Se namorares comigo, dou-te um pombo, cem escudos e um livro.
Ora, acreditem que não foi necessário nada disto para me perder de amores por este romance de José Luís Peixoto.
Li na sinopse que o livro elegia como cenário a extraordinária saga da emigração portuguesa para França (….), acomodei-me no sofá e eufórica e expectante, li (e reli) a primeira frase:
A mãe pousou o livro nas mãos do filho.
Depois, bem, depois, li, li, li, devagar, para nada deixar escapar, uma história cruel mas arrebatadora, sobre o quotidiano de gente humilde de uma vila pobre do interior de Portugal, demasiado longe de cidades onde ninguém conhecia o seu nome. História onde não faltam segredos medonhos, grandes amizades, amores verdadeiros, despedidas, encontros e desencontros, saudades que confundem, livros, muitos livros, fugas da guerra e até uma revolução. História chocante de tão real e avassaladora, sobre homens e mulheres corajosas, que “saltam” fronteiras em busca de um melhor futuro. França é o destino. Paris a cidade de todos os sonhos.
A primeira a partir foi a mãe da frase inicial do romance. Partiu sózinha e ninguém na vila a censurou.
Deixou Ilídio, o filho de seis anos, com Josué, o pedreiro. Josué não era o pai do Ilídio, mas tratava dele com cuidado e ninguém, tinha nada a dizer.
Aos onze anos o Ilídio conheceu a Adelaide, de treze. Não se apaixonou logo por ela, mas anos depois, misturavam-se, compreendiam-se, sorriam ao mesmo tempo. Aos vinte de dois anos, pediu-a em noivado. Separou-os, sem despedidas, a tia Lubélia.
Quando lá chegares, escreve-me um postal. Adelaide ouviu a tia mas não lhe respondeu. Com uma mala na mão e um xaile pelos ombros saiu de casa e percorreu ruas desertas e escuras atrás de um desconhecido, sem saber para onde ele a levava. Entrou para uma camioneta onde estava um grupo de homens encolhidos. Não se cumprimentaram. Não se conheciam. Em comum tinham a viagem da esperança: França.
Sobre a França Adelaide sabia apenas três coisas: as pessoas tinham máquinas que faziam a lida da casa… comiam carne de cavalo cozida… falavam estrangeiro.
Como iria entender-se num lugar em que toda a gente falava estrangeiro e comia cavalo?
Na vila, Ilídio pediu ao amigo Cosme: Ajudas-me a perguntar maneira de chegar à França? Dias depois, vão ambos de camioneta a caminho de França.
Adelaide sabia que o Ilídio iria procurá-la. Para além do amor que os unia, ela tinha consigo o livro que ele lhe deu para guardar. Adelaide conseguia imaginá-lo a não desistir de tudo o que tinham imaginado.
Mas… depois de muitas cartas sem resposta, invernos gelados, primaveras frias, verões frescos, aos vinte e sete anos Adelaide desiste de esperar e casa com…. um “leitor de livros”.
Pronto, pronto, não desvendo mais sobre este soberbo romance, feito de muitas histórias de vida de personagens inesquecíveis: Ilídio, Adelaide, Josué, Dona Milú, Galopim, Lubélia, Cosme, Constantino...
Para acirrar a sua curiosidade, e como um nome, como um título, tem muita importância, deixe que lhe diga que o “Livro” do título do romance “nasceu” do amor de dois jovens de uma vila pobre do interior de Portugal, que se desencontram em França e se reencontraram, já velhinhos, na mesma vila pobre.
Estranho? Não, surpreendente!
De um romance chamado “Livro” eu esperava tudo mas nunca, mesmo nunca, o desconcertante encantamento das últimas páginas.
A mãe poisou o livro nas mãos do filho.
Um livro que acaba conforme começa é porque não acaba nunca.
…
Os livros que tenho nas estantes formam um desenho de mim: o que quero lembrar e o que não quero esquecer.
Este, eu jamais esquecerei
(O Nobel virá, tenho a certeza. E eu, quero viver para celebrar.)
“Livro”, de José Luís Peixoto
Ed. Quetzal, 2010
263 págs.
Já o li há alguns anos e também gostei muito, tanto que foi o livro que me levou a ler mais do autor... :)
ResponderEliminarBeijocas
I have to read it, hope soon.
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