogação sobre o mundo em que o puseram a viver, aliás, penso que nessa interrogação nos encontramos todos, nós e os elefantes.
Em todas as aldeias e cidades o paquiderme é recebido com entusiasmo e Subhro, orgulhosamente sentado nos ombros do animal, está feliz.
… e, num insólito instante de lucidez e relativização, pensou que, bem vistas as coisas, um arquiduque, um rei, um imperador não são mais do que cornacas montados num elefante.
Ainda em terras de Espanha, o cornaca é oficialmente informado de que Salomão, dali em diante passará a chamar-se Solimão e que o seu nome deixará de ser Subhro para ser Fritz.
Desgostou-o a mudança de nome mas, “como sói dizer-se, vão-se os anéis e fiquem os dedos”.
A chegada da comitiva a Génova é triunfal. Subhro ou Fritz, consoante se preferir, depois de trezentas léguas montado em Salomão, está feliz, “bem longe das estreitezas da vida em Portugal, onde, praticamente, o tinham deixado a vegetar durante dois anos no cercado de Belém, vendo partir as naus da índia e ouvindo as cantorias dos frades jerónimos”.
É então, que um padre lhe pede um milagre, “um dos grandes milagres da nossa época”: que Salomão ajoelhe à porta da basílica.
Conseguirá Fritz convencer Solimão a colaborar nessa operação milagrosa?
Finalmente a chegada à Áustria. Assinalava-se o dia de reis do ano de mil quinhentos e cinquenta e dois e a festa foi de arromba.
Salomão, ou Solimão morre dois anos depois, de causas desconhecidas “ainda não era tempo de análises de sangue, radiografias do tórax, endoscopias, ressonâncias magnéticas e outras observações”.
Depois de esfolado cortaram-lhe as patas dianteiras para que “servissem de recipientes, à entrada do palácio, para depositar as bengalas, os bastões, os guarda-chuvas e as sombrinhas de verão”.
Entre falar e calar, um elefante sempre preferirá o silêncio...
Que bem me soube reler este romance, ou conto, tanto faz (uma combinação de personagens reais e inventadas, um olhar irónico e implacável sobre a natureza humana), escrito dez anos após a atribuição do Prémio Nobel.
Viva Saramago!

A viagem do elefante, de José Saramago
Caminho, 2008
258  págs.

3 comentários:

  1. A lucidez, outra vez a Lucidez, está bem presente nesta obra, como em todos os escritos de Saramago.
    Recordo o que ele disse deste livro:
    “Aquilo que deu sentido, literariamente falando, há vida do elefante e sem a qual provavelmente o livro não teria existido é o final da vida do elefante. Se quando o elefante morre não lhe tivessem cortados as patas dianteiras para fazer delas bengaleiros, provavelmente o livro não tinha sido escrito.”

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  2. Olá Tiago,
    Já decidi. No próximo ano vou reler um livro do Saramago por mês.
    Fiquei satisfeita por ter voltado ao nosso Nobel.

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  3. Não tenho pedalada para tanto ;-)

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