Sinopse: “Numa madrugada de 1934, um maço de cartas é lançado de um comboio em andamento por um homem que deixou uma história de amor interrompida e leva uma estilha cravada no coração. Na carruagem, além de Joaquim, viajam os revoltosos do gole da Marinha Grande, feitos prisioneiros pela Polícia de Salazar, que cumprem a primeira etapa de uma viagem com destino a Cabo Verde, onde inaugurarão o campo de concentração do Tarrafal.
Dessas cartas e da mulher a quem se dirigiam ouvirá falar muitos anos mais tarde Eugénia, a jornalista encarregada de entrevistar um dos últimos sobreviventes desse inferno africano e cuja vida, depois do primeiro encontro com Joaquim, nunca mais será a mesma.
Separados pelo tempo, pelo espaço, pelos continentes, pela malária e pelo arame farpado, os destinos de Joaquim e Eugénia tocar-se-ão, apesar de tudo, no pelo de um gato sem nome que ambos afagam e na estranha cumplicidade com que partilham memórias insólitas, infâncias sombrias e amores decididamente impossíveis.”
A verdade pode muito bem estar enganada. É só uma questão de tempo.
“Que importa a fúria do mar”, romance de estreia de Ana Margarida de Carvalho, venceu o Grande Prémio de Romance e Novela APE/DGLAAB 2013.
Três anos depois, a jornalista e escritora conquista o mesmo prémio com o segundo livro “Não se pode morar nos olhos de um gato", romance magnífico que li em 2018 e partilhei a minha opinião aqui no Rol. E logo parti em busca do primeiro romance. Não foi fácil, demorei a encontrá-lo. Não desisti. O esforço valeu a pena. “Que importa a fúria do mar”, vou repetir-me, é um romance avassalador, dos melhores que li. Uma história brilhante, um perfeito entrançado de tramas, personagens credíveis, muito, muito bem escrita. Uma desenfreada torrente de palavras que começam por parecer sem sentido, mas logo, logo, todo o sentido fazem. A imaginação de Ana Margarida de Carvalho não tem limites e a forma como combina as palavras não tem igual. Se a história não o agarrar nas primeiras páginas, não desista. Please!
O texto que reproduzo abaixo, memórias, é longo (e se eu cortei...) mas vale a pena ser lido. Claro que podia ser outro, mais sério, sei lá, sobre a polícia de Salazar, ou o Tarrafal, ou a revolta da Marinha Grande, ou, ou,ou..., mas foi este que eu escolhi da escrita poderosa de AMC. Que tal pedir os dois livros dela ao Pai Natal? Excelente prenda, acredite!
"Mãe, eu quero desnascer.
(…) Com a separação lidou razoavelmente, sabia-lhe bem ter a casa só para si (…) Ele era tão insignificante que, na sua presença, ela se sentia já verdadeiramente sozinha.
Separados pelo tempo, pelo espaço, pelos continentes, pela malária e pelo arame farpado, os destinos de Joaquim e Eugénia tocar-se-ão, apesar de tudo, no pelo de um gato sem nome que ambos afagam e na estranha cumplicidade com que partilham memórias insólitas, infâncias sombrias e amores decididamente impossíveis.”
A verdade pode muito bem estar enganada. É só uma questão de tempo.
“Que importa a fúria do mar”, romance de estreia de Ana Margarida de Carvalho, venceu o Grande Prémio de Romance e Novela APE/DGLAAB 2013.
Três anos depois, a jornalista e escritora conquista o mesmo prémio com o segundo livro “Não se pode morar nos olhos de um gato", romance magnífico que li em 2018 e partilhei a minha opinião aqui no Rol. E logo parti em busca do primeiro romance. Não foi fácil, demorei a encontrá-lo. Não desisti. O esforço valeu a pena. “Que importa a fúria do mar”, vou repetir-me, é um romance avassalador, dos melhores que li. Uma história brilhante, um perfeito entrançado de tramas, personagens credíveis, muito, muito bem escrita. Uma desenfreada torrente de palavras que começam por parecer sem sentido, mas logo, logo, todo o sentido fazem. A imaginação de Ana Margarida de Carvalho não tem limites e a forma como combina as palavras não tem igual. Se a história não o agarrar nas primeiras páginas, não desista. Please!
O texto que reproduzo abaixo, memórias, é longo (e se eu cortei...) mas vale a pena ser lido. Claro que podia ser outro, mais sério, sei lá, sobre a polícia de Salazar, ou o Tarrafal, ou a revolta da Marinha Grande, ou, ou,ou..., mas foi este que eu escolhi da escrita poderosa de AMC. Que tal pedir os dois livros dela ao Pai Natal? Excelente prenda, acredite!
"Mãe, eu quero desnascer.
(…) Com a separação lidou razoavelmente, sabia-lhe bem ter a casa só para si (…) Ele era tão insignificante que, na sua presença, ela se sentia já verdadeiramente sozinha.
No princípio, a sua própria serenidade até a assustou, seria mesmo destituída de sentimentos, seca, como uma maçaroca debulhada? Sentia vontade de ter vontade de chorar. Mas as lágrimas...
(...) O que se há-de fazer? A vida é assim, são ciclos, as pessoas encontram-se de passagem. E depois quando se voltam a cruzar nem se lembram de olhar para trás.
Mas as aranhas só tecem em dias nublados, sempre lhe disseram as «tias velhas». E foi num dia destes que lhe veio à cabeça o advérbio interrogativo de causa. Porquê? Porquê? E Porquê?
Eles não se davam mal (…) Por isso nunca havia tempestades, era só bonança e tédio. Acomodação, enfado e rotina. (…) Tudo corria como sempre correra, sem turbulência, sem poços de ar, sem vácuos, sem despressurização. (…) Era um casamento em piloto automático, nunca apareceu um pirata do ar entre eles. Porquê desviá-lo da rota?
Esta pergunta consumia-a. Acordava de noite, numa cama revolta de angústia. Precisava de saber.
Porquê?
E então atolava-lhe o telemóvel de mensagens. Alternava a agressividade com o carinho (o máximo até onde podia chegar). (…) Porque é que um dia ela saiu da redacção e ele não estava do outro lado da rua à sua espera? Porque é que chegou a casa e já só encontrou o cheiro dele?
(…) Vá, sê um homenzinho! Diz-me! Porquê? Tem de haver uma razão. Eu não quero reconciliação, eu não quero voltar a ver-te à frente, eu não quero saber de ti. Só preciso de saber porquê?
E um dia a resposta chegou. Pingou-lhe no e-mail. (…)
Não consigo viver com uma mulher por quem não sinto qualquer atracção física.
Era só isto que dizia o e-mail.
(…) teria preferido qualquer coisa, um amor inesperado por outra pessoa, uma revelação de homossexualidade tardia, uma confissão de desamor… Tudo menos isto.
(...) Considerava-se uma mulher banal, dessas indiferenciadas (…) Agora, além de mulher indiferenciada, ficava a saber-se mulher sexualmente inepta para provocar o interesse no sexo oposto. Ou porventura em ambos os sexos. A sensação não foi do coração a estilhaçar-se. O coração não se parte, quando cai ao chão faz «plof» e derrama algum sangue que tenha ficado alojado numa aurícula. O que lhe aconteceu produziu efeito mais ao nível do estômago, que se lhe tombou aos pés como um saco cheio de vómito.
(...) Não voltou a fazer perguntas. Estava esclarecida. Mais do que alguma vez pretendera. Passou mal, mesmo mal (…) Achou-se um ser desprezível (…)
Quem me dera poder usar burca.
E durante umas férias do emprego foi assim, na penumbra, só ela e o gato, ela e o gato, ela e o gato…
(…) Sem conseguir ler, porque as linhas tropeçavam umas nas outras, sem querer saber do mundo que se amotinava à sua volta (…) Um dia lembrou-se de que ainda não pusera nome ao gato. (...)”
O mar é a mais líquida, a mais extensa e a mais habitada das metáforas.
Recomendadíssimo!
Que importa a fúria do mar, de Ana Margarida de Carvalho
Ed. Leya, 2019
239 págs.
O mar é a mais líquida, a mais extensa e a mais habitada das metáforas.
Recomendadíssimo!
Que importa a fúria do mar, de Ana Margarida de Carvalho
Ed. Leya, 2019
239 págs.
Tenho os dois livros. E concordo consigo, é uma escrita forte, densa, no caso do segundo romance, feita de gente mau carácter que não sei como se juntaram tantos num romance só. A escritora tem futuro. Porque nenhum dos romances parece de principiante. Há quem seja fulgurante desde o início.
ResponderEliminarFilha de peixe, sabe... escrever!!!
EliminarE que bem ela mistura as palavras. Impressiona!
Beijo, bom domingo.
É a terceira vez que leio sobre esta escritora. As duas vezes anteriores creio que foram aquando do lançamento do primeiro livro. Infelizmente ainda não surgiu a oportunidade de ler nenhum dos seus livros.
ResponderEliminarTenho ainda tantos livros por ler, e alguns lidos há muitos anos que gostaria de reler...
Abraço e bom domingo
Elivra, são dois bons livros, quando puder... leia!
EliminarTenhamos livros para ler ou reler, depressa ou devagar, hoje ou amanhã, o que importa é ler.
Com calma, para não cansar os olhinhos.
Beijo, bom domingo.
Ponho na lista dos autores a descobrir. São tantos...
ResponderEliminar:)
Mais uma sugestão para eu registar.
ResponderEliminarBjs, boa semana
Está já na minha lista, Teresa.
ResponderEliminarUma boa semana.
Um beijo.
Querida Teresa
ResponderEliminarNunca li nada de Ana Margarida de Carvalho mas a forma como falas da sua
escrita leva-me já a pensar em procurar os seus livros.
Muito obrigada por estas dicas literárias.
Beijo
Olinda
Querida amiga, se aceitas um conselho começa pelo segundo romance. Não estranhes as primeiras páginas e avança sempre. É do melhor que já li!
Eliminar(Se gostas de sublinhar... afia o lápis!)
Beijo, bom fim-de-semana. Para mim, será de festa!!!
Não conheço mas fiquei curiosa!
ResponderEliminarBj amigo