Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.
Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que…
Isto.
Um internado num manicómio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicómio sem manicómio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim…
Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu tecto provinciano? Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.
Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer –
Júpiter, Jeová, a Humanidade –
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?
Estala, coração de vidro pintado!
Poema de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa (1888-1935)
(Um dos meus poemas preferidos.)
Sabia que (5):
“1905 – Em Agosto (Fernando Pessoa) parte sozinho e definitivamente para Lisboa (…)
Continua a escrever poesia em inglês.
1906 – Matricula-se no Curso Superior de Letras.
1907 – Desiste do Curso Superior de Letras.
Lê os filósofos gregos e alemães; os decadentes franceses (…)
Em Agosto morre a Avó Dionísia deixando-lhe uma pequena fortuna. Com o dinheiro recebido, vai a Portalegre a fim de comprar material para montar um tipografia em Lisboa.
Instala, na Rua a Conceição da Glória, 38 e 40, a «Empresa Ibis – Tipografia e Editora», que mal chega a funcionar.
Recusa a oferta de bons lugares por os mesmos incluírem obrigações de horário que lhe seriam de obstáculo à realização da sua obra literária.”
("Fernando Pessoa, uma fotobiografia", de Maria José de Lancastre).
Não sabia? Eu também não!
O que importa é que agora sabemos.
Prometo partilhar mais informações sobre a vida do poeta do desassossego.
(Foto da net)
Gostei da poesia e desse desassossegado poeta sempre vale mais saber! beijos, lindo feriadão! chica
ResponderEliminarEstou numa fase da vida em que me sinto um pouco como nesse poema.
ResponderEliminarExcelente elección de poema, y muy interesante esa pequeña biografía que haces del autor.
ResponderEliminarMuy bonita entrada.
Un abrazo.
Seja qual for o heterónimo de Pessoa que escreva, o desassossego está sempre lá, palpitante!
ResponderEliminarNão Teresa, não sabia dessas curiosidades acerca do poeta, mas seja em que tempo for, é tempo de aprender.
De repente senti bater uma saudade de poesia. Ultimamente não tenho lido nem publicado poemas, talvez o faça proximamente.
Grata por este bom naco poético, deixo um forte abraço.
Janita
Não sabia e não me lembrava do poema!!! Bj
ResponderEliminarAlgumas sabia (a tipografia, por ex.). Com datas é que me entendo mal. :)
ResponderEliminarPor vezes também sinto um "mal-estar a fazer-me pregas na alma".
"Se ao menos endoidecesse deveras!
ResponderEliminarMas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que…
Isto."
Só o nosso desassossegado poeta podia escrever assim…
Um bom fim de semana.
Um beijo.
Magnifica escolha, lindo poema de Fernando Pessoa.
ResponderEliminarBom fim de semana
Beijinhos
Maria
Divagar Sobre Tudo um Pouco
Não conhecia este poema e achei ótimo. Quantas vezes na vida nos sentimos assim, meio loucas, sem chão.
ResponderEliminarbeijinhos muitos...
Léah
FPessoa psicólogo e filósofo no seu melhor...
ResponderEliminarUma semana aconchegante e simpática.
Abraço grande.
~~~
O homem era mesmo uma alma torturada, perturbada.
ResponderEliminarBeijos, boa semana
Mais um Grande da Literatura e Cultura Portuguesa. Poesia difícil dos seus 4 heterónimos e dele próprio. Um Génio !!!
ResponderEliminarTambém conhecia a história da tipografia. Obrigado Teresa !
Não conhecia o poema.
ResponderEliminarIsabel Sá
Brilhos da Moda