11 outubro, 2019

Afonso Reis Cabral venceu o Prémio José Saramago 2019


Afonso Reis Cabral, escritor português de 29 anos, licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos, venceu em 2014 o Prémio LeYa com "O meu irmão", um corajoso primeiro romance.
Regressou em 2018 com o atordoante romance/ficção de um crime real "Pão de Açúcar", e com ele venceu, no passado dia 8, o Prémio José Saramago 2019.
Curiosamente, é de poesia o primeiro livro que publicou. Tinha 15 anos. 
E mais curioso ainda, ele é trineto de Eça de Queirós, um dos nomes maiores da literatura portuguesa.
Parabéns Afonso! Ansiosa, espero pelo terceiro romance!


Como é que se vivia assim (…) no fundo de uma cave, no fundo de uma barraca, no fundo da vida.
Pão de Açúcar”, ficciona a morte trágica, no Porto, de Gilberta Salece Júnior, brasileira, transexual, sem-abrigo, toxicodependente, com sida e outras doenças. Morte que deixou o país inteiro em estado de choque.
Em Fevereiro de 2006, os Bombeiros Sapadores resgataram o corpo sem vida de Gilberta do poço/buraco, com cerca de 10 metros de profundidade, escondido na cave de um prédio inacabado e votado ao abandonado. Nu da cintura para baixo, o corpo apresentava marcas de um espancamento brutal.
Semanas depois, os órgãos de comunicação social divulgaram que Gilberta fora agredida dias a fio por um grupo de 14 rapazes e atirada ainda com vida para o poço. Rapazes com idades compreendidas entre os 12 e os 16 anos, alguns problemáticos, retirados a famílias negligentes e acolhidos na Oficina de São José, onde o acompanhamento dos jovens não era o melhor.
«O que pode levar pessoas da minha idade, da minha cidade, a fazer isto? E a fazer isto a alguém, desamparado?» pensou incrédulo Afonso Reis Cabral, então com 16 anos, nascido em Lisboa e criado no Porto. 
Dez anos depois do horrendo crime, o autor decide investigar os factos na tentativa de compreender o que realmente se passou na cave do prédio conhecido como “Pão de Açúcar”. Durante mais de um ano pesquisou as vidas da vítima e dos agressores, percorreu as «zonas sujas» da cidade, leu decisões do Tribunal de Família e Menores do Porto, visitou a cave (o edifício continuava abandonado), leu notícias, visionou reportagens, foi a bares que a vítima frequentara, falou com amigos e conhecidos dos rapazes e de Gilberta, esteve dentro da última casa onde ela viveu, percorreu ruas, estudou trajectos. (...) meti-me ao trabalho de campo sem o qual um livro como este não se escreve (...) depois baralhei com ficção, que é como se faz um romance.
Não chegou a falar com os rapazes mas fez deles personagens meticulosamente desenhadas, e para que nada o afastasse da matriz ficcional entregou a narração dos acontecimentos a um protagonista do hediondo crime: Rafael Tiago (Rafa).
Na “Nota antes” (antes do primeiro dos 56 capítulos do romance) o autor engana o leitor (e o leitor permite o engano) quando diz ter recebido uma carta de Rafael sobre o crime, que começa com «Às vezes, a vida é uma coisa tão bela que choro de ternura e não ligo ao que dizem», ter tido com ele encontros e conversas no Porto, e que num deles lhe prometeu: «A história é tua, como se fosses tu a contá-la, mas eu escrevo-a por ti».
Rafael, 12 anos, foi o primeiro rapaz a ver Gilberta (Gi), 45 anos, na cave onde ela doente e sozinha sobrevivia. Chocado com o desamparo em que vivia na barraca que «fedia», voltou muitas vezes, com comida, água e tudo o que conseguia pilhar no trajecto da Oficina - "Pão de Açúcar". Tornaram-se amigos e confidentes. Ela era um segredo apenas seu, não o partilharia com os amigos.
Mas o dia chegou em que ele o partilhou e... na escuridão da cave seres humanos comportaram-se como monstros.
… os lugares certos na vida são os lugares errados. Como na cave, ao lado de Gi.
(reedição ligeiramente alterada)


(O primeiro romance de Afonso Reis Cabral "O meu irmão" está também aqui no Rol.)

28 comentários:

  1. Espero poder lê-lo. Quando volte a ler sem restrições, ou seja, quando ficar bem dos olhos.
    Abraço e bom fim de semana

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    1. Vai poder ler sim, Elvira, e vai gostar!
      Beijo, bom fim-de-semana.

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  2. Belo reconhecimento e aqui, homenagem merecida! beijos, chica,ótimo fds!

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    1. Homenagem merecida, Chica, pois o «jovem escritor» é talentososo de verdade!
      Beijo, fim de semana cheio de alegria.

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  3. O autor tem c arinha de menino...
    ele é o pprtador de uma alma que foi torturada e atormentada. Dela tornou-se o porta voz. Tenho certeza de que deve ser um livro interessante, embora chocante.

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    1. Carinha de menino, voz de menino (ouvi-o há dias na tv) mas com uma escrita adulta, encantadora, viciante.
      "Pão de Açúcar" é um romance estonteante merecedor do Prémio José Saramago.
      Beijo, bom fim-de-semana.

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  4. Querida Teresa

    Muito obrigada por nos trazeres este jovem escritor que já nos mostrou tanto do seu talento. Provas dadas que também conseguimos vislumbrar no excerto que transcreves e que nos dá uma ideia do quanto temos a ganhar lendo-o.

    Gostei imenso, minha amiga.

    Beijinhos

    Olinda

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    1. Obrigada eu, querida Olinda, pelo que já «ganhei» no teu Xaile e, principalmente, pelo teu carinho.
      Beijo, feliz fim-de-semana.

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  5. Que Afonso Reis Cabral,
    O Eça de Queirós, trineto
    Seja escritor mais completo
    Lusófono atual

    Para rever Portugal
    De A a Z do alfabeto
    A ser o país seleto
    Com o escritor principal

    Desta língua de Camões
    A dar ao mundo as lições
    Dele, de Queirós, Pessoa...

    Vejo que precocidade
    Do menino em tenra idade
    No universo ele ressoa!

    Parabéns ao garotão e a ti pela bela postagem, Teresa. Grande abraço! Laerte.

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    1. Desta vez o poeta me emocionou e logo recordei uma frase de Eça: “Uma nação vale pelos seus sábios, pelas suas escolas, pelos seus génios, pela sua literatura, pelos seus exploradores científicos, pelos seus artistas.”
      Laerte, o garotão domina bem a língua de Camões...
      Abraço, bom fim-de-semana.

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  6. Um prémio bem merecido para este jovem escritor, li o seu primeiro livro "O meu irmão" que é um livro fantástico e muito bem escrito, aproveito para desejar um bom fim-de-semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    Livros-Autografados

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    1. Francisco, se gostou do primeiro romance, vai gostar do segundo. É diferente, muito diferente, mas magnífico!
      Vá, leia e depois deixe aqui a sua opinião.
      Beijo, bom fim-de-semana.

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  7. Parabéns ao autor. Faço questão de ler o livro. Gosto que haja cada vez mais gente jovem a escrever bem. O JL dedica-lhe uma série de artigos. Estou muito curiosa.
    Um bom fim de semana.
    Um beijo.

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    1. Graça, repara que além de bom romancista é também poeta!!!
      Eu gostava que tu lesses os dois romances. Que tal o desafio?
      Beijo, querida amiga, bom fim-de-semana.

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  8. Ainda não li o autor, mas tudo leva a crer que este garoto é grande e vai ser maior. Não só por ser trineto do Eça - acredito que os genes têm a sua força, que o nome tem algum poder - mas sobretudo por si que é romancista dos bons. Digo-lhe, Teresa, euzinha que tanto gosto de escrever, por mais que dourasse a pílula e a transmutasse, seria incapaz de romancear coisa tão áspera e a doer por todos os lados. Mas é também por isso que Afonso Cabral é romancista - e pelos vistos também poeta - e eu não.
    Boa noite e bom domingo

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    1. Bea, amiga minha, publique um romance ou uma colectânea de pequenos textos que eu, «euzinha», corro a comprar. Você gosta de escrever (e que bem escreve!) e eu gosto de a ler. E não só eu, que eu sei!
      Beijo, bom domingo.

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    2. Nunca pensei nisso a sério, Teresa. Há tanto livro e tanta gente a publicar, que falta pode fazer uma pessoa como eu que nem gosta muito de ver gente?!
      E a Teresa pode sempre ir ler-me no blogue. É o meu entretém:). Se distrair mais alguém, óptimo.

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  9. Pois ainda não li nada dele... Fica a curiosidade.

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    1. Luisa, não fique pela curiosidade, avance para a leitura. Deixo um conselho, leia primeiro o primeiro... romance, claro!
      Beijo, bom domingo (aqui está cinzentão...)

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  10. Querida Teresa, não vais acreditar, ou melhor, vais, porque sabes que não minto, estava a preparar um post sobre este jovem, mas....coincidência ou não, resolvi fazer-te uma visitinha e eis que encontro aqui o post por mim imaginado, mas, de ceteza, não tão bom quanto este. Está aqui tudo escrito e muito bem escrito, sobre este jovem, cujo livro, lerei, logo que termine um monte deles que tenho em " lista de espera " . Terei que procurar outro tema, mas, como és a minha GRANDE AMIGA do coração, procura-lo-ei com muito gosto. Adorei a tua carttinha de resposta à foto da minha pequenininha. Obrigada! És uma fofa! O abraço vai enorme e cheínho de amizade. Parabéns pela bela e explícita publicação.
    Emilia

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    1. Querida Emilia, para que tema não te falte eu sugiro já um: PREGUIÇA!
      Sim, porque necessito urgentemente de ler/fazer/tomar algo que me ajude a lutar contra essa malvada, que me faz amontoar dezenas de livros lidos e centenas de fotos, tudo em fila de espera para saltar para o Rol.
      Por vezes arrebito e faço umas coisitas, mas, e a matemática não falha, começam a ser mais as horas de vida que passo derramada no sofá.
      Amiga do coração (gostei!) acredita que eu, que sempre fui super activa, luto contra a malvada, mas não resulta e mais desanimada ainda... volto ao sofá.
      E que faço eu no sofá? Nada, nadinha, peva, patavina, zero! Melhor dizendo: desespero!
      Ufa, desabafei! Preciso de ajuda? Sim, eu sei!
      Beijos e abracinhos para ti, beijinhos repenicados para a linda pequenininha.

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    2. Obrigada pela dica Não sei quando irá novo tema para o começar de novo, pois a pequenina não tem ido para o infantário; pegou aquele virus ( nunca tinha ouvido falar) que provoca a tal " boca pés e mãos ", não é problemático, não há medicação ( só para febre, se aparecer) mas, como é contagioso, tem que ficar em casa. Quanto à tua " preguiça ", amiga, há alturas em que também me aparece e só o sofá e sala escurinha me aconchegam. O que será? Não sei! Sei que é uma inquietude, um apertozinho que não sei de onde vêm. Enfim...coisas de almas inquietas, creio. Espero que passe, querida amiga, pois sei, por experiência própria que não é nada bom. E olha, não são poucas as vezes que isso me acontece. Não vale muito, mas daqui vai um abraço bem, bem apertadinho carregadinho de amizade. Embora isso não seja preguiça, vou pensar nesse tema!
      Emilia

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  11. Oi Teresa, não o conheço e pela sua resenha e sua origem posso imaginar o quanto tem a produzir e assim parabéns pela premiação. Um livro que interessa a leitura.
    A violência nas cidades evocada pela intolerância, que hoje é crescente e perigosa amiga e o no livro deve ser bem extirpada/dissecada pelo Afonso.
    Grato por apresentar e partilhar a resenha.
    Uma boa linda semana para você.
    Beijo amiga.

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    1. Oi Toninho!
      A história, muito bem escrita, incomoda ainda mais porque sabemos que o crime é real. Aconteceu, ponto.
      Beijo meu amigo, feliz semana (aqui... chove!).

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  12. Querida Teresa, tão jovem e já com esse currículo todo! Trineto de Eça de Queiroz? Que orgulho! Vai longe o jovem!!
    Morei aqui em Porto Alegre, durante 12 anos numa rua que se chama Eça de Queiroz! Tenho certa intimidade com o Eça, rsss.
    Anotei o nome, irei vasculhar por aqui...
    Beijo, amiga, uma ótima semana!

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    1. Bom dia, amadinha!
      Gente fina é assim, vive em rua com nome de escritor famoso!!!!!
      Vasculha, amiga, vasculha que o que vais encontrar é BOM!
      Beijo, feliz semana.

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  13. Acompanhei as notícias quando estive aí por estes dias.
    Bjs, boa semana

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    1. Estiveste por aqui?
      Pelos vistos estive eu longe do teu blogue demasiado tempo...
      Vou já para lá.
      Beijo, boa semana.

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