… ó cornaca, que raios vais tu fazer com o elefante a Viena. Provavelmente o mesmo que em Lisboa, nada de importante, respondeu subhro, irão dar-lhe muitas palmas, irá sair muita gente à rua, e depois esquecem-se dele, assim é a lei da vida, triunfo e olvido.
Era uma vez um rei e uma rainha, que no aconchego dos aposentos reais matutavam sobre o que oferecer ao primo Maximiliano, arquiduque de Áustria, futuro imperador.
Depois de muito pensarem eis que a rainha encontra a solução: ofereceremos o Salomão, que há mais de dois anos veio da Índia e, “desde então não tem feito outra coisa que não seja comer e dormir, a dorna da água sempre cheia, forragens aos montões, é como se estivéssemos a sustentar uma besta à argola, e sem esperança de pago”.
Corria o ano de 1551, dão-se as cisões religiosas e o Concílio de Trento, e o rei católico D. João III pensou e decidiu: “Então que vá para Viena”.
É este singelo mas determinante facto histórico, que está na base da narrativa da longa mas extraordinária viagem do paquiderme e do seu tratador, o cornaca Subhro.
Obtida a confirmação de que o arquiduque aceitaria a oferta do rei português, começaram os preparativos para a viagem e...
a partir daí, a poderosa lucidez e imaginação de um Saramago debilitado pela doença, não tem limites.
A odisseia de Salomão tem início dez dias depois. Por caminhos inóspitos, montanhas agrestes e os Alpes frios, “move pesadamente as suas quatro toneladas de carne e osso e os seus três metros de altura”. E pensa.
Creio que na cabeça de salomão o não querer e o não saber se confundem numa grande interrogação sobre o mundo em que o puseram a viver, aliás, penso que nessa interrogação nos encontramos todos, nós e os elefantes.
Em todas as aldeias e cidades o paquiderme é recebido com entusiasmo e Subhro, orgulhosamente sentado nos ombros do animal, está feliz.
… e, num insólito instante de lucidez e relativização, pensou que, bem vistas as coisas, um arquiduque, um rei, um imperador não são mais do que cornacas montados num elefante.
Ainda em terras de Espanha, o cornaca é oficialmente informado de que Salomão, dali em diante passará a chamar-se Solimão e que o seu nome deixará de ser Subhro para ser Fritz.
Desgostou-o a mudança de nome mas, “como sói dizer-se, vão-se os anéis e fiquem os dedos”.
A chegada da comitiva a Génova é triunfal. Subhro ou Fritz, consoante se preferir, depois de trezentas léguas montado em Salomão, está feliz, “bem longe das estreitezas da vida em Portugal, onde, praticamente, o tinham deixado a vegetar durante dois anos no cercado de Belém, vendo partir as naus da índia e ouvindo as cantorias dos frades jerónimos”.
É então, que um padre lhe pede um milagre, “um dos grandes milagres da nossa época”: que Salomão ajoelhe à porta da basílica.
Conseguirá Fritz convencer Solimão a colaborar nessa operação milagrosa?
Finalmente a chegada à Áustria. Assinalava-se o dia de reis do ano de mil quinhentos e cinquenta e dois e a festa foi de arromba.
Salomão, ou Solimão morre dois anos depois, de causas desconhecidas “ainda não era tempo de análises de sangue, radiografias do tórax, endoscopias, ressonâncias magnéticas e outras observações”.
Depois de esfolado cortaram-lhe as patas dianteiras para que “servissem de recipientes, à entrada do palácio, para depositar as bengalas, os bastões, os guarda-chuvas e as sombrinhas de verão”.
Entre falar e calar, um elefante sempre preferirá o silêncio...
Que bem me soube reler este romance, ou conto, tanto faz (uma combinação de personagens reais e inventadas, um olhar irónico e implacável sobre a natureza humana), escrito dez anos após a atribuição do Prémio Nobel.
Viva Saramago!
Viva Saramago!
A viagem do elefante, de José Saramago
Caminho, 2008
258 págs.
Caminho, 2008
258 págs.
A lucidez, outra vez a Lucidez, está bem presente nesta obra, como em todos os escritos de Saramago.
ResponderEliminarRecordo o que ele disse deste livro:
“Aquilo que deu sentido, literariamente falando, há vida do elefante e sem a qual provavelmente o livro não teria existido é o final da vida do elefante. Se quando o elefante morre não lhe tivessem cortados as patas dianteiras para fazer delas bengaleiros, provavelmente o livro não tinha sido escrito.”
Olá Tiago,
ResponderEliminarJá decidi. No próximo ano vou reler um livro do Saramago por mês.
Fiquei satisfeita por ter voltado ao nosso Nobel.
Não tenho pedalada para tanto ;-)
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