23 março, 2018

"A substância do AMOR e outras crónicas" - José Eduardo Agualusa

Com o tempo o tempo encolhe. Lembro-me de que quando era criança e andava na escola primária as Férias Grandes eram realmente grandes, podíamos mudar de vida várias vezes, emagrecer, engordar e emagrecer outra vez, e ainda sobravam férias. Naquela época, dez anos confundiam-se com a Eternidade. “Com o tempo o tempo encolhe”
Lançado em 2000, este livro de crónicas de José Eduardo Agualusa publicadas na Pública, revista do jornal Público, comprova a qualidade de escrita do escritor angolano.
Reúne 50 textos curtos - distribuídos por três grupos Ficções, Inquietações, Paixões - que abordam diversos temas, alguns bem complexos como as relações entre homens e mulheres, com muito humor e grande acutilância crítica.
Substância do amor”, escolhida para título do livro, está no primeiro grupo. São duas páginas mal cheias de texto, um presente de amor e humor:
“ELA AINDA O AMAVA: «O amor é apenas o princípio do ódio.» Dizia estas coisas terríveis com uma convicção que assustava as amigas. (…) «O verdadeiro amor é contraditório». Agora tinha a certeza de que seria feliz para sempre – e infeliz algumas vezes: «É preciso conhecer a noite para apreciar o dia».
As amigas cansaram-se dos seus aforismos. Uma irritou-se: «Achas que sabes realmente tudo sobre o amor?»
Ela estava tão feliz que não se importou. Não sabia, claro, porque «todo o amor é um mistério». Mas estava feliz e a felicidade fazia-lhe bem à pele: «Deviam isolar a substância do amor e colocá-la nos cremes de beleza.»" (...)
Se o Lobo Mau fosse angolano” do segundo grupo, é para ler e reflectir:
“SE O LOBO MAU FOSSE AMERICANO TERIA COMIDO A AVOZINHA, o Capuchinho Vermelho, o Caçador e ainda toda a Comissão de Inquérito nomeada pelas Nações Unidas para investigar o caso. Um Lobo Mau japonês faria a mesma coisa, mas com tal eficiência e descrição que ninguém daria por nada.
Imaginemos agora um Lobo Mau angolano: com toda a certeza chegava a um acordo com o Capuchinho e juntos comiam a Avozinha. A seguir o Lobo Mau comia o Capuchinho e acusava o Caçador.” (...)
Como amar uma mulher (e sobreviver)” do terceiro grupo, é para rir, rir, rir:
“ESTA É UMA CONVERSA SÓ PARA HOMENS. Minhas senhoras, queridas leitoras, por favor saiam neste parágrafo e fechem a página. Saíram?
Será que saíram todas?
Estamos então entre nós. Bom, é que eu preciso de desabafar. Sou um homem que gosta de mulheres (…) são poucos os homens que gostam de mulheres. É para estes, na verdade, que eu escrevo esta crónica. Os outros, os que pensam que gostam de mulheres – mas nunca entrançaram o cabelo no seu amor – esses podem também fechar a página.
Agora sim, estamos entre nós. (...)
Querem saber agora qual é o segredo para amar uma mulher e sobreviver?
Eu também.”

Termino com o magnífico início da primeira crónica “Borges no inferno”:
JORGE LUIS BORGES SOUBE QUE TINHA MORRIDO quando, tendo fechado os olhos para melhor escutar o longínquo rumor da noite crescendo sobre Genebra, começou a ver.
Se gosta de ler pequenas histórias tanto quanto eu, este livro é para si.
Compre, leia, divirta-se!

A substância do amor e outras crónicas, de José Eduardo Agualusa
Ed. Quetzal, 2017
184 págs.

12 comentários:

  1. É um dos meus escritores de referência o Agualusa e este livro ainda não o li mas vou lê-lo de certeza absoluta.
    Um abraço e bom fim-de-semana.

    Andarilhar
    Dedais de Francisco e Idalisa
    O prazer dos livros

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  2. Merecido destaque para o grande escritor que é Agualusa.
    Bom fim de semana, amiga Teresa.
    Um abraço.

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  3. .
    Teresa, depois eu comento teu
    texto, porque mal acabei de ler
    teu comentário corri para cá.
    Ninguém ou quase ninguém fala
    comigo como tu falas e esse
    negócio de dizeres que eu falo
    sem ofender os bons costumes é
    coisa de quem gosta da gente.
    Afinal de contas eu falo do jeito
    que sei enquanto demonstras a
    grande amiga que és. Adoro quando
    tu abres o coração e falas o que
    te dá na telha. Por isso, com
    todo o respeito e grito a todos
    os meus amigos; "Teresa, te amo!"

    Beijos.

    silvioafonso

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  4. Parece ser bem interessante.
    Obrigado pela dica.
    Bom fim de semana
    Beijinhos
    Maria de
    Divagar Sobre Tudo um Pouco

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  5. Teresa,
    Suas publicações são riquíssimas e
    as leio com calma enquanto tomo
    algumas xícaras do meu café.
    Feliz domingo.
    Bjins e/ou Abraço
    CatiahoAlc.

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  6. Registo a sugestão, de um autor que me muito aprecio.
    Fica em lista de leitura.
    Bjs, boa semana

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  7. Belo conselho. Poder-se-ia
    comprá-lo sem regateio.

    Beijos, amiga. Bom dia.

    silvioafonso



    .

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  8. José Eduardo Agualusa é um autor excelente, cuja leitura nos cativa sempre.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

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  9. Teresa gostei da indicação e está registrada.
    Como estas? A primavera finalmente chegando por ai.
    Aqui dizem ser o outono, entretanto mais parece verão continuando.
    beijinhos, Léah

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    1. Léah, sinto-me bem e agora que a primavera chegou vou sentir-me ainda melhor. Adoro sol!
      Entretanto, como a chuva volta amanhã e fica até domingo de Páscoa (dizem os entendidos), vou procurar conforto nas amêndoas de chocolate...
      Léah, este livro de crónicas é "pura diversão".
      Beijo, amiga, e uma Santa Páscoa.

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  10. Querida Teresa, como não anotar o cronista angolano Eduardo Agualusa? Apesar dele escrever no Globo, jornal brasileiro, já está anotado o livro. Livro é livro, não é amiga?
    Beijinho!

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    1. Cronista Tais, tenho a certeza que te vais divertir-te com as pequeninas histórias de Agualusa.
      Beijo.

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