16 março, 2018

"A vida é o sarro do tempo"


"Temos 25 anos para fazer boa figura. Esta lei, precisa como as leis da física, ordena que aspiremos à perfeição entre os 20 e os 45 anos. (…)
Aos 20 anos somos todos imortais, e sobre essa imortalidade não cai a luz, a decadência. Por mais miserável que seja a vida quotidiana, o espelho devolve uma pele que nos cobre lisa, um cabelo que cresce forte, um olhar que rebrilha. As mãos são fortes e as unhas rosadas. As pernas correm sem esforço e os braços capturam tudo o que podemos abraçar. A sorte de ter 20 anos é a sorte das coisas intactas, da matéria intacta. Da natureza selvagem. O corpo e a mente obedecem sem contrariedade e com prazer. (…)
A partir dos 40 anos, o sino dobra aos 45, a marcha para a morte anuncia-se sem alarme. (…) Aos 40, a beleza começa a ausentar-se com discrição. A pálpebra descai, a ruga cava-se ao canto dos lábios, a pele conhece dias macilentos. Os ossos, como o resto do corpo, começam a perder substância e a ganhar paciência. E a mente começa a dar erros, pequenos e impercetíveis erros, deslizes reparados no instante em que acontecem. A experiência e a sageza dos 40 compensam as diminutas falhas, e hoje considera-se esta a idade do esplendor. A da maturidade. A do sucesso. A do tempo vencido.
(…) nada, aos 60 anos, nos prepara para a violência terminal dos invernos (…) 
Os 80 anos trazem um cortejo de iniquidades e indignidades. (…) Se a mente levou o caminho do corpo e se ausentou para parte incerta, a velhice é uma prisão. Os olhos embaciados escondem uma interrogação. Perdida a bússola, vagueamos sem situação no Cosmos. A memória aniquila o tempo anterior e dissolve as memórias em ácido. A vida é o sarro do tempo. (…)

Excerto da crónica “A morte excede-nos”, de Clara Ferreira Alves (jornalista e escritora portuguesa, n. 1956), publicada na “E”, revista do jornal Expresso de 3 Março 2018
Vale a pena ler na íntegra.

Foto da net

19 comentários:

  1. " A vida é o sarro do tempo " e a velhice " um saco " como dizem os brasileiros. Já estou na preparação " para a violência terminal dos invernos " e, como detesto esta estação, imagina como me sentirei nos 80. Ainda agora dei os parabéns à minha mãe que faz 88 anos; uma idade bonita, dizem, mas que tristeza me dá ver o que a velhice está a fazer com ela. Mas que adianta, amiga? Temos que seguir em frente e não pensar nisso. Beijinhos e fica bem
    Emilia

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    1. Emilia, começo por deixar um beijinho de parabéns para a tua mãe. 88 anos, linda idade!
      A velhice dos nosso pais nem sempre é bonita de ver mas poder continuar a abraçá-los, beijá-los, acarinhá-los, reconforta-nos a alma.
      Amiga, vais sentir-te bem aos 60 e aos 80. Mereces, pelo grande coração que tens.
      Beijo e bom fim-de-semana.

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    2. Aos 60, querida amigs? Quem dera? Já lá vão uns anitos a mais. Mas, tens razão. .. poder continuar a abraçar minha mãe, é mesmo muito bom!. Tu és uma querida, Teresa e imagino-te com um coração do tamanho do mundo, mas, claro, muito melhor que este mundo actual fica bem, apesar deste tempo tão esquisito . Um grande abraço
      Emilia

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  2. Beleza de texto. Quanto ao tempo,
    carcereiro que nos atém aos grilhões,
    eu só lamento, uma vez que nos leva a
    disposição de fazer certas coisas, en-
    fraquece-nos os músculos, mas deixa a-
    tiva as vontades e os desejos.
    Do que adianta saber todas as respostas
    se o corpo nada mais te pergunta?

    ESTOU SEGUINDO O SEU BLOG. Siga o meu
    também...

    Beijos,

    silvioafonso



    .

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    1. Bem-vindo, Silvio!
      Se a idade não nos deixa correr... andemos!
      Valorizemos o que nos faz sentir vivos.
      O meu corpo pergunta-me muitas vezes «porque estás tanto tempo sentada à frente do computador?» e eu, que até sei a resposta, embaraçada, não respondo!
      Vou passar pelo seu blogue.
      Abraço.

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    2. Teresa, adorei sua visita
      e principalmente suas
      palavras.
      Um beijo e bom domingo.

      silvioafonso


      .

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  3. E refletir sobre isso é muito importante!
    Por isso há que saber ... saborear a Vida independentemente da idade!
    bj e gosto da reflexão

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    1. Isso mesmo, Gracinha!
      Força!
      Beijo.

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    2. Teresa podes levar os olhares que quiseres!
      Não me importo nada pois se levam é por gostarem e quanto ao nome ... não sinto necessidade de o fazer!
      Deixa o link do outro blog para eu adicionar!
      bjinho

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    3. Aqui fica o link do meu jardim:
      "https://petalasdesabedoria.blogspot.pt/".
      Beijo e obrigada, amiga!

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  4. Interessante e reflexivo texto.
    Bom fim de semana
    Beijinhos
    Maria de
    Divagar Sobre Tudo um Pouco

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  5. Aos 40 a velhice não me apoquentava. Tenho uma foto dos 50 e ainda me pareço bastantemente com a imagem que tive de mim. Depois disso é sempre a descer e em todos os lados de sermos vivos. Os 80 são descida abrupta de degraus. Mas o meu pai, que já vai a meio da década dos 80, gosta de viver, teme cada vez mais a morte, mas continua independente e solitário.
    Aprendemos a viver com a idade que temos. A esquecer o que não nos convém, a restringir alimentos, andar mais devagar e aguentar a dor. É ainda uma fase da vida. E talvez seja sorte termos chegado até aqui. No meu caso, grande sorte.

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    1. Isso mesmo, Bea, temos de nos aceitar com a idade que temos.
      Mais quilo, menos quilo; mais ruga, menos ruga - o importante é continuarmos cá. Sem dores, de preferência...
      Beijo e boa semana.

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  6. Não descobri o link para continuar a ler.
    No que li, não vi nada de original...
    ~~~ Beijo e boa tarde de domingo ~~~

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    1. Terás de procurar na net - revista do Expresso de 3 de Março, 2018.
      Mas se não encontraste "nada de original" nos parágrafos que seleccionei, talvez seja uma perda de tempo. Digo eu!
      Beijo e boa semana.

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  7. Teresa, que postagem excelente, nota 10!
    Tenho pensado tanto nisso, no nosso caminho. Dizem que não interessa onde vamos, interessa o caminho que trilhamos para tal fim. Mesmo assim é algo desconfortável, nunca o ser humano aceitará de bom grado o que lhe é tirado com brutalidade, seja como for. O fim sempre será brutal, violento. Apenas nos conformamos, afinal, terá outra maneira senão essa?
    Serei eu dramática ou realista?
    Não tenho nenhum medo da morte, tenho medo de morrer, dessa passagem ou fim muito misterioso e que o homem nunca desvendará: o nascer e o morrer.

    Beijo!

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    1. Todos somos dramáticos, sonhadores e realistas.
      Todos temos medo de morrer. Enganamo-nos dizendo que não, mas temos!
      Eu tenho! Não tanto de morrer (nasci vou morrer), mas de sofrer. Isso sim, me apavora!
      Dizem que "a vida são umas férias que a morte nos dá", então, vivamos o melhor que pudermos porque férias amiga, passam rápido.
      Nascer, crescer, morrer - a peça, em três actos, termina quando o cenário desaba.
      Beijo e boa semana.

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  8. Todas as idades têm os seus encantos.
    Sinto-me muito bem nos meus 53 anos.
    Como nunca me senti antes.
    Bjs, boa semana

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    1. 53 anos, Pedro?
      Onde já vão os meus...
      Todas as idades têm os seus encantos... mas umas mais do que outras.
      Sinto-me bem com a idade que tenho, desde que longe dos espelhos!
      Beijo e boa semana.

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