Com a idade aprendemos a cuidar das palavras.
Finalmente li “Manual de pintura e caligrafia”, de José Saramago.
Publicado pela primeira vez em em 1977 - tinha o escritor cinquenta a sete anos - este seu segundo romance chegou às livrarias trinta anos depois da publicação de “Terra do pecado”, o primeiro.
Seguiram-se “Levantado do chão”, “Memorial do convento” e “O ano da morte de Ricardo Reis”, romances que o foram afirmando como escritor, depois consagrado com o Prémio Nobel de Literatura, 1998.
Porquê só agora, se o comprei na Feira do Livro de 1993, onde consegui uma dedicatória do escritor?
Não sei explicar. Talvez o título me tenha enganado estes anos todos. Manual?! Manual de quê?
Afinal, não é um manual, não. É antes um tratado sobre pintura, escrita, viagens, amizade, amor. Um verdadeiro tratado, ou manual, como queiram, sobre a imitação da vida através da arte.
Sei muito bem quem sou, um artista de baixa categoria que sabe do seu ofício mas a quem falta génio, sequer talento, que tem mais que uma habilidade cultivada e que percorre sempre os mesmos sulcos, ou para junto das mesmas portas, mula puxando a carroça duma qualquer costumada distribuição.
Eis H. (um simples H., não mais), o protagonista desta narrativa autobiográfica, um pintor retratista desiludido, de cinquenta anos de idade, a passar por uma crise existencial, em Lisboa, nos últimos anos da ditadura salazarista.
… não gosto da minha pintura: porque não gosto de mim e sou obrigado a ver-me em cada retrato que pinto, inútil, cansado, desistente, perdido…
Mas, quem escreve? Também a si se escreverá?
Quando tenta conhecer as razões que levam as pessoas a escrever, encontra-se, e inicia a escrita de histórias sobre a gente fina que pintou; os amigos que juntou; as mulheres que fingidamente amou (como a Adelina, com quem apenas se deita, para relações sexuais, claro; os lugares por onde andou (declaro que sempre entrarei em Itália em estado de submissão total, de joelhos).
Mas... provavelmente, nenhuma vida pode ser contada, porque a vida são páginas de livro sobrepostas ou camadas de tinta que abertas ou descascadas para leitura e visão logo se desfazem em poeira, logo apodrecem…
Será?
Leia, para saber tudo sobre o retratista que virou escritor, o tal que descobriu inesperadamente que a perfeição existe e que a realidade é intraduzível porque é plástica, dinâmica.
Quem retratou? Quem amou? Por onde andou?
Eu sei tudo mas nada digo.
Vá lá... leia e festeje no final da narrativa: O regime caiu. Golpe militar, como se esperava.
Gostei muito, muito, muito, deste matizado romance.
Aconselho, claro!
Manual de pintura e caligrafia, de José Saramago
Ed. Caminho, 1983
Muito interessante.
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