19 julho, 2015

"A balada de Adam Henry" - Ian McEwan

Ou recomeçamos a viver, a viver a sério, ou desistimos e aceitamos que vai ser uma tristeza daqui até ao fim.
Vida, morte, doença, justiça, religião, música, poesia, amor, paixão, infidelidade, vergonha, sabedoria, subtileza, humanidade, ética profissional - de tudo isto é feito este romance, baseado num caso verídico ocorrido em 1993. Vejamos:

«distância divina, compreensão diabólica, e, mesmo assim, bonita», é como o Presidente do Supremo Tribunal se refere a Fiona Maye, juíza do SupremoTribunal, reconhecida pela inteligência arguta, o rigor, a prosa viva e a sensibilidade com que julga casos da Divisão de Família.
Fiona Maye, é a protagonista do novo romance de Ian McEwan, “A balada de Adam Henry”, (“The Children Act”, no original).
Tem cinquenta e nove anos, um casamento de trinta com Jack, o namorado da adolescência, toca piano, gosta de literatura e da sua profissão. Muito!
Não tem filhos por opção (os remorsos consomem-na agora), mas dedica-se aos filhos dos outros, quando luta empenhadamente pelo bem-estar das crianças em casos complexos e perversos de divórcios onde pais lutam pela custódia dos filhos, por casas, pensões, rendimentos, heranças.
O marido, professor de História da Antiguidade, sempre compreendeu as suas ausências e sempre a apoiou para que pudesse julgar com sensatez e serenidade. Ele fora sempre carinhoso, leal e carinhoso, e o carinho. Como a Divisão da Família provava diariamente, era o ingrediente humano essencial.
Mas… vamos ao início do romance.
Londres, numa tarde de domingo de Junho, Fiona está deitada numa chaise longue. No chão estão espalhadas folhas de um processo complexo que tem de analisar – o divórcio de um casal de judeus, desigualmente ortodoxos, a luta pela educação da filha.
A beber um Talisker com água da torneira, Fiona tenta recuperar da revelação chocante feita pelo marido, da proposta escandalosa que se seguiu e da pergunta que ele lhe fez e a que ela não soube responder:
- Fiona, quando fizemos amor pela última vez?
Está em choque, irritada, dominada por um medo antigo – não podia, não queria, passar o resto da vida sozinha – sem saber o que dizer ou fazer, quando o telefone toca. Automaticamente, atende, é Nigel Paulind, o seu secretário, com um pedido de emergência do hospital Edith Cavell, de Wandsworth - necessitam de uma ordem judicial para fazer uma transfusão de sangue a um doente oncológico, cuja família, por preceitos religiosos é contra o tratamento médico que lhe pode salvar a vida. O doente é Adam Henry, um adolescente de dezassete anos (a três meses de completar dezoito). Como os pais, também ele é Testemunha de Jeová e, como eles, também recusa o tratamento.
Este telefonema faz Fiona esquecer a agitação, indignação, cólera e tristeza da desavença conjugal. Mais tarde analisará o comportamento do marido. Agora, tem de pensar, ouvir os intervenientes, agir e decidir razoável e legalmente. 
Quer ver o rapaz com os seus próprios olhos. Vai visitá-lo ao hospital. Encontra um jovem crente, preparado para morrer, inteligente, adorável, escritor de poemas e a aprender violino. No quarto do hospital ele tocou para ela. Ela cantou para ele. Depois, disseram adeus. Para sempre?
Fiona, a mulher de cinquenta e nove anos abandonada, na primeira infância da velhice, ainda a aprender a gatinhar, tem em mãos um caso urgente e complexo. No tribunal, redige a sentença.
Vai haver transfusão ou não?
Vai Fiona respeitar a fé de Adam?
Vai salvá-lo?
E, já agora, o seu casamento desmorona ou conseguirá a “Meritíssima” resolver uma questão pessoal?
Saberá tudo se ler este “religioso, musical e judicial” romance. 
Mais, saberá quem escreveu o poema (e que poema!) de onde tirei este verso:
Quem afunda a cruz à vida porá termo.

Trama excelente. Escrita brilhante.
Gostei… mas continuo a eleger “Sábado” como o melhor de Ian McEwan. Um dia destes vou relê-lo.

A balada de Adam Henry, de Ian McEwan
Tradução de Ana Falcão Bastos
Ed. Gradiva, 2015
190 págs.

2 comentários:

  1. Aliciante comentário.
    Um autor que quero muito ler.

    Boas leituras!

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  2. Olá Denise,
    O primeiro romance que li de Ian McEwan foi "Sábado". Já passaram muito anos, já li praticamente tudo o que ele escreveu e continua a ser o meu preferido. Se tu ainda não leste, não deixes de ler.
    Também gostei da delicadeza de "Na praia de Chesil", romance que aconselho a todos os jovens.
    "A balada de Adam Henry" é mais um romance de um autor que escreve como poucos. Vale pelo tema.
    Boas leituras e boa semana.

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