O amor é em Florbela um delírio de discordância.
“A biografia de Florbela Espanca oferece muitas dificuldades de análise, pois se trata de uma mulher, e a mulher é como a Fortuna: enquanto existe, é bendita, quando desaparece, dela se diz todo o mal.”
Biografia, estudo psicológico ou reconstituição de percurso de vida, chamem o que quiserem a este livro de Agustina que eu continuarei a aplaudir a considerável pesquisa que está por trás do retrato competente que ela fez de Florbela Espanca (1894-1930).
Qualifiquem-no de bom, medíocre ou péssimo, que eu continuarei a enaltecer o conteúdo e a leitura fácil (tendo em conta a rebuscada escrita de Agustina), agradável e muito proveitosa.
De Florbela eu conhecia apenas alguns poemas da sua extensa, bela, triste, ternurenta, e um tanto ou quanto erótica, obra. Agora, conheci a mulher brilhante, talentosa e ousada para a época. A mulher
de personalidade contraditória, insubmissa, depressiva, sensível, narcisista, frágil, filha de pai arredio, privada do contacto com a mãe, criada por madrastas, que ousava afirmar: “não há ninguém que de mim se tenha aproximado que me não tenha feito mal”.
Toda a vida de Florbela é uma permanente reivindicação. Nada lhe basta, nada a satisfaz, porque há uma carência anterior…
Três casamentos, alguns amantes, uma "estranha relação" com Apeles, o irmão. “Lembra-te que és preciso ao meu coração, que tomou o doce hábito de te conservar um cantinho privilegiado onde mais ninguém entra.”, dizia-lhe ela.
Em Junho de 1927, a morte (suicídio?) do irmão acentuou o seu estado depressivo “Morreu. Parece que morreu tudo, que ele não deixou cá ficar nada, parece que levou tudo… Eu choro o meu maior amor, o meu orgulho, metade da minha alma.” Então, dominada pela amargura, ela foge de tudo e de todos.
Em Dezembro de 1930, na véspera do seu aniversário, Florbela escolhe a morte para sua derradeira fuga.
"No Mundo, passo por todos, vendo alguns; na vida esqueço-me de quase todos, esquecendo-me de mim. Quase tudo me é indiferente."
Li, gostei, aconselho vivamente.
Desvendei pouco, para que seja muito o arrebatamento de quem decidir "ver" Florbela Espanca tratada por Agustina Bessa-Luís "com singular afecto e consideração. Afecto poético, consideração humana”.
A MINHA DOR
(A Você)
A minha Dor é um convento ideal
Cheia de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.
Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal…
E todos têm sons de funeral,
Ao bater horas, no correr dos dias…
A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
E ninguém ouve, ninguém ouve, ninguém…
Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve… ninguém vê… ninguém…
(Livro de Mágoas)
Florbela Espanca, de Agustina Bessa-Luís
Guimarães Ed., 1976
221 págs.
Não sei o que Agustina viu em Florbela. Eu gosto dela: Da poesia, da mulher que a vive. Que Florbela vive em cada linha, é indubitável.
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