Os mortos são na vida os nossos vivos, andam pelos nossos passos, trazemo-los ao colo pela vida fora e só morrem connosco. Mas eu não queria, não queria que o meu morto morresse comigo, não queria! E escrevi estas páginas…
É de contos este livro de Florbela Espanca, publicado postumamente em 1931, um ano após o suicídio da poetisa.
Contos que ela escreveu em homenagem ao irmão Apeles Espanca, falecido tragicamente em 1927, quando o avião que pilotava se despenhou nas águas do Tejo.
Agustina Bessa-Luís assina o excelente Prefácio: “A vida de Florbela não foi longa. Mas pode dizer-se que é breve uma vida infeliz, em que os minutos são desertos de agrado pelo mundo? Todos os contos de Florbela descrevem esse deserto moroso, onde sopra um vento açulador e triste… Florbela foi infeliz com razões para a felicidade.”
Segue-se a dedicatória ao irmão: “Este livro é dum Morto, este livro é do meu Morto. Que os vivos passem adiante…”
E depois, alinham-se oito pequenos, belos, tristes, estranhos contos, feitos de palavras choradas por uma mulher frágil, devastada de dor e saudade, incapaz de lidar com a perda do irmão amado.
O Aviador
"O que anda sobre o rio? Outra gaivota? Outra vela?
É um homem que tem asas! (…) O homem está contente. Atira as asas mais ao alto, escalando os cimos infinitos, já fora do mundo, na sensação maravilhosa e embriagadora de um ser que se ultrapassa! Sente-se um deus! As mãos desenclavinham-se, desprendem-se-lhe da terra onde as tem presas um derradeiro fio de oiro… e cai na eternidade…”
A Morta
“Todas as tardes, à hora em que o crepúsculo, todo vestido de glicínias, descia com a doçura dumas pálpebras que se fechassem (…) a mão do noivo empurrava a porta do jazigo. (…)
O vivo e a morta falavam, e o que eles diziam não o podem entender os vivos nem talvez mesmo os ouros mortos (…)
Mas, uma tarde, a Morta esperou em vão, e esperou outra e outra e outra ainda em infindáveis horas de infindáveis tardes. (…)
Foi então que uma noite mais cega ainda que as outras todas (…) ela ergueu os braços, levantou brandamente a tampa do caixão, e desceu devagarinho… foi então que ela puxou para si a porta do jazigo que dava para a noite.
E a Morta lá foi pela soturna avenida, no seu passo, de manto a roçagar. Empurrou a porta apenas encostada – para que se há-de fechar a porta aos mortos? – e saiu… e na cidade adormecida foi uma flor de milagre que os vivos sentiram desabrochar.”
Os Mortos não voltam
“… os mortos não voltam e é melhor que assim seja… Que vergonha se voltassem! Onde há por aí uma alma de vivo que se tivesse mantido digna de semelhante prodígio?”
O resto é perfume
A paixão de Manuel Garcia
O Inventor
As Orações de Soror Maria da Pureza
“Mariazinha lembrava-se muito bem. Todas as noites daquele ano em que não houvera Inverno, o namorado, encostado às grades, rezara a litania da sua puríssima paixão.
Mas um dia vieram dizer-lhe que ele tinha morrido. Morreu… pronto! Morreu. Foi só isso, Mariazinha. (…) Mariazinha não percebeu nem tão-pouco disse nada. Encerrada em si mesma como um cofre selado, foi um túmulo fechado e mudo, onde as revoltas e os gritos, as censuras e as carícias iam despedaçar-se em vão. (…) Passaram dias, meses, passaram dois anos (…) continuava a ir à grade onde fiava horas e horas a sorrir, de olhos baixo, com as mãos a tremer, num enleio de amor que não era deste mundo.”
O Sobrenatural
Comprei este livro em 1982. Li-o, guardei-o, emprestei-o, dei-o por perdido e agora recuperei-o.
Apesar de me ser entregue com a maioria das folhas soltas, relê-lo foi estupendo!
As palavras são túmulos…
… mas não nos tiram o sono.
Acreditem!
As máscaras do destino, de Florbela Espanca
Bertrand, 1981
181 págs.
Querida amiga, pode parecer estranho e com certeza o é, que eu, " menina de letras " tenha ficado pasmada com os " contos " da nossa Florbela, mas o certo é que só a ligava à poesia. Portanto foi muito interessante este teu post que li com muita atenção e que me ensinou muito. Como sempre digo, aprende-se muito neste mundo dos blogs
ResponderEliminarQuanto a José Tolentino de Mendonça, já conheço alguma coisa e por acaso dei à minha mãe um livrinho dele para a incentivar a ler e assim tirar " a cabecinha " da situação em que vê o meu pai e que a abala muito; espero que as enfermeiras não esqueçam o pedido que lhes fiz, de lembrarem a minha mãe da importância que tem para ela a leitura. Teresa, muito obrigada pelo post que me recordou aquilo que não deveria ter esquecido, tendo em vista o tanto que estudei sobre os nossos escritores e poetas. Um beijinho e tudo de bom para ti e para os teus.
Emilia
Olá Emília!
EliminarEmocionou-me muito o teu comentário.
Não fazes ideia do que eu aprendo, todos os dias, nos blogues que sigo. Se eu fosse de pasmar com o que não sei…
«O tempo que dura uma vida humana não chega para aprender tudo.», diz Jostein Gaarder num dos seus livros.
Aprendamos, então.
Emilia, não podias ter feito melhor escolha de leitura para a tua mãe. Continua a incentivá-la.
Cresci vendo a minha mãe ler jornais. Não lia livros, só jornais. Quando, muitos anos passados, a vi afastar os jornais que lhe levava… o meu coração quase parou de tristeza. O fim dela, estava próximo.
Amiga, tudo de bom também para ti e para os teus. (Gostei do teu final, e copiei!)
Beijo.
Teresa, sempre liguei Florbela à poesia, tenho vários livros dela, mas de poemas. Vou procurar seus contos. Como disse nossa amiga Emília, vou atrás, aqui no Brasil ela é conhecida como maravilhosa poeta!
ResponderEliminarValeu a dica, amiga!
Beijosss.
Também tenho os contos de Florbela; são um tanto mórbidos. Mas é como ela escreve, são a tentativa para que um morto perdure.E já isto, sendo bonito, é um bocado triste.
ResponderEliminarMais uma vez, não estou de acordo com Agustina Bessa-Luís... poderá ser ótima escritora para alguns, mas não tem minimamente conhecimentos de psicologia científica.
ResponderEliminarA vida infantil de Florbela foi muito trágica e sabemos que os traumas desta idade marcam profunda e definitivamente uma vida...
Os irmãos foram arrancados do convívio da mãe doente que ganhava a vida na prostituição e entregues à mulher do pai que os criou...
É absolutamente compreensível o elo especial que os ligava...
A biografia da exímia poetisa em relação à mãe usa o eufemismo ''pobre mulher de costumes pouco morais'', mas no soneto dedicado à mãe, percebemos que ela sabia a verdade.
Paro por aqui, senão não terminaria...
Nunca ouvi falar deste livro de contos - meio macabros - que, de facto, revela o estado profundamente deprimido em que a escritora estava antes do triste desfecho de sua vida.
Estimada Teresa, aprendi com esta postagem...
Grata pela interessante partilha.
Um fim de semana muito agradável.
Abraço e beijos.
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Olá Majo!
EliminarTudo é imperfeito.
A biografia de "Florbela Espanca", de Agustina Bessa-Luís (que postei no meu rol), não sendo perfeita "mostra" o cabal conhecimento, afecto e consideração da escritora pela poetisa.
Está lá tudo, sobre todos: pai, mãe, madrastas, irmão, maridos, amigos. Vale a pena ler para conhecer a vida literária e pessoal de Florbela, gostemos ou não de Agustina.
Majo, hoje aprendeste com esta postagem, amanhã aprenderei eu com uma das tuas.
Beijo e bom domingo.
Essa conversa de vocês duas, você e Majo, quem lucrou fui eu! Agora está explicado pra mim a imensa angústia, a vida triste e inexplicável de Florbela. Bota drama nisso!!!
Eliminarbeijo!
Querida Teresa já li alguns poemas de Florbela em alguns blogs, e só tenho, devo confessar, apenas um livro "coletânea de seus melhores versos" publicada em 2005. gosto muito dessa poeta, só não tinha conhecimento de sua biografia tão triste e dramática.
ResponderEliminarbeijinhos, Léah