“No conto tudo precisa de ser apontado num risco leve e sóbrio: das figuras deve-se ver apenas a linha flagrante e definidora que revela e fixa uma personalidade; dos sentimentos, apenas o que caiba num olhar, ou numa dessas palavras que escapa dos lábios e traz todo o ser; da paisagem somente os longes, numa cor unida”.
(Eça de Queirós)
Deambulava eu por uma livraria em busca de tudo e nada, quando os meus olhos poisaram em “Contos”.
Contos de Eça de Queirós?!
Como sou louquinha por contos rejubilei de contentamento, mas logo corei de vergonha por desconhecer que Eça de Queirós tinha feito uma incursão pelas pequenas histórias.
Recuperada, horas depois deliciei-me com vinte e três retratos satíricos da sociedade portuguesa oitocentista, para ele: “uma sociedade onde os costumes estão dissolvidos e os caracteres corrompidos”.
Pois é, Eça de Queirós (1845-1900) um dos nomes grandes da literatura portuguesa, advogado, jornalista, diplomata, senhor de uma escrita impecável, usou como poucos o humor, a subtileza e a ironia para fazer crítica política e social.
Eis algumas "alfinetadas", que primam pela inegável actualidade:
(O réu Tadeu)
"- É simples e bom este homem.
Nunca será nada, nunca há-de passar de um desgraçado homem honrado. Tem a alma toda vestida de farrapos de virtude, que nem o hão-de canonizar nem o hão-de deixar enriquecer. Não compreendem, estes homens, que toda a vida é um logro, desde Cristo, que especulou com a alma, até Napoleão, que especulou com as balas."
(O Milhafre)
(O réu Tadeu)
"- É simples e bom este homem.
Nunca será nada, nunca há-de passar de um desgraçado homem honrado. Tem a alma toda vestida de farrapos de virtude, que nem o hão-de canonizar nem o hão-de deixar enriquecer. Não compreendem, estes homens, que toda a vida é um logro, desde Cristo, que especulou com a alma, até Napoleão, que especulou com as balas."
(O Milhafre)
"Meus amigos. A literatura em Portugal está a agonizar: morre burguesmente e insipidamente: nem ao menos tem os efeitos de luz extravagantes de todos os ocasos celestes.
É uma doidice o querer pensar, criar e criticar, nesta terra onde nascem as laranjeiras, como diz a cantiga de Mignon. Se ainda houvesse cabelos, seria muito preferível ser fabricante de caixinhas e banha.
Seria mesmo talvez melhor a profissão de poeta lírico, se não fosse uma profissão perigosa. Ainda há pouco, um pediu em casamento não sei que doce açucena, moradora na Baixa; o pai dela interrompeu a história dos idílios sacrossantos e municipais para perguntar ao namorado gentil qual era a sua profissão. «Sou poeta lírico», respondeu ele, «e vivo do meu estado.» - O velho ergueu-se de golpe, tomou uma bengala e espancou o poeta lírico, laureado em três cançonetas exóticas."
(A catástrofe)
(A catástrofe)
"Quando um País abdica assim nas mãos de um Governo toda a sua iniciativa e cruza os braços, esperando que a civilização lhe caia feita das secretarias, como a luz lhe vem do Sol, esse País, está mal; as almas perdem o vigor, os braços perdem o hábito do trabalho, a consciência perde a regra, o cérebro perde a acção. E como o Governo lá está para fazer tudo – o País estira-se ao sol e acomoda-se para dormir. Mas, quando acorda…"
(O Senhor Diabo)
(O Senhor Diabo)
"Conhecem o Diabo?
Não serei eu quem lhes conte a vida dele. E, todavia, sei de cor a sua legenda trágica, luminosa, celeste, grotesca e suave!"
Leia e surpreenda-se!
Contos, de Eça de Queirós
Bertrand Ed., 2008
527 págs.
Grande e magnânimo Eça!
ResponderEliminarBoa memória
ResponderEliminarpresente